À medida que o calendário de votações prévias nos Estados Unidos avança, aumenta a possibilidade de que a eleição presidencial de novembro seja novamente disputada por Joe Biden e Donald Trump, em uma repetição do confronto de 2020.
Os candidatos oficiais só serão anunciados nas convenções nacionais dos partidos, no meio do ano.
Mas analistas e pesquisas de intenção de voto indicam que o presidente Biden não terá problemas para ser o escolhido do Partido Democrata.
Biden venceu a primeira disputa entre candidatos do seu partido, ao ganhar com folga a primária de New Hampshire. A próxima votação entre os democratas será no sábado (3/2) na primária da Carolina do Sul.
Por sua vez, o ex-presidente Trump é o favorito entre os republicanos, após vencer as duas primeiras prévias, em Iowa e New Hampshire, com ampla vantagem sobre seus adversários.
Analistas na imprensa americana salientam que Trump está em uma posição mais forte nessas primárias “do que qualquer outro republicano da era moderna”.
Como mais de 70% dos delegados republicanos são distribuídos nas primárias e caucus realizados até o fim de março, é possível que Trump conquiste os 1.215 delegados necessários para a indicação bem antes do fim da temporada de prévias.
Esse cenário contrasta com 2022, quando Trump anunciou sua intenção de voltar à Casa Branca, após ter perdido o pleito de 2020 para Biden, e muitos duvidavam de suas chances.
Mas sua candidatura foi ganhando força, e a maioria dos rivais já abandonou a disputa na busca pela indicação do Partido Republicano.
Entre os principais concorrentes, a única que permanece é Nikki Haley, ex-governadora da Carolina do Sul e ex-embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas.
Apesar de ter ficado muito atrás de Trump nas duas prévias até agora, Haley prometeu continuar na disputa, e seu próximo grande teste será a votação no Estado que governou, em 24 de fevereiro.
As pesquisas, no entanto, indicam que Trump deverá vencer na Carolina do Sul com mais de 30 pontos de vantagem.
Se Haley não tiver um bom desempenho em seu próprio Estado, analistas afirmam que deve aumentar a pressão para que ela abandone a disputa, o que deixaria Trump sem nenhum adversário com chance de vencê-lo.
Em uma eleição geral disputada por Trump e Biden, pesquisas recentes dão vantagem ao republicano, apesar de ser por uma margem pequena.
No caso de uma disputa entre Biden e Haley, o democrata teria 37%, e a republicana 38%.
A maioria dos americanos, porém, não gostaria de ver Biden e Trump disputando a Presidência novamente.
Em pesquisa da agência de notícias Reuters e do instituto Ipsos em janeiro, 67% disseram estar cansados dos mesmos candidatos.
Em um país em que o voto não é obrigatório, 18% dos eleitores dizem que provavelmente não vão comparecer às urnas se a eleição for entre Biden e Trump.
Apesar da aparente frustração com ambos os candidatos, a mesma pesquisa indica que Trump teria 40% dos votos, e Biden 34%.
Ainda é cedo na corrida pela Casa Branca, e pesquisas no momento devem ser interpretadas com cautela.
O sistema americano de votação também significa que um candidato pode perder no voto popular e ainda assim vencer as eleições, caso vença em Estados decisivos.
Mas há várias questões que poderão ser determinantes em novembro.
Entenda quais são os principais pontos que podem ajudar ou atrapalhar os planos de Trump de voltar à Presidência.
Uma das preocupações dos americanos é com a idade de Biden que, caso seja reeleito, terá 82 anos na posse, em janeiro de 2025.
Apesar de Trump, aos 77 anos, não ser muito mais jovem, o republicano tem tido mais sucesso em rejeitar especulações sobre sua capacidade de governar.
Na pesquisa Reuters/Ipsos de janeiro, 74% afirmaram que Biden é muito velho para governar, percentual bem acima dos 48% que disseram o mesmo sobre Trump.
Na mesma pesquisa, 70% disseram que Biden não deveria concorrer novamente, e 56% afirmaram o mesmo sobre Trump.
Outra pesquisa, conduzida em setembro passado pela rede CBS e pela empresa YouGov, revelou que somente 34% dos eleitores acham que Biden, se reeleito, completaria o segundo mandato. No caso de Trump, o percentual foi de 55%.
De acordo com uma pesquisa, somente 34% dos eleitores acham que Biden, se reeleito, completaria o segundo mandato
Segundo o instituto de pesquisas Pew Research Center, somente 33% dos americanos aprovam o desempenho de Biden como presidente, apenas 29% acham que ele tem a “mente afiada” e 24% o descrevem como “energético”.
Sua aprovação está abaixo de 40% desde abril de 2022 e é ainda menor entre os mais jovens, ficando em 27% na faixa de 18 a 29 anos.
“Jovens tendem a ser menos propensos a votar em geral, e será difícil mobilizá-los”, diz à BBC News Brasil o cientista político Hans Noel, professor da Universidade de Georgetown.
A campanha de Biden tem retratado a disputa presidencial como uma batalha pela democracia, ressaltando a turbulência do governo Trump e a recusa do republicano em aceitar a derrota em 2020.
Muitos apostam que o simples fato de Trump ser o adversário servirá para motivar a base democrata e alguns independentes a apoiar Biden.
Mas Trump e seus apoiadores têm chamado a atenção para supostas gafes de Biden, incluindo ocasiões em que o democrata parece tropeçar nas palavras ou fazer pronunciamentos confusos.
Essas fragilidades também preocupam muitos no Partido Democrata.
“Biden tem um apelo mais amplo que Trump, mas é um apelo fraco em várias fatias do eleitorado. Muitos preferem Biden, mas não entusiasticamente”, diz à BBC News Brasil o especialista em Política e Relações Internacionais John Ciorciari, professor da Universidade de Michigan, citando jovens e eleitores mais progressistas entre esses grupos.
Biden também enfrenta falta de entusiasmo entre outros grupos de sua base de apoio.
Uma pesquisa New York Times/Siena do fim do ano passado indicava que 22% dos eleitores negros em seis dos Estados decisivos planejavam votar em Trump.
“Se todos os que preferem Biden votarem, ele poderá vencer a eleição. O problema é que muitos dos que o apoiam sem entusiasmo podem decidir ficar em casa”, diz Ciorciari.
“Ao passo que a maioria dos que apoiam Trump são mais apegados a ele e mais propensos a votar.”
Economia e inflação são as principais preocupações de 34% dos eleitores americanos, segundo pesquisa feita em dezembro pelo jornal The New York Times e o Instituto Siena College, afiliado à universidade de mesmo nome.
Apesar de bons indicadores econômicos, há entre muitos a percepção de que a situação era melhor no governo Trump.
Sob o comando de Biden, a economia americana se recuperou da crise gerada pela pandemia e vem demonstrando força e surpreendendo analistas.
No ano passado, o país cresceu 2,5%, acima do avanço de 1,9% registrado em 2022.
A inflação parece estar sob controle, e o índice de preços de gastos com consumo (PCE, na sigla em inglês), que é o indicador preferido do Fed (o Banco Central do país), subiu 2,6% no acumulado do ano passado.
Desempenho da economia neste ano será fator importante na decisão dos eleitores
Mas esses dados positivos ainda não se traduziram em otimismo por parte dos eleitores, que continuam a enfrentar preços altos em itens como moradia e não veem os bons indicadores refletidos no bolso.
Segundo o Pew Research Center, apesar de melhorias recentes nas opiniões, os americanos hoje ainda estão “muito menos otimistas (em relação à economia) do que estavam entre 2018 e o início de 2020, durante a presidência de Trump e antes da pandemia”.
Em janeiro de 2020, as condições econômicas eram consideradas boas ou excelentes por 57% dos americanos. Em janeiro deste ano, somente 28% tinham a mesma opinião.
Entre os 72% que atualmente consideram as condições econômicas apenas razoáveis ou ruins, as principais preocupações citadas foram inflação e alto custo de vida.
Esse descontentamento pode beneficiar Trump, que teve um mandato marcado por inflação em baixa.
“Uma questão importante é que a economia está melhorando, mas ainda não está no nível de expansão já visto algumas vezes antes”, afirma Hans Noel, professor da Universidade de Georgetown.
“Você pode dizer que a recuperação dos Estados Unidos após a pandemia foi muito boa em comparação com o resto do mundo, mas a maioria dos eleitores não pensa desta maneira. Eles não sabem como é a economia do resto do mundo ou o quão melhor eles estão.”
Mas Noel ressalta que é cedo para saber o impacto do desempenho econômico na eleição.
Segundo ele, à medida que a política americana se torna mais polarizada entre os partidos Democrata e Republicano, a conexão entre economia e eleições vem ficando mais fraca.
Mas ainda há um grupo de eleitores no meio que pode ser influenciado. Em uma votação apertada, eles podem ser decisivos.
Ciorciari acredita que, caso a economia permaneça forte até novembro, Biden terá vantagem.
Mas, caso haja algum imprevisto, como uma quebra no mercado imobiliário ou outro surto de inflação, isso prejudicaria o democrata.
“Alguns dos eleitores que planejam apoiar Biden podem decidir ficar em casa, e alguns dos indecisos podem resolver votar em Trump”, avalia.
Desde que surpreendeu o mundo político ao vencer as eleições de 2016, Trump é a figura dominante no Partido Republicano.
Neste ano, muitos dos adversários que criticavam o ex-presidente nas primárias abandonaram a corrida eleitoral e, agora, declaram apoio a ele.
No entanto, o domínio de Trump tem como alicerce uma base eleitoral extremamente fiel, mas limitada, e analistas sugerem que, para vencer em novembro, o ex-presidente precisa unificar seu partido e apelar para grupos fora de sua base mais fiel, como moderados ou eleitores com diploma universitário.
Muitos dos apoiadores de Nikki Haley dizem que não votariam em Trump.
Apesar de Trump ter vencido Haley na primária de New Hampshire por ampla margem, alguns dos resultados naquela votação indicam possíveis dificuldades para o ex-presidente na eleição geral.
Muitos apoiadores de Nikki Haley dizem que não apoiariam Trump
Haley ganhou 65% dos votos entre os eleitores independentes em New Hampshire, enquanto Trump ficou com 34%.
Ela também conquistou a maioria dos eleitores com diploma universitário.
Segundo pesquisa da rede de TV Fox News, 34% dos republicanos que votaram na primária em New Hampshire disseram que não votariam em Trump em novembro.
Entre os republicanos que não se identificam como Maga (em referência ao movimento “Make America Great Again”, ou "Torne a América Grande Novamente", iniciado por Trump), 75% votaram em Haley em New Hampshire e apenas 23% em Trump.
“Trump provavelmente poderia receber alguns votos adicionais, de eleitores que mudariam seu apoio de Biden para ele. Mas acho que é um número muito pequeno”, diz Ciorciari, ressaltando que o republicano tem uma capacidade limitada de ampliar sua base de apoio.
“Acredito que a única maneira de Trump receber um número significativo de votos adicionais, que de outra forma iriam para Biden, seria se houvesse algum grande imprevisto, como um aumento na imigração ou uma crise econômica”, afirma.
“Algo que faça com que eleitores que no momento apoiam Biden de maneira fraca passem a apoiar Trump, (também) de maneira fraca.”
Trump é alvo de 91 acusações em quatro processos criminais, que podem afetar suas chances de ser eleito.
Ele tem se colocado como vítima de perseguição política, e seu desempenho nas pesquisas e prévias até agora sugere que muitos apoiadores concordam ou simplesmente não foram desmotivados por suas pendências na Justiça.
O ex-presidente também tem usado o interesse da mídia nos julgamentos a seu favor, garantindo uma cobertura muito maior do que a de seus adversários na disputa republicana.
Mas, se algum dos julgamentos for decidido antes de novembro, uma condenação poderia prejudicá-lo.
“Se fossem apenas um ou dois casos, e apenas em Estados de maioria democrata, isso poderia beneficiar Trump”, afirma Ciorciari.
“Mas são vários casos, alguns dos quais não podem ser facilmente caracterizados como de natureza política.”
Trump enfrenta diversos processos na Justiça
“Não sei quantos dos que planejam votar em Trump decidiriam não apoiá-lo caso seja condenado, mas devo presumir que o número não seria zero”, diz Ciorciari.
“Talvez não passem a apoiar Biden, mas podem ficar menos propensos a votar. E Trump não pode se dar ao luxo de perder nenhum desses apoiadores.”
Os principais casos envolvem seus esforços para permanecer no poder após perder a eleição de 2020, a acusação de falsificar registros comerciais para ocultar dinheiro pago a uma atriz pornô, um julgamento na Geórgia por interferir na eleição naquele Estado e um julgamento na Flórida por levar documentos confidenciais para casa e obstruir os esforços para recuperá-los.
Além desses julgamentos, Trump é alvo de esforços em uma série de Estados para que seu nome seja retirado das cédulas, sob a acusação de que ele teria cometido insurreição após perder a eleição de 2020.
Trump não aceitou aquela derrota, nem seus apoiadores mais fiéis, e milhares deles invadiram a sede do Congresso em 6 de janeiro de 2021.
A Suprema Corte deverá dar em breve a palavra final sobre se o nome de Trump poderá aparecer nas cédulas, mas analistas acham pouco provável que o ex-presidente seja impedido de concorrer.
E caso Trump seja reeleito, os processos contra ele ainda pendentes deverão perder a relevância.
O mandato de Biden tem sido marcado por conflitos internacionais, como as guerras na Ucrânia e em Gaza, que contam com financiamento dos Estados Unidos, e os ataques de forças americanas contra rebeldes houthis no Iêmen.
Esse cenário contrasta com a relativa calma no Oriente Médio e na Europa durante o governo de Trump.
Segundo pesquisa New York Times/Siena College de dezembro, 57% dos eleitores desaprovam a forma como Biden está lidando com o conflito em Gaza, e 46% confiam que Trump faria um trabalho melhor.
O apoio de Biden a Israel, em meio ao crescente número de mortes e uma crise humanitária, vem frustrando eleitores dentro da coalizão que o ajudou a vencer em 2020.
Esses eleitores democratas querem um cessar-fogo e afirmam que a posição de Biden vai lhe custar votos e pode ameaçar suas chances de reeleição.
“Acho que se olharmos somente para os eleitores americanos de ascendência árabe ou palestina, isso não vai determinar a eleição”, afirma Ciorciari.
“Mas o conflito em Gaza alienou (também) alguns dos eleitores jovens e progressistas cujo apoio ele precisa para vencer.”
Ciorciari considera a política externa uma fraqueza para Biden, mas lembra que as eleições presidenciais costumam ser decididas por políticas domésticas e sociais, a não ser que ocorra um grande evento internacional próximo à votação e que envolva diretamente interesses americanos. Nesse caso, Biden poderia se beneficiar.
“Porque, inicialmente, costuma haver muito apoio popular a um presidente em uma crise de política externa”, diz.
“À medida que a crise se estende, porém, o público começa a ficar frustrado, e isso se torna uma desvantagem para um presidente que busca reeleição.”
Analistas e pesquisas sugerem que a questão da imigração pode ser uma vulnerabilidade para Biden, já que Trump é visto por muitos eleitores como o candidato mais forte para enfrentar o grande número de imigrantes que entram nos Estados Unidos ilegalmente.
Desde sua campanha de 2016, quando construir o muro na fronteira com o México foi uma de suas principais promessas, e ao longo dos quatro anos de seu governo, Trump manteve uma postura linha-dura em relação à imigração que foi muito criticada pelos democratas.
Mas algumas análises indicam que, ao reagir a Trump, o partido de Biden talvez tenha se afastado da posição da maioria dos americanos, aceitando a entrada de muitos imigrantes ilegais, o que seria rejeitado por eleitores mais moderados.
Quase três quartos dos americanos consideram a imigração ilegal um problema sério, e pesquisas apontam que, nos Estados que serão decisivos em novembro, a maioria dos eleitores é favorável ao muro na fronteira com o México.
Quase três quartos dos americanos consideram a imigração ilegal um problema sério
Políticos republicanos, como o governador do Texas, Greg Abbott, passaram a enviar pessoas que entraram ilegalmente pela fronteira para cidades democratas, como Nova York ou Chicago, que por sua vez passaram a pedir ajuda do governo federal para lidar com o grande fluxo de recém-chegados.
Mesmo políticos democratas de regiões na fronteira alertam que seu partido vem perdendo o apoio até de eleitores de origem hispânica, frustrados com o fluxo de imigrantes em suas cidades.
Somente em dezembro, quase 250 mil imigrantes sem documentos cruzaram a fronteira com o México.
No fim de janeiro, diante da importância do tema na disputa presidencial, Biden mudou de tom e chegou a prometer “fechar” a fronteira quando estiver “sobrecarregada”, como parte de negociações para um acordo no Senado que inclui outros pontos, como ajuda financeira para a Ucrânia e Israel.
“A questão da imigração é uma fraqueza significativa para Biden”, diz Ciorciari.
“É um problema para qualquer presidente que tenta a reeleição, mas especialmente para um que, aos olhos de muitos eleitores indecisos, tem sido muito tolerante com a imigração.”