O projeto da nova Lei Geral do Turismo, aprovado sem alarde pelo Senado que agora voltará a ser apreciado pela Câmara dos Deputados, pode reduzir, de forma significativa, o valor das indenizações de companhias aéreas aos passageiros por atrasos e cancelamentos de voos.
Além disso, o texto pode impedir que o Código de Defesa do Consumidor seja utilizado nesses processos pelos clientes que se sentirem prejudicados. Anualmente, as companhias aéreas do país desembolsam cerca de R$ 1,1 bilhão em ressarcimento aos passageiros.
De acordo com reportagem publicada pelo jornal Valor Econômico, as mudanças no texto original do projeto foram feitas pelo relator da matéria no Senado, Flávio Bolsonaro (PL-RJ). A proposta foi aprovada em 2019 pela Câmara, sem as restrições impostas às indenizações aos passageiros, e chancelada recentemente pelo Senado.
As principais alterações feitas no projeto foram aprovadas de forma rápida e discreta pelo Senado, sem maiores discussões e debates em plenário, em junho. A votação foi por consenso.
Segundo o Ministério Público e associações de defesa do consumidor, as alterações feitas pelo relator do projeto prejudicam os passageiros e podem até piorar a qualidade dos serviços prestados pelas companhias, por causa da falta de punição mais pesada por eventuais atrasos e cancelamentos.
Segundo o parecer de Flávio Bolsonaro, as alterações têm o objetivo de “conceder segurança jurídica” e “incentivar a resolução de conflitos entre as partes [pela] via administrativa antes de recorrer ao Poder Judiciário, o que custa cerca de R$ 91 bilhões aos cofres públicos”.
O deputado federal Paulo Azi (União Brasil-BA), que assumiu a relatoria do projeto na Câmara, apoia as mudanças.
“Quando for efetivamente comprovado que a responsabilidade foi da empresa, ela será penalizada. Quando não for, não há por que puni-la”, afirmou o parlamentar ao Valor. Segundo ele, a ideia é a de que o texto seja votado em agosto na Câmara. Caso aprovado, seguirá para sanção presidencial.
Com as alterações feitas pelo relator no Senado, o projeto modifica a legislação e a jurisprudência em vigor atualmente e, na prática, impede que as companhias áreas sejam obrigadas a pagar por danos morais aos consumidores em caráter presumido ou punitivo. Só seria permitida a indenização com “o objetivo de compensar um dano comprovado”. Atualmente, a jurisprudência indica que as empresas sejam punidas com valores mais altos do que os dos danos comprovados.
Outra mudança no texto original do projeto é a retirada de processos judiciais contra as companhias aéreas do Código de Defesa do Consumidor (CDC) – eles seriam direcionados ao arcabouço legal do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA).
Uma outra modificação que vem sendo contestada por associações de defesa dos consumidores é a que determina que, em voos internacionais, sejam utilizadas as regras da Convenção de Montreal para serviços aéreos – mais branda para as empresas, em tese, do que a atual legislação brasileira.
Há, inclusive, uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) segundo a qual os danos materiais causados por atrasos e cancelamentos de voos ou problemas envolvendo bagagens dos passageiros devem ser regidos pelo tratado internacional, o que limita o valor das indenizações a R$ 7,5 mil.
Entretanto, essa mesma decisão do Supremo autoriza que os danos morais aos passageiros sejam ressarcidos de acordo com a legislação brasileira, mesmo em casos que envolvem voos internacionais. Se passar a valer a Convenção de Montreal, como diz o projeto, essa possibilidade de ressarcimento seria extinta.
Segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), cerca de 1% das despesas das companhias aéreas, em 2023, foram com assistência e indenizações a passageiros e 1% em condenações judiciais.
No ano passado, o custo total da operação no país foi de R$ 58,2 bilhões. O faturamento alcançou R$ 64,5 bilhões.