Gaslighting é o termo usado para descrever uma técnica de manipulação que busca fazer com que as pessoas questionem sua sanidade ou sua capacidade de ver a realidade.
Geralmente, quem usa essa estratégia tem o objetivo de obter algo da outra pessoa.
“É uma tendência muito humana, embora haja momentos em que podemos estar fazendo isso sem nem perceber", diz Cortney S. Warren, psicóloga da Universidade de Harvard, à BBC Mundo (o serviço em espanhol da BBC).
O perigo dessa técnica é que é difícil perceber quando ela está sendo usada contra você.
Então, como ficar atento para não cair na manipulação?
Um dos pontos-chave é perceber se, quando alguém diz algo para você, isso te deixa inseguro ou desconfortável, "como se você estivesse se questionando", explica Warren.
A especialista é autora de Letting Go of Your Ex: CBT Skills to Heal the Pain of a Breakup and Overcome Love Addiction (Desapegue do seu ex: habilidades para curar a dor de uma separação e superar o vício do amor, em tradução livre para o português).
Cortney S. Warren é especialista em relacionamentos e separações
Ela recomenda fazer uma pausa sempre que alguém disser algo "tóxico" que pode nos deixar desconfortáveis e pensar sobre o que nos incomoda naquele comentário.
Dessa forma, explica, é possível avaliar nossas vulnerabilidades e trabalhar nelas.
Warren resume esse processo em três etapas: conscientização, avaliação e ação.
O objetivo, diz a especialista, é se conhecer e construir uma forte autoestima para responder a uma situação de gaslighting.
“Você tem sua perspectiva, seus sentimentos, sua experiência, sua história, sua formação. A partir desse lugar, você precisa confiar para lidar com qualquer coisa com respeito, mas também com limites”, diz Warren.
Mas como esse caminho às vezes não é tão fácil, a BBC Mundo conversou com a psicóloga sobre as frases tóxicas que podem aparecer em uma discussão e como responder a elas.
É um clássico.
Segundo a especialista, quem afirma isso normalmente quer dizer que a outra pessoa está fora da realidade.
Já quando a acusação tem relação com a sensibilidade, ela até pode derivar de uma percepção real de que a outra pessoa está mais emotiva. Mas tudo bem se sentir assim, diz.
Nenhuma dessas frases, porém, ajuda em uma discussão, já que quem acusa basicamente descarta qualquer crítica razoável, necessidades ou emoções que seu parceiro esteja sentindo no momento.
Além disso, dizer que alguém é sensível demais não significa demonstrar preocupação, afirma Warren.
Segundo ela, algumas respostas possíveis para esse tipo de afirmação são as seguintes:
"Você pode pensar que estou exagerando, mas esta é a minha realidade agora. É assim que eu me sinto. É nisso que acredito e é isso que vejo."
"Não estou disposto (a) a debater meus sentimentos. Vou te ouvir, mas espero que você respeite essa condição. Esta é a minha experiência neste momento."
A especialista dá ainda um conselho extra: fazer uma pausa na discussão quando as emoções estão fortes demais. Vale a pena dizer: "Vou respirar um minuto e depois conversar sobre o que realmente está me incomodando".
Essa frase, que pode ser tóxica, geralmente segue um comentário duro ou doloroso, diz a psicóloga.
Às vezes, as pessoas são muito críticas ou maldosas e depois fingem que tudo não passava de uma piada, apesar de estarem falando sério. Esse comportamento tende a apresentar um elemento de mesquinhez, afirma Warren.
A resposta possível, segundo a especialista, ressalta que o comentário não teve graça.
"Você pode ter pensado que isso era uma piada, mas não é engraçado e realmente machucou meus sentimentos."
"Você está exagerando" é uma frase clássica de manipulação que busca minimizar o que a outra pessoa sente ou pensa
Pessoas manipuladoras adoram culpar os outros por suas escolhas, diz a especialista.
Então, podem dizer coisas como "eu gritei com você hoje porque você estragou tudo" ou "você chegou tarde em casa, então me fez gritar com você".
Mas, como Warren explica: "Você nunca, nunca, nunca é responsável pelo comportamento de outra pessoa".
Na mesma linha, algumas pessoas podem tentar culpar o parceiro ou parceira por "tudo". Segundo a psicóloga, a afirmação costuma ser extrema e, como tal, deve ser interpretada com cautela.
Sempre existe uma maneira de contribuir para a disfunção em nossos relacionamentos, mas uma pessoa nunca pode ser culpada por todos os problemas do relacionamento.
Respostas possíveis para esse tipo de comentário são as seguintes:
"Seu comportamento é, na verdade, um reflexo de suas escolhas, não minhas."
“Posso ter feito coisas que não fizeram você se sentir bem, mas a maneira como você agiu é responsabilidade sua, não minha. Como você agiu depende de você, não de mim."
Já quando você é culpado pela totalidade de um problema, é melhor buscar o meio termo e dizer algo assim, segundo ela:
“Tenho certeza de que meu comportamento dificulta as coisas. Eu assumo parte da culpa, mas não toda a responsabilidade porque você também desempenhou um papel nessa situação.”
Pode ser qualquer coisa, desde pedir para você pagar todas as contas, parar de falar com alguém ou ter um relacionamento aberto.
Segundo Warren, o último caso é o mais comum entre seus pacientes. “Às vezes, as pessoas usam esse argumento para solicitar diferentes comportamentos sexuais que o parceiro não deseja. É uma forma de gaslighting para tentar alterar seus limites”, aponta.
Além disso, de acordo com a psicóloga, esse tipo de comentário traz um elemento de culpa, que pode fazer com que um dos membros do casal se sinta rígido demais em alguns comportamentos.
“Em qualquer relacionamento há o dar e o receber. Todos nós temos necessidades diferentes, mas não é saudável quando tudo não passa de manobra para te convencer a fazer algo que você não quer. Também não é bom quando te pressionam dizendo que você não ama o suficiente, não é um bom par ou não é bom o suficiente."
Nesses casos, a psicóloga aconselha refletir bem sobre os próprios limites e tentar cumpri-los. Algumas respostas possíveis:
“A razão pela qual não estou fazendo isso não tem nada a ver com meu amor por você. Estou agindo assim porque é como eu sou e como quero viver.”
“Não me sinto confortável fazendo isso. Você pode me dizer que é porque eu não te amo o suficiente e não posso controlar o que você diz, mas ainda assim não vou fazer isso."
As técnicas de manipulação costumam ser sutis durante uma discussão e buscam confundir mentalmente
Algumas pessoas, para provar que estão certas e que seus parceiros são pessoas complicadas ou conflituosas, usam como argumento que outros indivíduos importantes na vida do casal, como membros da família, colegas de trabalho ou amigos, pensam da mesma forma que elas.
Segundo Warren, quem se utiliza dessa tática a usa como forma de tornar suas opiniões pessoais mais fortes. Ao mesmo tempo, isola e inferioriza o parceiro buscando algum apoio externo, que geralmente não é real.
Para ela, é um recurso desrespeitoso e falso que pode ser respondido com as seguintes afirmações:
"Eu gostaria que você falasse por si mesmo e não por outras pessoas."
O objetivo aqui é se lembrar de que, assim como você fala por si mesmo, a pessoa que está usando o gaslighting também o faz. E que se alguém em sua vida tiver um problema com você, é possível conversar sobre isso de forma adulta.
Essa é uma tática para tentar mudar de assunto, desviar do foco da conversa, segundo a psicóloga de Harvard.
É quase como se a pessoa dissesse: "Eu sei que você está falando sobre isso, mas na verdade o foco não está aqui, está ali".
Para Warren, o desafio aqui é tentar manter o foco no problema real e não deixar o outro sair pela tangente. Não se distraia e diga algo como:
"Você sabe que estou disposto a falar sobre qualquer coisa, mas agora o problema que tenho é este."
“Essa é uma questão separada que terei prazer em discutir com você mais tarde, se desejar. Mas agora o problema central é outro”.