A partir de julho de 2023, a nova vacina contra a dengue começará a ser aplicada no Brasil. O medicamento, aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em março deste ano, é o primeiro liberado no país voltado para a prevenção do contágio da doença, e que pode ser aplicada em indivíduos independentemente da exposição anterior ao vírus.
Em um primeiro momento, o imunizante estará disponível apenas através da rede privada de saúde e ainda não há previsão para a incorporação da vacina no Sistema Único de Saúde
Desenvolvido pelo laboratório japonês Takeda Pharma, o imunizante comercializado sob o nome de Qdenga foi desenvolvido a partir do vírus da dengue vivo atenuado, ou seja, ele conta com uma parte enfraquecida do patógeno que causa a doença. Esse é o mesmo mecanismo de vacinas como as contra a caxumba, febre amarela e poliomielite oral.
Capaz de proteger contra os quatro sorotipos de vírus que causam a dengue, o imunizante chega para a população brasileira em um momento importante. Segundo informe do Ministério da Saúde, o Brasil registrou mais de 1 milhão e 470 mil casos prováveis de dengue nos primeiros seis meses de 2023. O número é superior ao total registrado em todo o ano de 2022, que foi de 1 450 270 casos prováveis.
As fatalidades da doença também estão quebrando recordes. Até o fim de junho, o Ministério da Saúde contabilizava 731 mortes por dengue no Brasil. O número é 70% do total registrado em 2022, que contabilizou 1.016 óbitos, tornando o ano o mais mortal para a dengue no país desde 2015, quando ocorreram 986 mortes.
“A vacina veio em um momento de dados alarmantes de dengue com resultados que mostram grande eficácia na prevenção de infecções e de hospitalizações a longo prazo”, afirma a diretora médica do laboratório japonês responsável pela Qdenga, Vivian Lee, em entrevista à National Geographic.
Segundo explica a diretora médica da Takeda, a Qdenga é uma vacina tetravalente, ou seja, protege contra os quatro sorotipos que podem causar a dengue sintomática (ou seja, aquela que gera sintomas). Entretanto, apenas o sorotipo 2 do vírus é usado para compor o imunizante.
“Os cientistas desenvolvedores utilizaram o ‘esqueleto’ do sorotipo 2 como um arcabouço genético, ou seja, incluíram proteínas estruturais dos demais sorotipos no corpo do vírus tipo 2 atenuado para que a vacina seja eficaz contra todos eles”, explica Lee.
O nome da tecnologia é DNA recombinante, em que genes dos sorotipos 1, 3 e 4 são usados para modificar o tipo 2 geneticamente. Dessa forma, o imunizante estimula o sistema imune humano a produzir anticorpos específicos para cada um dos tipos de vírus da dengue.
A escolha do tipo 2 para a base do medicamento, segundo Lee, foi estratégica. “Os cientistas avaliaram o efeito da vacina com os quatro sorotipos como base e observaram que quando o 1, 3 ou 4 eram usados havia mais chances de desencadear os sintomas da dengue do que com o 2”, afirma a diretora médica.
O sorotipo 2 também dá uma vantagem imunológica para a vacina. “No Brasil, os sorotipos em circulação mais frequentes são o 1 e o 2, sendo que o 2 está mais relacionado com os casos graves de dengue. Então é vantajoso ter ele como estrutura base”, diz Lee.
Segundo informe do Ministério da Saúde, o Brasil registrou mais de 1 milhão e 470 mil casos prováveis de dengue nos primeiros seis meses de 2023.
FOTO DE MUHAMMAD FADLIDe acordo com os estudos clínicos realizados pela Takeda, a vacina registrou eficácia de 80% depois de um ano de aplicação, quando ministrada em duas doses com um intervalo de três meses entre elas.
“Isso significa que, de 10 pessoas vacinadas, o imunizante previne infecções em 8”, diz Lee. Além disso, o imunizante também teve uma eficácia de 90% na diminuição de hospitalizações, ou seja, de 10 pessoas que potencialmente seriam hospitalizadas, a vacina evitou nove casos.
Os estudos envolveram mais de 20 mil pessoas entre 1 e 60 anos e duraram quatro anos e meio. “Os dados mais importantes são que, no fim desses quase cinco anos, a vacina ainda demonstrou uma eficácia de 84% na diminuição de hospitalizações e quase 70% para casos sintomáticos”, relata a diretora médica da Takeda.
Entretanto, mais estudos ainda são necessários para averiguar a necessidade de doses de reforço.
Antes de tudo, é Importante ressaltar que a vacina não causa dengue. Mas tal como outros imunizantes feitos de vírus atenuado, a Qdenga também pode causar efeitos colaterais.
Segundo a bula do medicamento, os mais comuns, ou seja, que ocorrem em mais de 10% das pessoas vacinadas, são: dor ou vermelhidão no local da injeção, dor de cabeça, dor muscular, mal-estar geral, fraqueza, infecções do nariz ou garganta , febre, diminuição do apetite, irritabilidade e sonolência.
Além disso, entre 1% e 10% dos vacinados podem apresentar sintomas como inchaço, hematoma e coceira no local da injeção, dor ou inflamação do nariz ou garganta, inflamação da garganta e amígdalas, dor nas articulações e sintomas gripais.
Outros efeitos adversos, como diarreia, enjoo e vômitos, dor no estômago, sangramento no local da injeção, sensação de tontura, coceira na pele, erupção cutânea, urticária, cansaço, alterações na cor da pele no local da injeção, inflamação das vias aéreas e coriza podem acontecer com 0,1% a 1% dos que utilizarem o medicamento. Já entre as reações consideradas raras (que atingem menos de 0,01% dos vacinados) estão um inchaço rápido sob a pele em áreas como face, garganta, braços e pernas.
Segundo a Anvisa, o imunizante é recomendado para pessoas de 4 a 60 anos de idade e deve ser aplicado em um esquema de vacinação de duas doses, com um intervalo de três meses entre elas.
A partir de julho, a Qdenga estará disponível somente na rede privada de saúde. Para ser disponibilizado no Sistema Único de Saúde (SUS), é necessário que ela passe pela avaliação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). Ainda não existe uma previsão, mas o Ministério da Saúde afirma que o produto será avaliado para determinar sua incorporação à rede pública.