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O polêmico \'chip da beleza\' que preocupa médicos e pode causar até AVC

Publicada em 08/01/24 às 09:59h - 40 visualizações

por Kativa FM \\ BBC


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Sete entidades médicas assinaram carta aberta entregue à Anvisa pedindo mais fiscalização dos produto  (Foto: Kativa FM \\ BBC)

Foi pensando em perder alguns quilinhos e aumentar a massa muscular que a esteticista Larissa (nome fictício), de 25 anos, aceitou a sugestão de uma amiga farmacêutica e implantou o chamado chip da beleza, em julho de 2023.

O resultado, segundo a esteticista, não demorou a aparecer: 5 quilos a menos na balança logo nos dois meses seguintes.

No entanto, ela também teve diversos efeitos colaterais.

"Tive muitas espinhas no rosto e nas costas, coisa que nem quando eu era adolescente aconteceu. Meu cabelo também começou a cair muito, quando eu tomava banho era desesperador porque caía tufos", diz.

Para tratar desses problemas causados pelo implante, a esteticista buscou ajuda médica e precisou fazer tratamento para a pele e cabelo por três meses.

"Tive que buscar ajuda de um dermatologista, precisei usar cremes para o rosto e costas, tomar vitaminas para reduzir a queda de cabelo e também fazer um tratamento em consultório com laser", acrescenta.

Mulher de costas com espinhas nas costas 'Tive muitas espinhas no rosto e nas costas, coisa que nem quando eu era adolescente aconteceu', disse Larissa (foto ilustrativa)

Chip da beleza ou implante hormonal

O chamado "chip da beleza", como o utilizado pela esteticista, é um implante hormonal subcutâneo — colocado embaixo da pele, principalmente nos glúteos e abdômen — que vem sendo usado para perda de peso, combate ao envelhecimento, diminuição da gordura corporal, aumento da libido e da massa muscular.

Esses implantes são feitos em farmácias de manipulação e implantados em clínicas médicas com o uso de anestesia local. A implantação é feita em poucos minutos.

Existem dois tipos desses dispositivos: os chamados absorvíveis, ou seja, o implante vai sendo absorvido debaixo da pele até não restar nada, e o não absorvível, feitos de silicone e que se assemelham a um pequeno tubo de plástico, colocado sob a pele e que posteriormente precisa ser retirado.

Segundo os especialistas ouvidos pela reportagem da BBC, eles podem conter inúmeras substâncias que vão desde hormônios como a testosterona ou gestrinona, anabolizantes e compostos para inibir o apetite, acelerar o metabolismo e até mesmo para a retenção de líquidos.

É justamente essa mistura de inúmeros componentes que tem gerado apreensão entre os médicos.

"Muitos desses implantes ainda possuem em sua composição medicações para combater os possíveis efeitos colaterais causados por essas substâncias no organismo", diz Fernando Nestor Facio Junior, chefe do Departamento de Andrologia da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).

O maior problema, segundo os especialistas, é que esses chips da beleza ou implantes hormonais são manipulados, feitos em farmácias, não possuindo bula e informações adequadas de seus compostos, eficácia ou segurança.

Além disso, eles não são aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso comercial e para fins estéticos.

"Não há controle sobre o que é colocado nesses implantes, não existem estudos, pesquisas cientificas e testes sobre os efeitos deles no corpo humano, assim como seus efeitos adversos", acrescenta Maria Celeste Osório Wender presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

Os médicos alertam ainda que não existe uma dose segura para o uso de hormônios para fins estéticos e ressaltam que os efeitos colaterais causados por esses dispositivos podem ser graves e em muitos casos irreversíveis.

Esses efeitos colaterais vão desde os mais leves, como irritação da pele, queda de cabelo, aparecimento de espinhas e engrossamento da voz em mulheres até os mais graves como infarto agudo do miocárdio, tromboembolismo e acidente vascular cerebral (AVC), complicações hepáticas, renais, musculares e infecções.

"Esse dispositivo pode ser feito de qualquer coisa, pode ser misturado qualquer tipo de hormônio, pode ser colocado a qualquer dose. Ninguém sabe exatamente se aquilo que está sendo vendido é o que está sendo colocado de fato", ressalta Alexandre Hohl, vice-presidente do Departamento de Endocrinologia Feminina, Andrologia e Transgeneridade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

Para Hohl, o uso indiscriminado desses dispositivos é um problema de saúde pública grave e farmacêuticos e médicos deveriam ser responsabilizados pelos efeitos colaterais causados aos pacientes.

"Na busca de estética, de desempenho, de melhora de massa muscular, uma questão quase criminosa está acontecendo nesses chamados implantes hormonais manipulados em território nacional", acrescenta.

Outro ponto destacado pelos especialistas é questão da absorção — que segundo os médicos que colocam o implante, pode demorar de 6 meses a 3 anos para serem totalmente absorvidos pelo corpo.

"Todo medicamento passa por estudo e sabemos o tempo exato que ele age no organismo. Por exemplo, os antibióticos que tem duração de 12 horas. Agora como um implante pode agir de 6 meses a até 3 anos? Não tem como explicar isso", acrescenta Facio Junior.

Carta aberta à Anvisa

fachada da AnvisaSete entidades médicas assinaram carta aberta entregue à Anvisa pedindo mais fiscalização dos produtos

A venda indiscriminada e, segundo os especialistas sem fiscalização, desse tipo de produto no país fez com que sete entidades médicas enviassem uma carta aberta à Anvisa, no mês passado, demonstrando preocupação com a crescente utilização indevida desses implantes.

Segundo as entidades, esses implantes são comercializados exaltando um corpo perfeito e muitas vezes até mesmo dizendo que ajudam a ter uma vida mais saudável, porém eles não possuem nenhum respaldo ético e científico.

O texto é assinado pela Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (Sbmee), Sociedade Brasileira de Diabete (SBD), Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) e a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

"Esses produtos não têm indicação médica. Não se pode, na busca de um corpo perfeito, as pessoas colocarem à saúde e a vida em risco. Então, o que se espera é que se proíba a venda e uso desses implantes chamados chip da beleza. Esses compostos não são comercializados para tratamento de doença. Tudo isso é para a utilização estética", acrescenta Hohl.

No texto, as sociedades médicas pedem que a Anvisa tome providências com relação à prescrição, comercialização e uso desses implantes hormonais.

A reportagem da BBC entrou em contato com a Anvisa, que informou que adota medidas para mitigar os riscos relativos ao uso de medicamentos e especial situações de abuso que possam representar risco à saúde.

Entre as ações adotadas pela Agência estão o monitoramento e inspeção em farmácias de manipulação e o monitoramento de anúncios na internet por meio de uma ferramenta de inteligência artificial (EPINET) a fim de identificar e coibir a comercialização de produtos irregulares.

Com relação ao uso da substância gestrinona nesses dispositivos, o órgão esclareceu que "os especialistas desta Agência avaliaram que inexistem evidências técnicas e científicas que dariam suporte ao uso da gestrinona implantável para fins de emagrecimento, ganho de massa muscular, reposição hormonal, tratamento de sintomas de tensão pré-menstrual, regulação de períodos menstruais, aumento da libido e estéticos.

Até o momento, o uso de gestrinona em cápsulas gelatinosas duras para tratamento de endometriose (como originalmente foi aprovada pela Anvisa) é o único caso de uso cuja eficácia, segurança e qualidade foram avaliadas e aprovadas, portanto não há restrições de manipulação de gestrinona na forma farmacêutica citada para tratamento de endometriose", explicou em nota.

Em relação a pedidos específicos contidos na carta citada escrita pelas entidades médicas, a Anvisa explicou que documento ainda está em avaliação técnica e em breve deverá ser respondido às entidades.




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