Os presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e da Guiana, Mohamed Irfaan Ali, prometeram não fazer ameaças e nem o uso de força de um país contra o outro em meio às tensões em torno da região de Essequibo, uma área disputada pelos dois países há mais de 150 anos.
A promessa consta da declaração final de um encontro realizado pelos dois em São Vicente e Granadinas nesta quinta-feira (14/12). Na declaração, os dois presidentes também se comprometem a diminuir as tensões entre as nações e acordaram continuar a debater o assunto em uma reunião no Brasil daqui a três meses.
A reunião entre os dois foi convocada pela Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e contou com a presença de observadores da Organização das Nações Unidas (ONU) e de países como o Brasil. O enviado do governo brasileiro ao encontro foi o assessor especial da Presidência da República pra assuntos internacionais, Celso Amorim.
O encontro entre as delegações da Guiana e da Venezuela começou no final da manhã e a declaração final só foi divulgada por volta das 22h (horário de Brasília).
No texto de três páginas, os dois países se comprometeram a:
O encontro entre Maduro e Irfaan Ali foi o episódio mais recente da escalada de tensões entre os dois países em função da disputa sobre Essequibo.
Após a reunião, Nicolás Maduro comemorou o resultado do encontro.
"Excelente dia de diálogo! [...] Conseguimos", disse o presidente venezuelano em rede social.
Irfaan Ali também se manifestou em suas redes após o encontro.
"Gostaria de agradecer à nossa equipe técnica, incluindo todos os agentes estatais, advogados, diplomatas e especialistas nacionais, regionais e internacionais que nos apoiaram com sua experiência no desafio de hoje", disse o presidente guianense.
Mais cedo, durante uma entrevista coletiva, o presidente da Guiana disse que havia deixado claro a Maduro que sua posição era de que a questão fosse resolvida pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU).
"Não há, absolutamente, nenhum recuo da Guiana em assegurar que esse assunto seja determinado pela CIJ e que o resultado desse caso seja respeitado por todos", afirmou.
Antes da reunião, Maduro postou em suas redes sociais que havia chegado a São Vicente e Granadinas para defender os direitos da Venezuela.
"Chegamos a São Vicente e Granadinas com o mandato do povo da Venezuela para avançar mediante o diálogo e a palavra de paz, defendendo os direitos do povo e da nossa pátria", publicou Maduro no X (antigo Twitter).
A controvérsia sobre Essequibo tem mais de 150 anos. A região tem 160 km², maior que o Estado do Ceará ou que todo o território da Inglaterra. A área equivale a dois terços do território da Guiana.
No século 19, a Venezuela e o Reino Unido disputaram as fronteiras entre o país sul-americano e a então chamada Guiana Inglesa.
O assunto foi submetido a uma arbitragem internacional e, em 1899, a Sentença Arbitral de Paris decidiu a favor do Reino Unido. As fronteiras atuais da Guiana foram definidas nesta sentença.
Mas em 1949, documentos desse processo foram divulgados e a Venezuela passou a alegar que o processo de arbitragem não teria sido imparcial.
Desde então, o país sustentou que a arbitragem que definiu as fronteiras da Venezuela com a Guiana deve ser considerada nula e sem valor.
Em 1966, quando a Guiana se tornou independente, a Venezuela e o Reino Unido assinaram um acordo que reconheceu a reivindicação venezuelana e que dizia que os países buscariam soluções para resolver a disputa de forma pacífica — mas a área continuou a ser ocupada e administrada pela Guiana.
Esta controvérsia foi revivida por Nicolás Maduro nos últimos anos após a descoberta de reservas de petróleo potencialmente gigantes na costa de Essequibo.
Foram descobertas pelo menos 11 bilhões de barris de petróleo. O início da exploração petrolífera na região vem fazendo com que o produto interno bruto (PIB) da Guiana cresça em velocidade acelerada.
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o PIB cresceu 62% no ano passado e deverá chegar a 37% este ano.
As tensões em torno de Essequibo aumentaram nas últimas semanas. Em 3 de dezembro, a Venezuela realizou um referendo sobre a criação de um Estado venezuelano nesta área de disputa e o voto "sim" ganhou por uma grande maioria, de acordo com as autoridades da Venezuela.
Apesar disso, há alegações de que a participação no referendo foi baixa.
Após o referendo, Nicolás Maduro anunciou o envio de uma lei para a criação de um estado venezuelano dentro do território de Essequibo e também determinou que a companhia estatal de petróleo do país, a PDVSA, criasse uma divisão especial para iniciar a pesquisa e exploração petrolífera na região, o que foi considerado uma afronta pelo governo da Guiana.
Em resposta, o presidente da Guiana vem afirmando que não abrirá mão da soberania do país.
Em entrevista exclusiva à BBC News Brasil e à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC), Irfaan Ali disse que fará "o que for necessário" para se defender da Venezuela e não descartou a abertura de uma base militar norte-americana no país.
As tensões deixaram governos da região preocupados. No início do mês, o governo brasileiro anunciou que reforçou o número de tropas estacionadas na fronteira do país com Venezuela e Guiana, no Estado de Roraima.
A região é considerada estratégica no caso de uma tentativa de invasão militar da Venezuela sobre o território de Essequibo.
Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ofereceu o Brasil e o Ministério das Relações Exteriores para mediar a crise.
Também na semana passada, os governos dos Estados Unidos e da Guiana anunciaram a realização de exercícios militares em território guianense.
Na ocasião, o secretário do Departamento de Estado norte-americano, Antony Blinken, conversou por telefone com Irfaan Ali.
Em nota divulgada pelo órgão, Blinken teria reiterado o apoio "inabalável" dos Estados Unidos à Guiana e defendido que a controvérsia sobre Essequibo fosse resolvida de maneira pacífica.