"Viva la libertad, c****!" foi o lema de campanha, e de vitória, de Javier Milei. O novo presidente da Argentina prometeu ampliar as liberdades no país, mas, menos de dez dias após tomar posse, adotou linha dura contra protestos. Com isso, a frase que ganhou destaque no governo foi "El que corta, no cobra" (quem bloqueia não recebe)". Ou seja: quem protestar perderá direito a receber benefícios sociais.
O governo busca combater os protestos convocados por entidades ligadas à esquerda, marcados para esta quarta-feira, 20, contra as medidas econômicas anunciadas semana passada, que trazem grandes cortes de gastos públicos. A data é simbólica: em 20 de dezembro de 2001, o presidente Fernando de la Rúa renunciou após uma onda forte de protestos. O ato principal será na Praça de Maio, em Buenos Aires.
Nos últimos dias, ministras e representantes do governo fizeram pronunciamentos para reforçar que quem fechar ruas será punido. Manuel Adorni, porta-voz da Presidência, explicou que câmeras com reconhecimento facial serão usadas para identificar os manifestantes, que poderão perder o direito a benefícios, como auxílios em dinheiro para famílias pobres.
Aqueles que forem identificados participando de bloqueios das ruas serão fichados pelas forças de segurança e seus dados vão ser encaminhados para outros órgãos de governo. Se os manifestantes fizerem parte de algum programa social, poderão perder o direito a ele.
"As pessoas vão tomar sua própria decisão: 'vou ao protesto e me tiram o plano ou fico em casa e sigo trabalhando?'. Há decisões e queremos que as pessoas sejam livres", disse Patricia Bullrich, ministra da Segurança, em entrevista a uma rádio.
"A lei e a ordem gera liberdade, e a liberdade gera progresso. Há uns 8 mil, 12 mil piquetes por ano em nosso país. Arruina a economia, as famílias, gera desigualdade", prosseguiu Bullrich. "Podem manifestar o que quiserem, mas sem bloquear as vias de circulação. O que não podem fazer é fechar a rua."
O plano, chamado de "pacote antipiquete", determina ainda que os policiais poderão barrar pessoas mascaradas que se dirigirem aos protestos já nas estações de trem e metrô, e que agentes federais, inclusive da polícia penitenciária, terão maior participação no controle de protestos.
O governo determinou também que as organizações e indivíduos que convocarem atos terão de custear o gasto com as operações de segurança mobilizadas para acompanhar os atos. Isso cria uma situação em que os manifestantes poderão ter de pagar pelo serviço dos agentes que os prenderem, por exemplo.
Os organizadores dos protestos mantiveram as convocações para os atos de quarta-feira. Sindicatos dizem que o direito a protestar está previsto na Constituição e em tratados internacionais de direitos humanos.
"As leis são aplicadas pelos juízes, não por ministros", disse Eduardo Belliboni, líder do Polo Obrero (Polo Operário), uma das entidades que organizam os protestos. "Se querem mudar a Constituição ou as leis, eles têm de mandar um projeto de reforma constitucional ou declarar estado de sítio."
Na terça, entidades de esquerda entraram com um pedido de habeas corpus preventivo coletivo para os manifestantes que irão às ruas na quarta-feira. A decisão deve sair antes dos protestos.
Ao mesmo tempo, o governo da província de Buenos Aires se recusou a aderir ao protocolo do governo federal. "As ações ultrapassam um limite que temos tido durante os anos de democracia. Há questões de reconhecimento facial que é preciso ver se são válidas desde a normativa legal", disse Carlos Bianco, secretário de Governo da província.
Na semana passada, o governo Milei anunciou um primeiro pacote de medidas de ajuste econômico, que incluiu desvalorização de mais de 50% da moeda local e cortes dos subsídios à energia e ao transporte público. Essas medidas, junto com uma taxa de inflação interanual que supera os 160%, devem reduzir o poder aquisitivo dos argentinos, o que pode motivar ainda mais protestos, aumentando a pressão sobre o governo que acabou de começar.