Atletas de elite de todo o mundo chegaram a Paris para os Jogos Olímpicos de 2024. Mas um esporte específico – o surfe – terá sua competição a quase 15 mil km de distância, em Teahupo'o, no Taiti, a maior ilha da Polinésia Francesa.
Teahupo'o tem algumas das melhores ondas do mundo, segundo especialistas. No entanto, por conta das grandes ondas desta praia se formarem justamente graças aos recifes de corais, fazem do surfe no local algo muito perigoso e exige cuidado extra dos surfistas para não sofrer possíveis acidentes.
Além disso, a escolha do local para o surfe gerou debates acalorados há meses sobre a preocupação de que uma torre de metal construída nos corais para os juízes ficarem, danifique os recifes de coral intocados e talvez até afete as próprias ondas.
Com o início da competição de surfe nas Olimpíadas 2024, veja aqui o que você precisa saber sobre a polêmica torre de avaliação das provas no Taiti.
A torre de julgamento de madeira de Teahupo'o estava de pé há duas décadas, afinal a região faz parte do circuito do surfe mundial há tempos. Mas os organizadores das Olimpíadas planejaram originalmente substituí-la por uma grande torre de alumínio de três andares, com capacidade para 40 pessoas, com banheiros e ar condicionado.
Isso causou transtorno e preocupação entre os torcedores e moradores locais preocupados com a possibilidade de danificar os corais.
“O mundo verá as ondas majestosas de Teahupo'o durante a competição oceânica olímpica”, afirma Alan Friedlander, ecologista marinho sênior da National Geographic's Pristine Seas. “Mas o que está escondido sob essas ondas é o verdadeiro tesouro da Polinésia Francesa.”
Vista aérea de surfistas em Teahupo'o, no Taiti. Essa praia pode ter algumas das melhores ondas do mundo, mas o ecologista marinho sênior da National Geographic, Alan Friedlander, diz que os recifes de coral abaixo são “o verdadeiro tesouro da Polinésia Francesa”.
Esse tesouro são os recifes de coral do Taiti. Embora possam parecer rochas coloridas, os recifes são formados por animais chamados pólipos de coral. Juntos, eles abrigam milhares de outras espécies de animais, incluindo “mais de mil espécies de peixes, algumas das quais não são encontradas em nenhum outro lugar da Terra”, diz Friedlander.
Os corais são frágeis e sensíveis, e os danos causados pela construção e ancoragem da nova torre de metal podem torná-los mais vulneráveis às ondas de calor marinhas. Os corais levam anos para se recuperar dos danos.
“O esqueleto dos corais é muito semelhante ao osso humano” e cresce muito lentamente, explica Carlos Duarte, professor de ciências marinhas da Universidade de Ciência e Tecnologia King Abdullah, na Arábia Saudita. Mesmo depois de duas décadas, ele não será igual ao recife original – a maioria dos recifes de coral levou cerca de 5 mil anos para atingir seu tamanho atual. Tampouco terá a mesma biodiversidade. “Depois de duas décadas, o que você tem não é exatamente o que você perdeu”, diz ele.
Uma petição para manter a torre original obteve mais de 257 mil assinaturas. “O projeto foi aprovado sem nenhum estudo de impacto ecológico”, afirma o site da petição, alertando sobre as ‘consequências terríveis’ de danificar o recife perfurando o coral.
Até mesmo a sombra criada pela plataforma poderia ser prejudicial, porque “os recifes de coral dependem criticamente da luz para a fotossíntese”, diz Duarte.
Na foto, a vista da torre de avaliação de madeira que foi usada na competição de surfe Tahiti Pro de 2018 em Teahupo'o. Os organizadores dos Jogos Olímpicos de 2024 a substituíram por uma torre de metal que causou alguns danos aos corais abaixo durante a construção.
Os recifes de coral também contribuem para criar os tipos de ondas que os surfistas perseguem – o que eles fazem ao provocar a quebra das ondas quando a água chega à costa. Em um vídeo de apoio à petição, o surfista profissional Matahi Drollet argumentou que a torre poderia “modificar ou alterar nossa onda e, na pior das hipóteses, fazê-la desaparecer em alguns anos”. Isso se deve ao fato de que adicionar qualquer coisa à água, como, uma torre, poderia mudar a forma como a água flui e interromper os padrões das ondas.
“Não se trata apenas de não danificar o recife”, comenta Duarte. O Comitê Olímpico Internacional (COI) comprometeu-se com o Sports for Nature, o que significa que eles devem tentar deixar o recife mais saudável do que era antes da competição.
“Projetar uma infraestrutura que possa danificar um ecossistema muito vulnerável como os recifes de coral é inconsistente com esse compromisso”, diz ele. Em dezembro de 2023, a Associação Internacional de Surfe (a ISA, sigla em inglês) anunciou que “não apoiaria a construção da nova torre de alumínio dos juízes”.
Os organizadores das Olimpíadas disseram que não seria seguro reformar a torre original porque as fundações estavam deterioradas. Eles também rejeitaram as sugestões para que a nova torre fosse feita de madeira, pois isso significaria elaborar o projeto do zero e não havia tempo suficiente.
A ISA sugeriu soluções alternativas de julgamento, incluindo uma torre em terra, câmeras de lentes longas e a colocação de juízes prioritários em um barco com oficiais técnicos.
Nenhum deles foi adiante. Os juízes não teriam visibilidade suficiente da costa e os organizadores das Olimpíadas disseram que “seria impossível observar a competição adequadamente” se a filmagem fosse feita a partir de barcos.
Em vez disso, eles mudaram os planos para fazer “uma nova torre de juízes, mais moderada” em uma área com menos corais. Mas o projeto recebeu mais críticas quando uma barcaça de construção danificou o coral em dezembro de 2023. Embora a extensão do dano não tenha sido confirmada, surgiram imagens de corais quebrados depois que a barcaça ficou presa na maré alta.
Embora sejam necessários estudos de impacto adequados para determinar o impacto da torre menor, “qualquer ação que evite danos aos corais é o caminho a ser seguido”, afirma Duarte.
A torre menor e mais leve, para 25 a 30 pessoas, está pronta e já sendo usada para a competição deste ano e pode ser montada novamente para outros eventos. Embora algumas pessoas continuem criticando, outras estão satisfeitas com o fato de os planos mais prejudiciais terem sido revertidos.
Com o risco de perda dos recifes de coral em nível global, Duarte diz que, em última análise, é mais importante pensar no panorama geral. Essa história “não é sobre esse pequeno recife de coral do tamanho de cerca de duas quadras de tênis que está sendo afetado no Taiti”, diz ele. “Trata-se dos mesmos impactos que estão ocorrendo em milhares de recifes de coral em todo o mundo.”
Duarte vê um lado positivo na conscientização que essa controvérsia despertou sobre a importância de proteger os corais em todo o mundo. Ele espera que isso mobilize as comunidades para apoiar a proteção e a restauração dos recifes.
“O que começou sendo uma notícia ruim pode acabar se tornando uma boa notícia”, comenta ele. “Acho que esse deve ser o lado oposto pelo qual devemos nos esforçar.”