Enquanto Lula ainda estava na Espanha (onde se encontrou com o premiê Pedro Sánchez), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), leu na quarta-feira, 26, o requerimento de abertura da CPMI. Os trabalhos da comissão, que até a semana passada parecia incerta, começam na próxima semana.
A CPMI agora conta com o apoio do governo, após momentos de dúvidas na base. Os próximos dias devem ser de negociações no Congresso até que os partidos decidam quais serão seus indicados a membros permanentes, além das pressões para a escolha da mesa diretora da CPMI, que serão cruciais para o desenrolar dos trabalhos. O governo trabalhará para ter uma mesa diretora mais favorável, a julgar pela memória do que foi a CPI da Covid, na época um combustível à oposição ao então presidente Jair Bolsonaro.
Já o arcabouço fiscal ainda precisa avançar na tramitação na Câmara, após ter chegado ao Congresso no último dia 18. Oficialmente, o governo diz não acreditar que o burburinho gerado pela CPMI possa atrapalhar a tramitação do arcabouço.
Ao menos da porta para fora, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a CPMI não interfere no debate sobre a regra fiscal porque "ninguém tem dúvida do que aconteceu no dia 8". A ministra do Planejamento, Simone Tebet, foi na mesma linha e disse acreditar que o impacto será zero. Perguntado sobre se a CPMI terá efeito na tramitação do arcabouço, Pacheco afirmou que os congressistas têm "senso de urgência em relação ao arcabouço fiscal".
O texto circula desde o fim de março, mas foi entregue ao Congresso, inclusive, em um dos poucos dias que Lula passou em Brasília em abril — um dia depois da volta de Abu Dhabi, no dia 17, e dias antes de um novo embarque para Portugal, na noite do dia 20.
Desde então, a matéria ainda não avançou, mas o tempo será curto. O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), disse acreditar que o projeto de lei complementar pode ser votado até o dia 10 de maio. O relator escolhido para o projeto foi o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), próximo a Lira.
Além da CPMI e do arcabouço, o chamado PL das Fake News teve urgência aprovada nesta semana e entrou no radar na Câmara. O tema é caro ao governo, e o relator Orlando Silva (PCdoB-SP), que faz parte da base governista, pode entregar ainda nesta semana o parecer do projeto. A votação em plenário pode ficar já para a próxima terça-feira, 2 de maio.
Com tudo em compasso de espera no Congresso, a leitura é de que o começo do mandato de Lula, até aqui, foi fortemente marcado pela agenda internacional — algo que o governo já anunciava, desde a campanha, que seria uma prioridade do mandato.
Passada a resposta aos ataques de 8 de janeiro e os anúncios iniciais, ainda em janeiro, Lula foi primeiro a Argentina e Uruguai; em fevereiro, foi a um encontro com o presidente Joe Biden nos EUA; em março, iria à China, mas teve a viagem adiada para abril após uma pneumonia; por fim, completou o ciclo com as viagens a Portugal e Espanha nesta semana.
Com as quatro viagens, o presidente terminou passando por todos os maiores parceiros comerciais do Brasil: a China, que é a maior parceira comercial desde 2009, os Estados Unidos, a União Europeia (terceira maior parceira em bloco) e a Argentina (terceira maior individualmente).
Das agendas internacionais, o governo voltou com assinatura de acordos e investimentos que, nos próximos anos, podem ser importantes para o Brasil (foram 15 acordos na China, 13 em Portugal e três na Espanha, além de investimento em Abu Dhabi para a refinaria de Mataripe, na Bahia).
O tour pelo mundo nestes primeiros meses foi também usado para a própria imagem interna do governo: como a EXAME mostrou, um dos pontos fortes de Lula em redes sociais são os registros de viagens e reuniões bilaterais. Esses conteúdos tiveram alguns dos maiores engajamentos nos primeiros 100 dias de mandato, segundo levantamento da consultoria Bites — um ganho para um governo que precisa, desesperadamente, liderar o debate nas redes, espaço onde o ex-presidente Jair Bolsonaro ainda é forte.
Mas, invariavelmente, a distância geográfica terminou por atrasar a discussão de outras pautas, sobretudo na relação com o Congresso. Agora, a corrida começa de fato, em um ano que, depois do arcabouço, deve incluir ainda a votação da primeira fase da reforma tributária. Serão dias de muito trabalho para Lula. Agora em Brasília.