O ministro dos Negócios Estrangeiros do Egito, Sameh Shoukry, reafirmou o compromisso do seu país com o acordo de paz assinado com Israel em 1979.
A declaração seguiu as notícias veiculadas pela imprensa israelense e norte-americana de que o Egito estaria ameaçando suspender o tratado caso Israel lançasse uma ofensiva à cidade palestina de Rafah, no sul da Faixa de Gaza.
Essa eventual ofensiva poderia forçar milhares de palestinos a atravessar a fronteira com o Egito até a Península do Sinai.
Cerca de 1,4 milhões de palestinos estão abrigados em Rafah, que já sofreu com bombardeios. Em declarações nos últimos dias, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu indicou que pode ordenar o avanço de suas tropas em uma ofensiva terrestre, apesar dos apelos de parte da comunidade internacional para que ele reconsidere os planos.
Martin Griffiths, subsecretário geral para assuntos humanitários das Nações Unidas, afirmou em comunicado na terça-feira (13) que uma eventual ofensiva em Rafah poderia levar a uma "matança" na região, que já sofre com "ataques sem paralelo em intensidade, brutalidade e alcance”.
Shoukry procurou atenuar essas notícias. Ele afirmou que "qualquer comentário feito por indivíduos pode ser distorcido".
Mas uma fonte de alto escalão do Egito declarou ao canal semioficial Al-Qahera News (Cairo) que o país acompanha de perto a situação em Rafah e estaria pronto para lidar com todos os cenários, sem fornecer mais detalhes.
Em visita ao Egito, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), disse na quinta-feira que "não tem nenhuma explicação o comportamento de Israel".
"O Brasil é terminantemente contrário à tentativa de deslocamento forçado do povo palestino. Por esse motivo, entre outros, o Brasil se manifestou em apoio ao processo instaurado na Corte Internacional de Justiça pela África do Sul. Não haverá paz sem um Estado Palestino dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas", afirmou.
Egito e Israel travaram guerras entre si no passado e o combate mais recente ocorreu em 1973.
No final dos anos 1970, os Estados Unidos mediaram um tratado de paz que normalizou as relações entre os dois países e limitou a mobilização militar nos dois lados da fronteira.
O protocolo anexo ao tratado de 1979 demarcou as fronteiras entre o Egito e Israel, que foram divididas em quatro zonas principais. Três dessas zonas ficam na Península do Sinai, no Egito. E uma quarta zona fica dentro de Israel e é conhecida como Zona D.
Foto de 1978 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat (à esq.) e o primeiro-ministro israelense Menachem Begin (direita) com o presidente dos EUA Jimmy Carter
O tratado autoriza a presença de uma limitada força militar terrestre de Israel na Zona D. Essa presença é composta de quatro batalhões de infantaria, com até 4 mil soldados e um número limitado de fortificações de campo, além de observadores das Nações Unidas.
Segundo o tratado, as forças israelenses na região não devem incluir tanques, artilharia ou mísseis antiaéreos, exceto mísseis terra-ar individuais.
A Zona D tem 2,5 km dentro da fronteira israelense com o Egito. Ela inclui a fronteira entre o Egito e a Faixa de Gaza, segundo Samir Ragheb, chefe da Fundação Estratégica Árabe, com sede na capital egípcia, a cidade do Cairo.
As forças israelenses costumavam controlar a fronteira com o Egito dentro de Gaza, incluindo a área de 14 km de comprimento ao lado da fronteira egípcia, conhecida como o corredor Filadélfia (ou eixo Salah El-Din). Mas Israel se retirou unilateralmente da faixa em 2005.
Israel assinou com o Egito o chamado Protocolo Filadélfia, que foi anexado ao tratado de paz. O protocolo permitiu que o Egito destacasse 750 soldados para uma região conhecida como Zona C, ao longo da sua fronteira com a Faixa de Gaze e ao lado da Zona D.
Não se trata de uma força militar, mas sim policial. Sua função é combater o terrorismo e as infiltrações através da fronteira.
O tratado original de 1979 proibiu o deslocamento de forças militares egípcias para a Zona C e restringiu a presença de forças de segurança na região a forças multinacionais, observadores e membros da polícia civil do Egito portando armas leves.
Mas o Apêndice I do tratado de paz permite a alteração dos acordos de segurança por solicitação de uma das partes e com o consentimento de ambas.
Em 2021, Egito e Israel anunciaram o reforço da presença militar egípcia na Zona C e o posicionamento de tanques, veículos blindados e de transporte de tropas para combater o terrorismo e enfrentar as ameaças impostas por combatentes do grupo Estado Islâmico no norte do Sinai.
O professor de Direito Internacional Ayman Salameh é membro do Conselho Egípcio de Assuntos Externos. Ele afirma que Israel não tem o direito de posicionar novos soldados na Zona D sem a permissão do Egito, mesmo que o objetivo seja proteger a segurança nacional dos dois países.
O destacamento das forças militares israelenses na sua fronteira internacional com o Egito, mesmo na ausência de conflitos ou operações militares, deverá ser considerado violação dos termos do tratado de paz e seus anexos de segurança, segundo Salameh. Para ele, seria "um ato hostil" que ameaça a segurança nacional do Egito.
O Egito tem o direito, em circunstâncias prementes ou excepcionais, que representem ameaça à segurança nacional, de rever ou congelar o tratado com Israel, segundo o professor.
Este direito se baseia na Convenção de Viena sobre a Lei dos Tratados de 1969, que permite que qualquer das partes de um tratado internacional cancele ou congele o acordo, no todo ou em parte, caso haja uma ameaça direta à soberania nacional ou à independência do Estado signatário do tratado.
O Egito rejeitou declarações de altas autoridades do governo israelense sobre sua intenção de lançar uma operação militar na cidade de Rafah, alertando sobre as "severas consequências" desse tipo de ação. E, paralelamente, vêm crescendo os alertas do mundo árabe e de outros países sobre uma "situação catastrófica em Gaza", caso Israel seguisse com seus planos.
O Egito receia que milhares de palestinos venham a cruzar sua fronteira se a situação se deteriorar ainda mais na cidade, que hoje abriga cerca de 1,4 milhão de palestinos.
O pesquisador Yohanan Tzoreff, do Instituto de Estudos de Segurança Nacional de Israel, afirma que o tratado de paz egípcio-israelense não retira de Israel o direito de defender a segurança do país e de suas fronteiras.
Ele destaca a importância do tratado para os dois países e minimiza as preocupações do Egito sobre uma possível operação militar israelense dentro de Rafah. Para ele, existem tentativas de Israel para coordenar a situação com o Egito.
A cidade do Cairo deve receber uma rodada de negociações que incluirão o diretor da CIA norte-americana, William Burns, e uma delegação de segurança de alto escalão de Israel. Eles irão discutir os planos israelenses para a possível operação em Rafah.
Notícias da imprensa dão conta de que essas discussões também irão incluir os últimos desenvolvimentos sobre a negociação de um cessar-fogo, bem como a troca de reféns e prisioneiros entre Israel e o Hamas.
O Egito negou repetidamente a existência de qualquer coordenação com Israel sobre as operações militares sendo realizadas atualmente dentro da Faixa de Gaza, especificamente no corredor Filadélfia ou na Zona D.
Nas últimas semanas, vieram à tona diferenças entre o Egito e Israel. Autoridades israelenses anunciaram uma possível operação militar em Rafah e a possibilidade de tomada do controle do corredor Filadélfia. Elas acusam os egípcios de não combaterem o contrabando de armas pelo Hamas para a Faixa de Gaza.
O Egito rejeitou essas acusações, destacando sua capacidade de controlar totalmente suas fronteiras. O país também negou a existência de túneis e de contrabando de armas, explosivos ou seus componentes do território egípcio para a Faixa de Gaza.
O Egito também alertou sobre o que descreve como "esforços de Israel para criar legitimidade para a ocupação do corredor Filadélfia", indicando que esta ação traria "sérios danos às relações entre os dois países".
Segundo o Ministério da Saúde palestino, controlado pelo Hamas, pelo menos 28.576 pessoas, a maioria mulheres e crianças, foram mortas como resultado dos ataques de Israel em toda a Faixa de Gaza.
Israel iniciou a ofensiva depois de homens armados liderados pelo Hamas terem matado pelo menos 1.200 pessoas e feito 253 reféns em um ataque surpresa ao seu território em 7 de outubro.