O dia 12 de setembro é a data eleita para se combater e entender melhor essa doença presente na vida de milhares de pessoas no mundo todo, é o Dia Internacional de Ação Contra a Enxaqueca. Pelo menos uma em cada 10 pessoas em todo o mundo sofre de enxaqueca em algum momento de suas vidas.
É provável que esse número seja subestimado, pois três vezes mais mulheres do que homens, e mais pessoas pobres do que ricas, sofrem de enxaqueca. Mesmo quando tratadas, as terapias não são muito eficazes, especialmente depois que a enxaqueca já começou.
Durante muitos eventos, festivais e cerimônias importantes da vida – inclusive seu próprio casamento – a engenheira de software Katyayani Vajpayi sofreu com uma enxaqueca latejante que ocorria principalmente no lado esquerdo da cabeça, causando náuseas e atrapalhando sua visão. Às vezes, a dor é tão paralisante que ela só quer ficar em casa sozinha, enrolada na cama em um quarto escuro.
“A dor de cabeça intensa atacava sem nenhum aviso. Eu gostaria de poder vê-las chegando”, revela Vajpayi. “Pelo menos eu estaria mais bem preparada.”
Agora, um novo estudo publicado na revista científica Neurology mostra que aplicativos ou diários de smartphones que podem monitorar o sono, o comportamento e os estados emocionais podem prever dores de cabeça em alguns pacientes. O estudo constatou que as pessoas com enxaqueca matinal relataram níveis mais baixos de energia no dia anterior e sono de pior qualidade na noite anterior.
“Se as pessoas monitorarem seus níveis de energia, atividade física e sono ao longo do tempo, elas poderão identificar como alguns desses fatores podem estar relacionados às crises de dor de cabeça”, explica Kathleen Merikangas, psiquiatra e epidemiologista do National Institute of Mental Health em Bethesda, MD, que liderou o estudo.
O estudo mostra que o monitoramento do sono e de outros fatores desencadeantes pode não apenas prever dores de cabeça em alguns pacientes, mas também ajudar a desenvolver ferramentas para evitá-las.
“As descobertas sugerem que as mudanças no corpo e no cérebro já estão ocorrendo antes que a pessoa sinta dor de cabeça pela primeira vez”, escreveu Monica Bertagnolli, diretora do National Institutes of Health, em uma publicação no blog.
A enxaqueca é muito pior do que uma dor de cabeça ruim. A maioria dos pacientes sente uma dor latejante frequente e intensa em um lado da cabeça. Embora as enxaquecas possam ocorrer a qualquer hora do dia, elas geralmente ocorrem pela manhã, ao acordar.
Algumas pessoas têm enxaqueca em momentos previsíveis, como antes da menstruação, após uma semana estressante de trabalho ou nos fins de semana, quando os hábitos regulares de sono são perturbados; outras são acometidas pela dor sem nenhum aviso óbvio.
A primeira fase da enxaqueca, chamada pródromo, pode começar até 24 horas antes da dor de cabeça propriamente dita. Esse período pode ser pontuado por desejos de comer, mudanças inexplicáveis de humor – como depressão ou euforia –, falta de sono, bocejos incontroláveis ou aumento da micção.
Em alguns pacientes, os distúrbios neurológicos chamados de aura da enxaqueca podem ocorrer antes ou durante as dores de cabeça da enxaqueca. A aura pode ser tontura, zumbido nos ouvidos, linhas em ziguezague que atrapalham a visão clara, náusea, vômito ou sensibilidade à luz e ao som. Embora a aura possa ser um sinal de alerta de um ataque iminente de enxaqueca, ela também pode ocorrer ao mesmo tempo que a dor de cabeça latejante. Entretanto, nem todos os pacientes que sofrem de enxaqueca apresentam a aura.
Depois que a dor de cabeça da enxaqueca passa, segue-se o estágio pós-drômico ou ressaca da enxaqueca. Essa fase, que pode durar de algumas horas a 48 horas, é caracterizada por fadiga, dificuldade de concentração, tontura, fraqueza e pouca energia. Para alguns, o pós-drômico realmente parece uma ressaca induzida pelo álcool, após a qual todo o ciclo pode se repetir imediatamente. Ou um indivíduo pode ficar sem sintomas entre os ataques.
Acredita-se que a enxaqueca ocorra após o acionamento anormal de um nervo específico e de seus vasos sanguíneos associados na superfície do cérebro, mas a causa exata ainda não é conhecida. De fato, existem muitos outros fatores desencadeantes da enxaqueca e pouquíssimos tratamentos são baseados em algum mecanismo específico.
“Se você identificar os fatores de risco que lhe são pessoais e fizer adaptações no estilo de vida para acomodá-los, poderá reduzir a incidência de dores de cabeça”, comenta Donald Penzien, especialista em dor de cabeça e dor da Wake Forest School of Medicine em Winston-Salem, Carolina do Norte, Estados Unidos.
Para descobrir como o risco de desenvolver dores de cabeça está ligado ao humor, ao sono, à energia ou ao nível de estresse de um indivíduo, os cientistas recrutaram 477 voluntários em Washington, D.C., e arredores. Os voluntários, com idades entre sete e 84 anos, incluíam 186 homens e 291 mulheres com ou sem histórico de enxaqueca.
Por meio de um aplicativo de smartphone, eles foram solicitados a monitorar sua ansiedade, humor, energia, estresse e dores de cabeça, quatro vezes por dia, durante duas semanas. Todas as manhãs, os voluntários também relataram a qualidade de seu sono na noite anterior, que também foi medida por meio de um dispositivo vestível.
Em seguida, os cientistas compararam a primeira incidência de dor de cabeça de exaqueca entre aqueles que tinham um histórico de enxaqueca e aqueles que não tinham.
O estudo constatou que uma pessoa tinha maior chance de desenvolver dor de enxaqueca matinal se não tivesse dormido bem na noite anterior ou se tivesse relatado menos energia no dia anterior.
Esse estudo é impressionante não apenas pelo grande número de pessoas estudadas em uma ampla faixa etária, mas também pela porcentagem muito maior de homens incluídos, o que é incomum em muitos estudos sobre enxaqueca, diz Jelena Pavlovic, especialista em enxaqueca do Montefiore Medical Center, no Bronx, Nova York, Estados Unidos.
Para a surpresa dos autores do estudo, as dores de cabeça da tarde ou da noite não foram causadas pela má qualidade do sono ou pela falta de energia no dia anterior. Em vez disso, elas estavam mais provavelmente ligadas a níveis de estresse mais altos ou energia acima da média no dia anterior.
“O sono perturbado é uma preparação para as crises matinais de enxaqueca no dia seguinte, enquanto os níveis de estresse mais altos e a energia mais alta provavelmente provocam os ataques vespertinos”, afirma Pavlovic.
O estudo não encontrou nenhuma relação entre sentir-se ansioso ou deprimido e dores de cabeça no dia seguinte, desde que os níveis de sono ou energia não tenham sido perturbados.
O estudo mostra que os sintomas da enxaqueca, principalmente náuseas e vômitos, podem interferir no sono. No entanto, não incluiu alguns dos fatores dietéticos e hormonais que podem desencadear ataques de dor de cabeça.
A constatação de que as crises de enxaqueca também estão associadas à diminuição da energia no dia anterior sugere que algumas alterações fisiológicas podem ocorrer antes do início do sono e induzir a um sono de baixa qualidade. No entanto, ainda não está claro se a interrupção do sono é um gatilho ou um sintoma da enxaqueca. “Agora estamos monitorando o eletroencefalograma do sono durante a noite para tentar resolver essa questão”, diz Merikangas.
Mas o estudo confirma o que muitas pessoas que sofrem de enxaqueca aprendem por experiência própria: comer, beber, dormir e praticar atividade física regularmente pode reduzir a chance de dor de cabeça.
“Esse estudo reafirma que um dos tratamentos mais eficazes para a enxaqueca é uma boa noite de sono regular”, explica Pavlovic. Embora alguns ataques de enxaqueca sejam inevitáveis para os pacientes, quanto mais cedo alguém puder tratar sua dor de cabeça, geralmente, mais curtos e menos incômodos serão os sintomas, diz Pavlovic.
“Embora os benefícios do rastreamento e da previsão de ataques de enxaqueca possam parecer modestos, francamente, eles estão no mesmo nível de muitos outros tratamentos em termos de capacidade de, pelo menos, prevenir ou reduzir a probabilidade das crises de enxaqueca”, afirma Penzien.