Os planos do líder norte-coreano Kim Jong-un de visitar a Rússia neste mês causaram preocupação entre os EUA e seus aliados.
Ele e o presidente russo, Vladimir Putin, pretendem discutir a possibilidade de a Coreia do Norte fornecer armas a Moscou para apoiar a guerra que os russos travam na Ucrânia, segundo autoridades americanas.
À primeira vista, um acordo de armas entre a Coreia do Norte e a Rússia faz todo o sentido.
Moscou precisa desesperadamente de armas, especificamente munições e cartuchos de artilharia, para a guerra na Ucrânia, e Pyongyang tem esses itens em abundância.
Por outro lado, a Coreia do Norte, golpeada por sanções, precisa desesperadamente de dinheiro e comida.
Mais de três anos de fronteiras fechadas, para não mencionar o fracasso das negociações com os Estados Unidos em 2019, deixaram o país mais isolado do que nunca.
Mas, abaixo da superfície, abre-se o potencial para Pyongyang e Moscou começarem a cooperar mais estreitamente.
Os EUA têm alertado sobre um possível acordo de armas entre os dois países há algum tempo, mas uma reunião entre Kim Jong-un e Vladimir Putin dá outra escala a essa movimentação.
Embora a prioridade para os EUA, certamente a curto prazo, pareça ser impedir que as armas norte-coreanas cheguem à linha da frente na Ucrânia, a preocupação na Coreia do Sul é sobre o que a Coreia do Norte receberia em troca pela venda de suas armas à Rússia.
Com a Rússia numa situação desesperadora, Kim poderá cobrar um preço alto.
Talvez ele pudesse exigir maior apoio militar da Rússia.
Na segunda-feira (4/9), o serviço de inteligência da Coreia do Sul informou que o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, sugeriu que a Rússia, a China e a Coreia do Norte realizassem exercícios navais conjuntos semelhantes aos realizados pelos EUA, Coreia do Sul e Japão — e que Kim Jong-un tanto detesta.
No futuro, Kim também poderá recorrer a armas russas.
Mas, de longe, o pedido mais preocupante que Kim poderia fazer é que Putin lhe forneça tecnologia ou conhecimento de armas avançadas para ajudá-lo a fazer avanços no seu programa de armas nucleares.
Ele ainda está tentando dominar armas estratégicas essenciais, principalmente um satélite espião e um submarino com armas nucleares.
No entanto, as autoridades em Seul acreditam que a cooperação nesse nível é improvável, pois pode acabar por ser estrategicamente perigosa para a Rússia.
Yang Uk, pesquisador do Instituto Asiático de Estudos Políticos, observou que mesmo que a Rússia não venda armas à Coreia do Norte em troca, ainda poderá financiar o programa nuclear norte-coreano.
"Se a Rússia pagar em petróleo e alimentos, poderá reanimar a economia da Coreia do Norte, o que, por sua vez, poderá também fortalecer o sistema de armas da Coreia do Norte. É uma fonte extra de renda para eles."
Yang, especialista em estratégia militar e sistemas de armas, acrescentou: "Durante 15 anos construímos uma rede de sanções contra a Coreia do Norte para impedi-la de desenvolver e comercializar armas de destruição em massa. Agora a Rússia, um membro permanente da do Conselho de Segurança da ONU, poderia colapsar todo esse sistema."
À medida que as sanções foram aumentando, a Coreia do Norte se tornou cada vez mais dependente da China para lhe fornecer ajuda alimentar.
No ano passado, Pequim se recusou a punir a Coreia do Norte pelos seus testes de armas no Conselho de Segurança da ONU, o que permitiu aos norte-coreanos desenvolver seu arsenal nuclear sem consequências graves.
A Coreia do Norte proporciona a Pequim um colchão de segurança entre ela e as forças dos EUA estacionadas na Coreia do Sul, o que significa que vale a pena manter Pyongyang em sua órbita.
Mas Pyongyang sempre se sentiu desconfortável por depender demais da China. Com a Rússia em busca de aliados, isso dá a Kim a oportunidade de diversificar sua rede de apoio.
E com a Rússia tão desesperada, o líder norte-coreano pode sentir que pode obter concessões ainda maiores de Moscou do que de Pequim.
Putin poderá concordar em se manter calado frente a um teste nuclear norte-coreano, mas essa aproximação poderá irritar o presidente chinês, Xi Jinping.
Encontro entre Kim Jong-un e Vladimir Putin em Vladivostok, em abril de 2019
No entanto, ainda há dúvidas sobre se a reunião irá prosseguir.
Kim não sai da Coreia do Norte com frequência ou facilidade. Ele é paranoico com sua segurança e considera as viagens ao exterior repletas de perigos.
Nas suas últimas viagens internacionais – ao Vietnã para se encontrar com Donald Trump em fevereiro de 2019 e para se encontrar com Putin na Rússia em abril de 2019 –, ele viajou num trem blindado. Antes de chegar ao Vietnã, ele passou dois longos dias atravessando a China.
Não está claro até que ponto os dois líderes queriam que sua reunião fosse privada, mas é possível que os EUA esperem que, ao torná-la pública, consigam assustar Kim e, portanto, frustrar tanto a reunião como o potencial acordo de armas.
Parte da estratégia dos EUA desde a invasão da Ucrânia pela Rússia tem sido a divulgação de informações para tentar impedir a realização de acordos.
A Coreia do Norte e a Rússia negaram até agora todas as sugestões de que pretendem comercializar armas. Nenhum dos dois provavelmente desejará que esse acordo seja um assunto público.