Poucas doenças têm um impacto tão devastador como o Alzheimer. Embora tenhamos consciência de que com a idade perderemos a memória, ficamos aterrorizados com a ideia de que eventualmente não seremos capazes de reconhecer os nossos entes queridos ou a nós mesmos.
Essas memórias, que ficaram armazenadas no cérebro durante anos, vão desaparecendo até sumirem de vez.
Embora os esforços para encontrar um tratamento ainda não tenham produzido os resultados desejados, aprendemos muito ao longo do caminho.
Pesquisas recentes propuseram uma nova abordagem sobre o desenvolvimento da doença de Alzheimer. Ela pode não ser apenas uma questão da acumulação de placas beta-amilóides e de emaranhados de proteína tau hiperfosforilada, como se pensava anteriormente, mas também de como as nossas células cerebrais interagem com a insulina.
A insulina é um hormônio que regula as concentrações de glicose no sangue, por isso está intimamente ligada a outra doença, o diabetes mellitus. Na verdade, essas doenças compartilham fatores de risco: idade avançada, dieta, obesidade e inflamação crônica.
Poderia haver uma relação entre o cérebro e o pâncreas que ligasse as duas doenças?
Vamos imaginar por um momento que as conexões neurais se assemelham a cabos em uma rede elétrica através dos quais as informações do pensamento e da memória seriam transmitidas.
Esses cabos partem de neurônios e chegam a outros. Os neurônios são células que precisam de combustível para funcionar, e o combustível essencial é, justamente, a glicose.
A insulina atua como uma campainha na porta das células. Quando ela toca, a célula sabe que deve abrir a porta para a entrada da glicose. Sem essa campainha, mesmo que haja glicose abundante no sangue, a célula não percebe, não abre a porta e não recebe o combustível.
Quando a célula recebe mais glicose do que necessita, acaba gerando resistência à insulina. Ou seja, fica relutante em abrir a porta.
É por isso que a resistência à insulina, ligada ao diabetes tipo 2, promove o acúmulo de açúcar no sangue. Além disso, promove a formação de placas beta-amilóides, características do Alzheimer.
Estudos com ratos revelaram que a administração de estreptozocina, medicamento utilizado para induzir diabetes em modelos animais, gera resistência à insulina e neurodegeneração semelhante à do Alzheimer.
A relação também foi observada em humanos, embora não tenha sido associada a um maior acúmulo de emaranhados de beta-amilóide ou tau em autópsias cerebrais.
Um estado crônico de inflamação de baixo grau gerado pela resistência à insulina também ligaria ambas as doenças.
A inflamação é um processo fundamental para combater as agressões externas e reparar os danos causados. Quando se torna crônica, pode levar a alterações que estão associadas a doenças metabólicas como obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes e Alzheimer.
Nesse cenário de resistência à insulina, estresse oxidativo e inflamação, as células entram em apoptose (morte celular programada). Se isso acontecer, se as células morrerem, a rede de cabos ficará emaranhada e o cérebro não funcionará adequadamente. Então o paciente começa a esquecer e para de processar as informações. Assim surge o Alzheimer.
Tudo isso sugere que os problemas metabólicos podem ser a chave para ambas as doenças. Por esse motivo, alguns pesquisadores sugeriram que o Alzheimer fosse considerado um novo tipo de diabetes.
O novo tipo de diabetes seria chamado de "diabetes tipo 3". Se juntaria ao tipo 1, de origem mais genética do que ambiental; tipo 2, com mais influência ambiental do que genética; e gestacional, que ocorre em algumas gestantes.
O termo surgiu em 2005 na Universidade de Rhode Island, cujos pesquisadores propuseram que o Alzheimer poderia ser uma forma de diabetes cerebral, caracterizada por resistência à insulina e disfunção metabólica.
Embora seja importante ressaltar que esse não é um termo aceito por toda a comunidade científica, é uma hipótese que pode ser útil para contribuir para uma visão mais completa da doença.
As ligações entre as duas doenças têm se tornado mais fortes, mas ainda há muito a descobrir, especialmente sobre como utilizar essa informação em benefício dos pacientes.
Uma vez que a resistência à insulina e a inflamação desempenham papéis centrais, poderiam partilhar estratégias terapêuticas. Nesse sentido, a promoção de estilos de vida saudáveis, incluindo a alimentação, poderia ter um impacto positivo na prevenção e no tratamento da diabetes e da doença de Alzheimer.
A ligação entre Alzheimer e diabetes pode transformar a nossa compreensão de ambas as doenças.
A ideia da diabetes tipo 3, embora não tenha consenso científico, pode abrir novas portas para pesquisas que liguem as duas doenças, com a resistência à insulina e a inflamação no centro das atenções, bem como tratamentos eficazes.
A cada nova descoberta ficamos um pouco mais perto de tratar doenças que afetam milhões de pessoas em todo o mundo. Estaremos no limiar de uma nova era na investigação da doença de Alzheimer? Somente o tempo e a ciência poderão responder a essa pergunta.