O projeto de lei (PL) de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) que teve regime de urgência aprovado na semana passada não é a única proposição legislativa apresentada na Câmara e em tramitação no Congresso que restringe ou dificulta a realização do aborto legal no Brasil. Desde 2019, foram apresentadas pelo menos outras 14 propostas nesse sentido. Todas continuam tramitando.
O levantamento foi feito pelo SBT News no portal da Câmara. A reportagem considerou projetos de leis (PLs), projetos de lei complementar (PLPs) e propostas de emenda à Constituição (PECs) na busca. As 14 proposições identificadas são PLs.
Pela legislação atual, o aborto é permitido em três situações (independentemente do tempo de gestação): se o feto for anencéfalo (má formação que inviabiliza a vida fora do útero); quando impuser risco de vida à gestante; e quando a gravidez decorrer de um estupro.
Pelo Código Penal, fora desses casos, se a gestante provocar aborto em si mesma ou consentir que outra pessoa lhe provoque, será punida com detenção de um a três anos. Já se outra pessoa provocar o aborto sem o consentimento da gestante, será punida com reclusão de um a quatro anos. O indivíduo que provocar aborto com consentimento da grávida receberá pena de reclusão de um a quatro anos.
O artigo 127 do Código Penal acrescenta que as penas referentes ao indivíduo que provoca a interrupção da gravidez em uma gestante são aumentadas de um terço se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a grávida sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.
Já o artigo 128 ressalta que não se pune o aborto praticado por médico se não há outro meio de salvar a vida da gestante (aborto necessário), e se a gravidez resulta de estupro e a interrupção é precedida de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal (aborto no caso de gravidez resultante de estupro).
Entre os autores das 14 proposições que pretendem restringir ou dificultar o procedimento legal, o nome que mais se repete é o de Chris Tonietto (PL-RJ). Ela apresentou, por exemplo, o projeto de lei que cria o Estatuto do Nascituro (aquele que vai nascer). O PL proíbe o aborto mesmo em caso de estupro.
Segundo a proposta, "o nascituro goza do direito à vida, à integridade física, à honra, à imagem e de todos os demais direitos da personalidade". Além disso, "jamais será admitido causar diretamente a morte do nascituro".
Por outro lado, o projeto diz que "é lícito o procedimento médico, não diretamente abortivo, tendente a salvar a vida da mãe, mas que tenha como efeito secundário e indesejado, embora previsível, a morte do nascituro". O procedimento só será lícito se não for possível salvar a vida da grávida por outros que não tenham como efeito secundário a morte daquele que vai nascer.
Chris Tonietto apresentou ainda um projeto que revoga o artigo 128 do Código Penal. Esse é o artigo que não pune os responsáveis pelo aborto em caso de risco de vida da mãe ou em caso de estupro.
Carla Zambelli (PL-SP), por sua vez, é autora de outra que "torna obrigatória a apresentação de boletim de ocorrência com exame de corpo de delito positivo que ateste a veracidade do estupro, para realização de aborto decorrente de violência sexual".
Já Messias Donato (Republicanos-ES) protocolou uma proposta para proibir a assistolia fetal em humanos no país. A assistolia consite na injeção de substância química para interromper os batimentos cardíacos do feto antes da sua retirada do útero e é um procedimento recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para casos de aborto legal acima de 22 semanas.
As deputadas federais Fernanda Melchionna (Psol-RS) e Sâmia Bomfim (Psol-SP) assinaram um requerimento para a devolução do projeto de lei de Sóstenes que tramita em regime de urgência.
A proposição equipara o aborto acima de 22 semanas de gestação ao crime de homicídio e diz que se a gravidez resulta de estupro e houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, não se aplicará a excludente de punibilidade prevista neste artigo 128 do Código Penal.
O projeto foi alvo de protestos e críticas de integrantes do Executivo federal, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ainda não há previsão para ser votado no plenário da Câmara.