O governo do presidente Nicolás Maduro deu mais um passo em seu plano para anexar metade da Guiana. Na quarta, 3, promulgou uma lei para formalizar o território do país vizinho como um novo estado da Venezuela.
A medida não tem validade legal fora da Venezuela, mas pode aumentar o nível de tensão entre os dois países. Os dois governos fizeram um acordo em dezembro, no qual se comprometeram a não usar a força e aguardar uma definição de órgãos internacionais, ainda sem data para ocorrer. Veja a seguir as principais perguntas e respostas sobre a situação.
A disputa pela área vem desde o século 19. Em 1831, o Reino Unido estabeceleu uma colônia onde hoje é o território da Guiana, que se tornou independente em 1966. O novo país manteve o controle sobre a área, que representa mais da metade de seu território.
A Guiana se atém ao Laudo Arbitral de Paris, de 1899, no qual foram estabelecidas as fronteiras atuais. Do outro, a Venezuela se apoia em sua interpretação do Acordo de Genebra, firmado em 1966 com o Reino Unido, antes da independência guianesa, em que Londres e Caracas concordam em estabelecer uma comissão mista "para buscar uma solução satisfatória", já que o governo venezuelano considerou o laudo de 1899 "nulo e vazio".
A briga ganhou novos capítulos após descoberta, em 2015, de grandes reservas de petróleo na região. A Guiana iniciou licitações para explorar campos petrolíferos em águas rasas e profundas em 2022, o que Caracas rejeitou, considerando-as ilegais.
Em 2023, a crise escalou. Maduro organizou um referendo consultivo em 3 de dezembro sobre a anexação do território, aprovado por mais de 95% da população. O "sim" apoiava a criação na região de uma província venezuelana, a "Guiana Essequiba", e a concessão da nacionalidade a seus habitantes.
Em seguida, o governo Maduro começou a promulgar decretos e normas para se apossar de Essequibo, como abrir um escritório do serviço de identificação e migração (Saime), em Tumeremo, na fronteira com Essequibo.
O governo também passou a divulgar novos mapas da Venezuela, que incluem a área em disputa, como sendo oficiais, e fez vários eventos para defender a anexação de Essequibo.
Em 3 de abril, Maduro promulgou a Lei Orgânica para a Defesa de Essequibo, que regulamenta a fundação de um novo estado, a Guiana Essequiba, e o impedimento de que apoiadores da posição do governo da Guiana ocupem cargos públicos ou eletivos.
Dentro da Venezuela, sim. Fora dela, não. Tratados internacionais protegem a soberania dos países sobre seus territórios. Assim, não basta um país dizer que tem direito a parte de outro. Em caso de disputas territoriais, é preciso buscar algum tipo de acordo ou buscar arbitragem de entidades internacionais.
Há três caminhos:
1. Uma invasão militar
Forças da Venezuela poderiam tomar à força o território da Guiana, o que iniciaria uma guerra. No entanto, a Guiana tem parcerias militares com Estados Unidos, Reino Unido e outros países, o que reduziria as chances de sucesso da Venezuela. Além disso, a Venezuela teria de passar pelo território brasileiro para fazer uma invasão por terra, e o Brasil já disse que não toleraria isso.
2. Um acordo internacional
A Venezuela pleiteia na ONU o direito ao território do Essequibo. O caso está sob análise há anos na CIJ (Corte Internacional de Justiça), sem previsão de resolução. Não há indicativos de que a Venezuela tenha chance de uma decisão favorável, pois o Essequibo está sob controle da Guiana há décadas.
3. Convencer a Guiana a ceder o território
Algo assim tampouco é provável. O governo da Guiana tem deixado claro que não cederá o território, embora tenha aceitado dialogar sobre o tema para encontrar uma saída pacífica.
Maduro não deu uma data precisa para avançar com o plano de anexação. Um dos decretos de Maduro, assinado em dezembro, previa que isso poderia ser feito até 2030.
Também em dezembro, Venezuela e Guiana fizeram um acordo, no qual se comprometeram a não usar a força e que a controvérsia deveria ser resolvida com intermediação de órgãos internacionais.
É difícil estimar. Por um lado, Maduro tem comportamento considerado imprevisível e poderia começar um conflito, embora possa ter grandes perdas com uma guerra.
A Venezuela vive uma forte crise econômica há cerca de dez anos, e teria dificuldade para custear uma guerra de longo prazo sem ajuda externa. Nenhuma grande potência sinalizou apoio público à ideia de anexação.
Além disso, com a chance de que os EUA ajudem a Guiana a se defender, a Venezuela teria de enfrentar tecnologias militares de ponta.
A invasão de um país vizinho esgarçaria ainda mais as relações da Venezuela com os países vizinhos, como o Brasil, e com o mundo. O país poderia ser alvo de mais sanções econômicas, o que traria dificuldades adicionais para vender o petróleo que produz e as riquezas que poderia obter ao invadir a Guiana.
Sim. Enquanto as forças venezuelanas estão entre as mais bem equipadas da América do Sul, as guianenses têm um pequeno efetivo. A Venezuela é o sexto país que mais investe na área militar no mundo, enquanto a Guiana está apenas na 152ª posição, segundo o The World Factbook, da CIA, a agência de inteligência americana.
As Forças Armadas Nacionais Bolivarianas têm um efetivo aproximado de 125 mil a 150 mil militares na ativa, e 8 mil reservistas, segundo dados da Agência de Inteligência Americana (CIA). Porém, além do Exército, da Marinha e Força Aérea, as Fanb também contam com mais três braços especiais, incluindo a Milícia Nacional Bolivariana e a Guarda Nacional (GNB).
Incorporada como um "componente especial" às Fanb em 2020, a Milícia Bolivariana consiste em cerca de 225 mil civis armados que recebem treinamento periódico em troca de pagamento.
No entanto, a Guiana pode receber ajuda externa em caso de invasão, especialmente dos Estados Unidos. Empresas americanas exploram petróleo na região. A Casa Branca já sinalizou que ajudaria a Guiana a se defender, e anunciou exercícios militares na região, como forma de sinalizar que está presente.
Para invadir por terra, forças da Venezuela teriam de necessariamente passar pelo território brasileiro. A fronteira entre Venezuela e Guiana é predominantemente formada por selva, o que impede o deslocamento de colunas de viaturas blindadas e dificulta o deslocamento de tropas a pé, assim como o envio dos suprimentos necessários à manutenção das tropas em combate. Por outro lado, na fronteira com Roraima, a vegetação de campos gerais é adequada ao movimento das tropas. Uma manobra como essa evidentemente não seria permitida pelo Brasil.
Com AFP e Agência O Globo.