No Brasil, o estudo contou com a participação de mil pessoas, que responderam a perguntas pela internet ou pelo telefone. Elas representam todas as classes sociais e regiões do país. A margem de erro é de 3,5 pontos percentuais.
No levantamento, é possível conferir que a covid-19 segue como a grande preocupação de saúde para 62% dos respondentes no país, embora essa taxa estivesse em 84% no ano passado.
Também chama a atenção o impacto de temas relacionados à saúde mental, como mencionado mais acima. Em 2018, apenas 18% dos brasileiros diziam que tópicos como depressão e ansiedade eram fontes de inquietude.
Esse número subiu para 27% em 2019, 40% em 2021 e 49% em 2022 — um salto de 2,7 vezes num período de quatro anos.
Confira a seguir as análises sobre esse e outros destaques da pesquisa.
Para Cassio Damacena, diretor de cuidados em saúde da Ipsos no Brasil, a maior preocupação com a saúde mental captada pelo estudo está relacionada com a própria pandemia.
"De certa maneira, a covid-19 fez com que as doenças mentais e psíquicas ganhassem um protagonismo e fossem mais discutidas abertamente", interpreta.
"Me parece que a forma como vemos esses transtornos se modificou nesse período", complementa.
Damacena entende que o aumento dos óbitos relacionados ao coronavírus fez com que as pessoas refletissem mais sobre a vida.
Para alguns, a necessidade de ficar em casa e restringir os contatos com amigos e familiares também serviu de gatilho para o surgimento de quadros como ansiedade e depressão.
Na comparação com outros países, o Brasil está entre aqueles em que a preocupação com a saúde mental atinge níveis mais altos.
Apenas Suécia (63%), Chile (62%), Irlanda (58%), Portugal (55%), Espanha (51%) e Estados Unidos (51%) têm números superiores aos registrados por aqui.
De acordo com o Global Burden of Diseases, um estudo global que estima o impacto de diferentes doenças, 3,3% da população brasileira apresenta transtornos depressivos.
Ainda segundo esse trabalho, essas doenças estão entre os principais fatores que impactam a qualidade de vida e a saúde de um indivíduo.
O levantamento da Ipsos ainda aponta uma queda expressiva na preocupação relacionada ao câncer.
Em 2018, 57% dos brasileiros diziam que os tumores eram um dos principais problemas de saúde que alguém poderia enfrentar.
Esse índice despencou pela metade em 2022: apenas 29% dos participantes disseram concordar com a frase do parágrafo anterior.
Damacena apresenta duas hipóteses para explicar essa diferença num espaço de tempo tão curto.
"Primeiro, o cenário do diagnóstico e do tratamento do câncer mudou. As taxas de sobrevida aumentaram consideravelmente em tempos recentes", diz.
O pesquisador entende que essa doença sempre esteve relacionada a um estigma muito grande, que evoca a ideia de finitude e morte.
É possível, porém, que os avanços nos exames e nos medicamentos estejam modificando aos poucos essas noções.
"Em segundo lugar, não podemos nos esquecer que a pesquisa capta o que está preocupando as pessoas naquele exato momento", acrescenta.
Ou seja: com a chegada da covid, uma condição nova e mortal, os tumores foram de certa maneira relegados a um segundo plano, como se fossem menos urgentes, avalia o representante da Ipsos.
Ainda na seara dos tópicos que não geram alarme entre a população, o cenário da obesidade é bastante peculiar.
Embora 57% dos brasileiros tenham excesso de peso, segundo o Ministério da Saúde, apenas 15% veem os quilos extras como um desafio.
A taxa está entre as menores do planeta e só fica acima do que foi observado em Itália (13%), Tailândia (11%), Índia (10%), África do Sul (9%), Indonésia (6%) e Japão (5%).
Damacena interpreta o achado sob o prisma do senso de urgência.
"A obesidade é uma condição que demora para produzir algum efeito. A pessoa vive anos, ou até décadas, com excesso de peso, colesterol alto, diabetes e hipertensão antes de sofrer um evento mais grave, como um infarto", lembra.
"Isso dificulta a interpretação de risco relacionado à obesidade", completa.
Uma das alternativas para modificar isso, aponta o especialista, envolve a realização de campanhas de comunicação, a exemplo do que ocorre com o câncer de mama e o outubro rosa, mês marcado por ações de conscientização sobre o diagnóstico precoce desse tumor.
"Precisamos que governos, empresas e imprensa falem mais sobre o tema, de modo que as pessoas percebam a importância e incorporem os cuidados para prevenir e tratar a obesidade na rotina delas", sugere.
Um quarto e último destaque da pesquisa está relacionado à aplicação de doses dos imunizantes.
A Ipsos perguntou aos milhares de participantes se eles achavam que a vacinação deveria ser compulsória ou não.
O Brasil aparece entre os cinco países com a maior porcentagem da população que considera que todos deveriam ser obrigados a estar com as doses em dia, ao lado de Emirados Árabes Unidos, Indonésia, México e Índia.
Um total de 72% dos brasileiros concordam com a obrigatoriedade, enquanto 13% discordam dela.
A média global é de 59% a favor e 18% contra.
Esse número, porém, caiu um pouco na comparação com os levantamentos anteriores feitos no país: em 2020, 78% dos brasileiros achavam que as vacinas deveriam ser obrigatórias.
Damacena aponta para uma diferença curiosa no ranking das nações: as mais ricas são aquelas com a maior porcentagem da população que discorda da imunização compulsória.
Apenas 38% dos portugueses são a favor de medidas do tipo. Bem próximos, aparecem os húngaros (41%), os japoneses (43%), os americanos (44%) e os suíços (45%).
O cenário é oposto nos países mais pobres, como os já citados Indonésia (78%), México (75%), Índia (74%) e Brasil (72%).
Para Damacena, isso tem a ver com o fato de esses lugares terem uma memória mais recente do impacto das doenças infecciosas preveníveis pelas vacinas, como poliomielite, sarampo e rubéola.
"Quanto menos se vê essas doenças, que foram erradicadas ou controladas nos locais mais ricos, mais distante fica a urgência da vacinação", pontua.
"Isso ajuda a entender porque, entre as nações desenvolvidas, a vacinação muitas vezes é vista como algo superficial", conclui.