Depois de um período recente de esfriamento, há expectativa de que as relações entre Brasil e Estados Unidos ganhem novo fôlego sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que assumiu a Presidência em 1º de janeiro de 2023.
Antes mesmo da posse de Lula, o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, viajou ao Brasil e transmitiu um convite do presidente americano, Joe Biden, para que o brasileiro visite a Casa Branca.
"Estou animado para conversar com o presidente Biden e aprofundar a relação entre nossos países", disse Lula após o encontro com Sullivan, no início de dezembro. Devido a compromissos internos, a visita a Washington ficou para depois da posse.
"Esse foi um primeiro passo importante, e é mais do que simbólico. Mas o simbolismo também é relevante. Mostra a importância que os Estados Unidos dão ao Brasil", diz à BBC Brasil o ex-embaixador Melvyn Levitsky, que serviu em Brasília de 1994 a 1998 e atualmente é professor de política internacional na Universidade de Michigan.
"O que não deveria ser de outra maneira, afinal são dois países enormes, com vários interesses mútuos, e alguns interesses conflitantes", ressalta Levitsky.
Para o ex-embaixador, o diálogo entre os dois países sofreu um pouco durante o governo do presidente Jair Bolsonaro.
"Alguns chamavam (Bolsonaro) de Trump da América Latina, mas não havia muita comunicação em termos de relações próximas (durante seu governo). E o Brasil, na minha opinião, em termos de política externa americana, caiu nessa escala particular", afirma Levitsky.
"Então, há agora tanto um desejo quanto uma boa perspectiva de trabalharmos juntos de maneira mais cooperativa", ressalta. "Creio que a relação vai melhorar consideravelmente."
Levitsky lembra ainda que os Estados Unidos "já têm experiência com Lula", em referência aos dois mandatos anteriores do petista.
Com o novo governo, a aposta de analistas é a de que a política externa brasileira voltará a ser mais pragmática e institucional.
"Deve voltar ao princípio basilar de qualquer política externa, que é a relação entre países, não a relação entre pessoas", diz à BBC News Brasil o professor de relações internacionais Carlos Gustavo Poggio, do Berea College, no Estado do Kentucky.
"Bolsonaro partiu de um princípio muito equivocado, (de) que se fazia política externa com relação entre pessoas. Uma relação totalmente baseada em indivíduo, em relação pessoal, em quem eu gosto e quem eu não gosto, quem é de direita e quem é de esquerda", afirma.
"O que não é a tradição da diplomacia brasileira nem nunca foi. Nem com PT, nem com PSDB, nem com ninguém. Nem com os governos militares foi assim", salienta Poggio, que é especialista em relações entre Brasil e Estados Unidos.
Na análise de Poggio, a política externa do governo Bolsonaro pode ser dividida em duas fases. Com Ernesto Araújo, que foi ministro das Relações Exteriores de 2019 a 2021, o analista vê um "estrago (do qual) vai demorar algum tempo para o Brasil se recuperar".
"Houve uma tentativa de destruição completa, que foi parcialmente bem sucedida, da diplomacia brasileira e da imagem do Brasil. Um ministro das Relações Exteriores que dizia orgulhar-se de transformar o Brasil em pária", afirma, referindo-se a declarações feitas por Araújo em 2020.
"Isso não se reconstrói assim tão fácil", salienta Poggio.
No entanto, o professor avalia que, após a saída de Araújo, a política externa brasileira voltou para o centro. "Retomou um pouco no caminho do regular, digamos assim."
Nesse cenário, Poggio não crê em grandes mudanças nas relações bilaterais. "A minha perspectiva é a de que as relações entre Brasil e Estados Unidos tendem a não mudar muito, independentemente de quem está no governo", afirma.
"É óbvio que há mudanças de retórica, mudanças talvez de postura. Mas, em termos de políticas substantivas, há pouca mudança", observa.
"O Brasil não tem uma relação tão próxima com os Estados Unidos como tem o México. Nós somos aquilo que eu chamo de vizinhos distantes", ressalta Poggio.
Segundo diplomatas e analistas nos dois países, o meio ambiente e a preservação da Amazônia deverão ser o ponto focal nas relações bilaterais com o governo Lula.
"Mudança climática vai ser uma área de cooperação muito importante para nós", diz à BBC News Brasil o porta-voz do Departamento de Estado Christopher Johnson.
"(Isso já ficou) evidente com o encontro entre o enviado especial (para o Clima) John Kerry e o presidente eleito Lula (em novembro, no Egito, durante a COP27, a conferência das Nações Unidas sobre clima)", observa Johnson.
O desmatamento da Amazônia sofreu aceleração nos últimos anos. Quando ainda era candidato à Presidência, em 2020, Biden chegou a mencionar o Brasil durante um dos debates e sugerir a criação de um fundo internacional de US$ 20 bilhões para ajudar o país a não desmatar a Amazônia.
"É raro em debates presidenciais americanos o Brasil ser mencionado", ressalta Poggio. "Abre-se para o Brasil uma série de oportunidades na questão ambiental que o governo Bolsonaro não soube aproveitar. Talvez o governo Lula saiba lidar melhor com essa questão."
Segundo o porta-voz do Departamento de Estado, segurança alimentar e paz internacional também são questões importantes para os Estados Unidos e a relação com o Brasil. Uma solução para a crise na Venezuela é outro tema no qual pode haver cooperação.
"A democracia é muito importante para os Estados Unidos", afirma Johnson. "(Se) o Brasil pode nos apoiar em avançar esse objetivo de eleições livres, justas e transparentes, seria muito bem-vindo de nossa parte."
Muitos analistas observam que há em Washington a expectativa de que o Brasil possa agir como facilitador em uma reaproximação com a Venezuela, um dos maiores países produtores de petróleo que ganha importância diante da crise energética gerada pela Guerra da Ucrânia.
Observadores lembram ainda que os Estados Unidos não contam no momento com um aliado forte na América Latina.
Mas Poggio, do Berea College, ressalta que a atuação do Brasil no cenário internacional também vai depender da situação doméstica.
"(No primeiro mandato) Lula teve espaço para atuar internacionalmente porque foi um momento em que, do ponto de vista doméstico, as coisas estavam mais ou menos equacionadas, não havia grandes problemas de popularidade, a economia ia bem", lembra
"A própria Dilma (Rousseff) já não foi alguém que teve uma atuação internacional relevante. Então tem algo aí que foge um pouco do controle e da vontade pessoal do Lula. (É preciso) saber como vai estar o Brasil do ponto de vista doméstico, para (saber) quanto tempo que ele vai poder dedicar a essas questões externas."