No dia 30 de janeiro de 2010, dezenas de pessoas se reuniram na frente de farmácias espalhadas pelo Reino Unido. Cada uma delas tomou de uma vez só 84 comprimidos de um remédio homeopático chamado Arsenicum album, uma dose 20 vezes maior do que a quantidade recomendada.
Com o protesto, os organizadores queriam demonstrar que essa “overdose” homeopática não traria problema algum, segundo eles, já que nesses produtos não haveria nada além de água, álcool ou açúcar.
“E, de fato, ninguém passou mal, pois só estávamos ingerindo bolinhas feitas de açúcar”, diz o ativista e escritor Michael Marshall, diretor de projetos da Good Thinking Society, uma organização sem fins lucrativos que reúne céticos britânicos, e um dos idealizadores do movimento.
No ano seguinte, a campanha se repetiu: às 10h23 da manhã dos dias 5 e 6 de fevereiro, centenas de indivíduos repetiram a overdose homeopática coletiva em 70 cidades de 30 países ao redor do mundo.
O horário escolhido faz alusão à constante de Avogadro, sobre a qual falaremos adiante.
Vale ressaltar que essa campanha tinha um objetivo lúdico, e não é indicado abusar de qualquer produto vendido em farmácias sem a orientação de um especialista.
Mas este é só um entre diversos questionamentos públicos feitos sobre a homeopatia nas últimas duas décadas, período em que a prática foi retirada de serviços públicos de saúde de alguns países, como o próprio Reino Unido.
No Brasil, embora a homeopatia seja reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) há mais de quatro décadas e ensinada em universidades, ela passou a ser mais debatida e criticada nos últimos cinco anos.
O assunto, aliás, ganhou novo fôlego recentemente, com a publicação do livro Que Bobagem! Pseudociências e Outros Absurdos que Não Merecem ser Levados a Sério (Editora Contexto), escrito pela microbiologista Natália Pasternak e pelo jornalista Carlos Orsi.
Mas, afinal, o que é a homeopatia? E por que ela foi parar no olho do furacão das discussões sobre pseudociência recentemente?
As bases desse programa terapêutico foram desenvolvidas no final do século 18 pelo médico alemão Samuel Hahnemann (1755 - 1843).
Segundo o site da Associação Médica Homeopática Brasileira (AMHB), o sistema se baseia em duas premissas principais.
Primeiro, a ideia de que “similar cura similar” — de acordo com a AMHB, “a substância que em grandes quantidades pode causar o problema numa pessoa sadia, quando diluída em altas doses pode curar a doença”.
Em outras palavras, a ideia é que qualquer substância presente na natureza que provoque determinado sintoma em nosso corpo seria capaz de tratar uma doença que gera esses mesmos sintomas.
O segundo ponto tem a ver justamente com a diluição. No remédio homeopático, o princípio ativo é misturado com água ou álcool repetidamente.
Vamos a um exemplo prático: uma das formulações homeopáticas mais comuns usa a proporção 1:100 (há outras escalas utilizadas).
Isso significa que uma parte de droga é diluída em 99 partes de água (ou algum outro solvente, como álcool ou açúcar). Depois, a mistura é agitada.
Mas o processo não para por aí: essas “dinamizações” (diluições + agitações), no jargão homeopático, se repetem por dezenas de vezes.
Ou seja, aquela primeira diluição — 1 parte de droga + 99 partes de água — é diluída de novo (formulação 1 + 99 partes de água/álcool). E de novo, de novo, de novo…
Em alguns casos, essas etapas de dinamização acontecem 12, 30, 200 ou até mil vezes.
Os homeopatas acreditam que o produto final guarda uma espécie de “memória” do princípio ativo que foi utilizado lá na origem, de modo que seria capaz de tratar as doenças para o qual é prescrito.
E vale lembrar aqui que homeopatia é totalmente diferente de outras terapias consideradas alternativas, como os florais de Bach (feitos a partir de compostos extraídos de flores) e a fitoterapia (medicações obtidas por meio de plantas).
Samuel Hahnemann (1755-1843), o criador da homeopatia
Os primeiros questionamentos feitos sobre a homeopatia têm a ver justamente com as premissas básicas do sistema: o “similar cura similar” e o processo de diluição/dinamização.
Num artigo de opinião publicado em 2012 no jornal britânico The Guardian, o médico alemão Edzard Ernst — ele próprio um ex-homeopata cujo pai e avô também trabalhavam na área — diz que “ambos os axiomas vão contra a Ciência”.
“Se eles fossem verdadeiros, muito do que aprendemos em Física e Química estaria errado”, argumenta ele.
Ernst, que é professor aposentado na Universidade de Exeter, no Reino Unido, e possui vários estudos e livros na área dos tratamentos alternativos, aponta que o princípio “similar cura similar” é “cientificamente implausível”.
Além disso, as ultradiluições fazem com que a concentração do princípio ativo fique tão baixa que se torna indetectável, aponta o médico.
Vamos a mais um exemplo prático, retirado de um artigo científico publicado por Ernst e pelo filósofo e economista Nikil Mukerji, da Universidade de Munique, na Alemanha.
“Para tratar a alergia ao pólen, um médico homeopata pode escolher Allium cepa, uma preparação de cebola, porque esse vegetal pode causar sintomas em um indivíduo saudável semelhantes ao da alergia (olhos lacrimejantes, coriza, etc.)”, aponta o texto.
“Só que o remédio homeopático Allium cepa 30C [em que o processo de diluição ocorre 30 vezes consecutivas] não tem nenhuma molécula de cebola”, dizem os autores.
Isso acontece porque, segundo uma conta matemática básica, a diluição 30C na proporção 1:100 traz uma parte do princípio ativo para 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 (um nonidecilhão) de partes de água.
Essa proporção supera, de longe, a constante de Avogadro (aproximadamente 6,023×10²³) — é daí, inclusive, que vem o horário das 10h23 usado na campanha das overdoses homeopáticas coletivas.
Esse postulado da Matemática e da Química afirma que qualquer substância diluída acima desta proporção (6,023×10²³) resulta basicamente em água (ou no solvente principal que está sendo utilizado).
Os produtos homeopáticos ultrapassam de longe esse limite, como visto nos números apresentados nos parágrafos acima.
“Com isso, essas soluções são tão diluídas que não têm mais nenhuma molécula do composto original”, explica Pasternak, que também é presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC).
Alguns defensores da homeopatia argumentam que, por causa do processo de agitação e dinamização, a água seria capaz de reter uma espécie de memória da droga — e isso explicaria o efeito terapêutico supostamente observado no consultório.
“Outros partem para uma abordagem espiritual, dizendo que a água guarda uma energia daquele princípio similar”, complementa Pasternak.
Para fundamentar esse ponto, os homeopatas geralmente citam um artigo publicado em 1988 na revista Nature, que sugere uma capacidade da água de preservar uma “memória” de materiais com os quais teve algum contato.
“Essa pesquisa já foi refutada por uma comissão de especialistas e nenhum outro cientista que tentou replicá-la obteve os mesmos resultados”, contrapõe a microbiologista.
Inclusive, na página da internet onde o estudo está publicado, a própria Nature sugere outras duas leituras complementares ao tema, com os títulos “Por que a homeopatia é uma pseudociência” e “Contra todas as probabilidades — a persistente popularidade da homeopatia”.
A BBC News Brasil tentou contato com a AMHB e com a Associação Paulista de Homeopatia (APH) pelos e-mails informados nos sites das entidades, para que elas pudessem se posicionar sobre as questões apresentadas — mas não foram enviadas respostas até a publicação desta reportagem.
Homeopáticos trazem doses ultradiluídas de princípios ativos
Mas e se, mesmo diante da alegada “implausibilidade científica”, a homeopatia funcionasse e os pacientes melhorassem após tomarem os extratos ou os comprimidos?
Para comprovar esses efeitos, seria necessário que um grupo de cientistas realizasse os chamados testes clínicos, em que parte dos voluntários recebesse remédios homeopáticos e a outra parcela tomasse placebo — uma substância sem efeito terapêutico — ou o melhor tratamento disponível para aquela condição.
No melhor dos cenários, pesquisadores e participantes não saberiam quem faz parte de qual grupo, para evitar qualquer influência externa.
Ao final do experimento, os resultados de todos os indivíduos seriam comparados para ver quem obteve o melhor resultado — os que receberam homeopatia ou aqueles submetidos ao placebo/outras terapias.
Seria importante ainda que todo esse processo fosse descrito e publicado na forma de artigo científico numa revista especializada, onde o artigo passaria por um processo de revisão e poderia ser avaliado, criticado e replicado por outros especialistas na área.
Essa é uma prática comum, utilizada para embasar, aprovar e indicar qualquer intervenção na área de saúde.
Segundo Pasternak, tal método já foi aplicado “exaustivamente” para avaliar diversos remédios homeopáticos em diferentes contextos.
Em 2002, Ernst publicou uma “revisão sistemática das revisões sistemáticas” em homeopatia. Em resumo, ele compilou e analisou todas as grandes análises com resultados de pesquisas científicas nessa área que já haviam sido publicadas até aquele momento.
A conclusão do pesquisador foi: “Não houve nenhuma condição que respondesse melhor ao tratamento homeopático do que ao placebo ou às outras intervenções de controle. Nenhum remédio homeopático teve efeitos clínicos convincentemente diferentes do placebo.”
Três anos depois, em agosto de 2005, o The Lancet divulgou um editorial com o título “O Fim da Homeopatia”.
No texto, um dos mais prestigiados periódicos científicos do mundo defende que “médicos precisam ser honestos com os pacientes sobre a falta de benefícios da homeopatia”.
Os autores também se mostram surpresos com o fato de “o debate [sobre homeopatia] continuar, apesar de 150 anos de resultados desfavoráveis”.
“Quanto mais diluídas ficam as evidências da homeopatia, maior parece ser a popularidade dela”, observam eles.
Uma investigação sobre estudos em homeopatia encomendada pelo Governo da Austrália em 2015, aponta que “não há nenhuma condição de saúde para a qual há evidência confiável de que a homeopatia é efetiva”.
“A homeopatia não deve ser usada para tratar qualquer condição de saúde que seja crônica, séria ou possa se agravar. Pessoas que escolhem a homeopatia podem colocar a saúde em risco se rejeitarem ou atrasarem tratamentos para os quais há boa evidência de segurança e efetividade”, aponta o texto.
Já na Inglaterra, o Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês) deixou de oferecer tratamentos homeopáticos em 2017, alegando “falta de qualquer evidência da efetividade, o que não justifica o custo”.
A decisão veio após um inquérito de 2010 realizado pelo Comitê de Ciência e Tecnologia do Parlamento britânico concluir que o governo não deve endossar o uso de tratamentos placebo, incluindo a homeopatia.
O Centro Nacional de Saúde Complementar e Integrativa dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH) aponta que “há pouca evidência que apoie a homeopatia como tratamento efetivo para qualquer condição de saúde específica”.
Ainda em terras americanas, desde 2016 os produtos homeopáticos vendidos em farmácias precisam conter um alerta no rótulo dizendo que “não há evidência científica de que funcionem” e que “as alegações de uso são baseadas apenas em teorias do século 18, que não são aceitas pela maioria dos especialistas da atualidade”.
Na Alemanha, berço do sistema, a homeopatia continua prestigiada — apesar de alguns serviços de saúde discutirem recentemente que não dariam mais reembolsos para tratamento do tipo. Uma resolução parecida foi tomada na França a partir de 2021.Homeopáticos viraram objeto de grande discussão no Brasil
A homeopatia chegou ao Brasil em meados de 1840, a partir de viagens feitas pelo médico francês Benoit-Jules Mure (1809 – 1858).
Essa vertente é reconhecida como uma especialidade médica desde 1980 pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).
O cientista social Lenin Bicudo Bárbara, que investigou a homeopatia em sua tese de doutorado na Universidade de São Paulo (USP), aponta que a chancela do CFM ajuda a reforçar ainda mais a imagem da homeopatia no país.
“Se a gente analisar o debate público, todo artigo que defende a homeopatia sempre começa dizendo que ela é uma especialidade médica reconhecida pelo CFM. Isso serve para embasar todo o pensamento em torno da prática e do reconhecimento social que ela tem”, destaca ele.
A homeopatia também faz parte, desde 2006, da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do Ministério da Saúde e é oferecida por alguns serviços da rede pública.
Mas nos últimos anos, o debate sobre a validade da homeopatia também chegou ao país: desde 2018, o IQC faz campanhas contra essas substâncias e questiona autoridades sobre a disponibilidade delas no Sistema Único de Saúde (SUS).
A entidade, presidida por Pasternak, até aderiu à campanha 10:23 e realizou algumas “overdoses homeopáticas coletivas” durante eventos e palestras.
Ainda no contexto brasileiro, em 2017, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) e a Associação Paulista de Homeopatia (APH) divulgaram um dossiê especial com o título “Evidências Científicas em Homeopatia”.
Os autores dizem que o trabalho “suporta a eficácia e a segurança da terapêutica” homeopática.
Três anos depois, em 2020, o IQC lançou um “contra-dossiê” em resposta ao documento feito por Cremesp e APH, em que classifica como “deplorável” a qualidade das evidências apresentadas para defender a homeopatia pelas entidades paulistas.
“Quem trabalha com ciência no dia a dia sabe que existe um universo de publicações de má qualidade, periódicos de má qualidade, periódicos predatórios (que publicam qualquer bobagem, mediante pagamento) e periódicos exclusivos para medicina alternativa onde a revisão pelos ‘pares’ fica a cargo de outros praticantes de medicina alternativa”, escrevem os autores do contra-dossiê.
Bárbara lembra que os médicos homeopatas que atuam nas universidades são frequentemente cobrados por mostrar resultados positivos de pesquisas científicas.
“Na Medicina de hoje, é esperado que todos os tratamentos sejam testados nos estudos clínicos controlados e randomizados”, diz o cientista social.
“Mas muitos dos trabalhos em homeopatia têm metodologias falhas e, apesar de alguns apresentarem resultados positivos à primeira vista, uma análise mais cuidadosa revela uma série de problemas na forma como aquilo foi feito”, aponta ele.
A BBC News Brasil tentou contato com Cremesp e APH para que as entidades se posicionassem sobre o tema, mas não foram enviadas respostas até a publicação desta reportagem.
Em julho, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, Jeancarlo Cavalcante, um dos vice-presidentes do CFM, admitiu a possibilidade de a homeopatia ser revista como uma prática médica.
“O CFM reconhece a especialidade, porém, como órgão regulador, está aberto para novas discussões. Caso as evidências sejam questionadas, nada impede uma nova análise. Vou pedir para minha equipe coletar essas evidências [sobre a ineficácia da homeopatia] e vou levar à apreciação dos conselheiros”, afirmou ele ao Estadão.
Alguns dias depois, porém, o próprio CFM descartou publicamente a possibilidade de fazer essa revisão numa série de posicionamentos divulgados no site e nas redes sociais.
A BBC News Brasil procurou Cavalcante por e-mail para uma entrevista, mas o pedido foi encaminhado à assessoria de imprensa do CFM, que já havia sido contatada pela reportagem anteriormente.
Por e-mail, o CFM enviou uma nota afirmando que “a homeopatia é praticada com rigor e ética, diariamente, por cerca de 2,8 mil médicos habilitados”.
“Trata-se de uma das 55 especialidades reconhecidas no país [...] Esses especialistas atendem milhares de pacientes, que reconhecem nessa linha de cuidados eficácia na prevenção e no tratamento de doenças”, defende.
“Diante disso, vale lembrar que não há qualquer trabalho em andamento com o intuito de avaliar a permanência, ou não, da homeopatia no rol de especialidades”, conclui o texto.Pessoas fazem a 'overdose homepática coletiva' em 2011 na cidade de Bruxelas, Bélgica
Em seu site oficial, a AHMB publicou em 2022 um artigo intitulado “Homeopatia é ciência e saúde”.
Ali, a entidade detalha um “mapeamento de evidências” e afirma que os produtos homeopáticos teriam um “alto grau de confiança” com resultados contra “infeções do trato respiratório em crianças, otite, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), síndrome do intestino irritável, fibromialgia, diarreia, periodontite e síndrome pós-menopausa”.
O texto pondera que existem “evidências de eficácia clínica para algumas condições, mas também há aspectos ainda em aberto, com resultados contraditórios, os quais necessitam de estudos complementares para a confirmação da sua eficácia”.
Para saber como os especialistas veem o uso da homeopatia como tratamento para essas enfermidades, a BBC News Brasil pediu que nove sociedades médicas diferentes se posicionassem.
O ginecologista César Eduardo Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), disse que a entidade “defende a legalidade”.
“Como a homeopatia é reconhecida legalmente como uma sociedade médica de especialidade, nós também a reconhecemos como tal. Portanto, ela merece continuar como parte de nossa sociedade. Essa não é essa discussão que vai levar a AMB a tomar qualquer medida que possa trazer danos aos homeopatas do Brasil”, defendeu o médico.
“Nós entendemos que a homeopatia tem lugar na assistência médica à população brasileira e continuaremos a respeitá-la”, concluiu ele.
Sobre o tratamento da síndrome pós-menopausa, a médica Maria Celeste, diretora da Federação das Associações Brasileiras de Ginecologia e Obstetrítica (Febrasgo) respondeu que “não existem evidências científicas que sustentem essa prática [a homeopatia]”.
“Por essa razão, na Febrasgo, não há material que endosse ou suporte a utilização da homeopatia [para síndrome pós-menopausa].”
Em relação à fibromialgia, o médico Marco Antônio Araújo da Rocha Loures, presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), afirmou que “a homeopatia, pelos estudos científicos atuais, não tem qualquer evidência”
“Diretrizes de várias sociedades científicas, entre elas a SBR, não recomendam o tratamento da fibromialgia com medicação homeopática”, explicou ele.
Sobre supostos tratamentos homeopáticos contra a otite, a Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF) informou à reportagem que não se manifestaria sobre o tema.
Para as outras doenças citadas no texto da AMHB, as sociedades, federações ou associações brasileiras de Pediatria (infecções do trato respiratório em crianças), Psiquiatria (TDAH), Gastroenterologia (síndrome do intestino irritável e diarreia) e de Cirurgiões Dentistas (periodontite) não enviaram respostas até a publicação desta reportagem.
E, como citado anteriormente, a própria AMHB também não respondeu o pedido de contato feito durante a apuração.
Animais e bebês também são suscetíveis ao efeito placebo, sugere pesquisadora
Nos debates sobre a homeopatia, médicos e pacientes costumam usar experiências individuais para defender o uso dessas substâncias.
Pasternak entende que esse tipo de argumento é perigoso. “Não podemos nos esquecer do efeito placebo. Quando você faz um tratamento, pode se sentir melhor apenas pelo fato de ser acolhido com cuidado, empatia e carinho”, explica a microbiologista.
Segundo ela, esse tipo de condicionamento acontece até mesmo com bebês e animais, mesmo que eles não compreendam a comunicação verbal do mesmo jeito que crianças, adolescentes, adultos e idosos.
“Em segundo lugar, muitos produtos homeopáticos acabam indicados para tratar condições recorrentes e crônicas, como a dor, em que há picos e melhoras sucessivas. O indivíduo tende a ir ao médico quando está numa crise e toma uma substância dessas. Daí ele se sente melhor pela própria curva natural da doença, mas credita o sucesso à homeopatia”, continua ela.
E isso sem contar as doenças autolimitadas, como infecções respiratórias simples e até algumas alergias, que costumam melhorar naturalmente depois de alguns dias, independentemente de qualquer medicação.
“Um resfriado passa sozinho em uma semana. Mas, se você tomar um homeopático, vai melhorar em sete dias”, brinca ela.
Outro argumento frequente sobre a homeopatia aponta que, mesmo que seja placebo, algumas pessoas se beneficiam das substâncias — e isso, por si só, já seria suficiente para tê-las à disposição.
Mais uma vez, Pasternak discorda. “Há uma questão de ética médica aqui, pois como seria possível prescrever uma coisa que não trata aquela doença?”, questiona ela.
“O efeito placebo é inconsistente, não funciona do mesmo jeito para todas as pessoas. Em alguns casos, essa prática pode mascarar sintomas e atrasar o diagnóstico de doenças graves”, alerta.
Como citado anteriormente, a BBC News Brasil procurou a AMHB e a APH para que as entidades se posicionassem sobre essas questões, mas não foram enviadas respostas até a publicação desta reportagem.
Em nota publicada em seu site oficial, a AMHB classifica as campanhas contra a homeopatia como “frutos da desinformação”.
“Este é um momento em que a união e a tranquilidade se fazem necessárias para podermos, de forma equilibrada, fazer frente a esses ataques que a nossa especialidade tem sofrido. Informamos também que medidas legais e de resposta adequadas estão sendo tomadas”, pontua a entidade.
A BBC News Brasil também tentou contato por e-mail com o médico homeopata Marcus Zulian Teixeira, que assina diversos dos pareceres e notas publicadas sobre o tema, mas não foram enviadas respostas até a publicação desta reportagem.
Disponibilidade de homepatia na rede pública brasileira gerou críticas de entidades recentemente
Pasternak também critica o uso de dinheiro público para custear a homeopatia no SUS.
“A decisão de oferecer uma terapia ou outra deve levar em conta que os recursos são escassos e limitados, portanto é necessário fazer o melhor uso deles”, opina.
“A homeopatia e outras práticas de medicina alternativa não deveriam estar no SUS, porque o serviço é pago com dinheiro do contribuinte. E as decisões de saúde pública precisam ser baseadas em Ciência.”
A BBC News Brasil pediu um posicionamento do Ministério da Saúde sobre as críticas envolvendo as práticas alternativas no SUS, mas não foram enviadas respostas até a publicação desta reportagem.
Na contramão, caso alguém queira comprar produtos homeopáticos com dinheiro próprio, isso é uma decisão que compete a cada pessoa, acredita a microbiologista.
“Na esfera individual, o nosso papel é oferecer as informações, para que cada um possa tomar a melhor decisão diante dos fatos”, diz Pasternak.
“Mas as pessoas têm o direito de saber o que é a homeopatia de verdade”, completa ela.
Para Marshall, a confusão da homeopatia com outras terapias alternativas (como florais de Bach ou fitoterápicos, por exemplo) representa um trunfo.
“Não é de interesse dos seguidores da homeopatia que essa diferença fique clara, porque isso fornece uma certa credibilidade, ao diluir os limites entre uma prática e outra”, opina.
No Reino Unido, onde a homeopatia foi retirada do serviço público em 2017, a discussão sobre uso de dinheiro público foi um dos principais fatores que pesaram na decisão.
“Nós descobrimos que o NHS [o serviço de saúde pública britânico] gastava 5,5 milhões de libras por ano com a homeopatia”, lembra Marshall.
“Dentro do orçamento total, não se trata de um valor gigantesco, mas, em termos de tratamentos individuais, esse dinheiro poderia ser usado para coisas que funcionam e que fariam diferença real na vida dos cidadãos, como máquinas de ressonância magnética ou aumentos no salário de enfermeiros e outros profissionais de saúde”, defende Marshall.
Por fim, Pasternak admite que, apesar da falta de evidências sobre a efetividade, a homeopatia tem algo muito valioso para ensinar a todos os que lidam com a saúde.
“Nós temos muito a aprender sobre como esses profissionais cuidam de seus pacientes com carinho e compaixão”, afirma ela.
“As consultas com homeopatas duram, no mínimo, uma hora. E o médico dessa especialidade ouve, quer saber a história de vida, a relação com familiares, as angústias e felicidades da pessoa”, detalha. “E todo esse cuidado, atenção e carinho profundos fazem a diferença.”