O Ministério da Fazenda apresentou nesta quinta-feira (30/03) sua proposta de novas regras para substituir o chamado "teto de gastos", que limitava o aumento das despesas públicas à inflação do ano anterior.
O objetivo é tirar as contas do governo do vermelho — ou seja, parar de gastar mais do que arrecada — ao mesmo tempo em que garante a expansão de programas sociais e investimentos.
Para isso, o chamado "novo arcabouço fiscal" continua prevendo um limite para a expansão dos gastos, mas estabelece um teto mais alto que o atual. A proposta ainda será enviada para votação no Congresso.
Especialistas em contas públicas ouvidos pela BBC News Brasil dizem que o sucesso do novo arcabouço, caso seja aprovado, vai depender de um bom desempenho da receita, ou seja, mais arrecadação de tributos.
Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que não haverá aumento de carga tributária para cumprimento da proposta de nova regra fiscal.
No entanto, ele próprio anunciou o envio de um pacote de medidas ao Congresso na semana que vem para ampliar as receitas do governo em até R$ 150 bilhões.
Segundo Haddad, esse valor viria não da criação de novos impostos, mas do que chamou de fim dos "jabutis" tributários.
Na prática, a ideia é passar a taxar setores econômicos que hoje são beneficiados com isenções ou que precisam ser regulamentados para pagar impostos (como sites de apostas esportivas). Mas não houve ainda maiores detalhamentos de quais seriam os setores atingidos.
"Se por carga tributária se entende criação de novos tributos ou aumento de alíquota dos tributos existentes, a resposta é: não está no nosso horizonte (aumentar a carga). Não estamos pensando em CPMF (antigo imposto sobre transações financeiras), não estamos pensando em acabar com o Simples (regime especial para pequenas empresas), não estamos pensando em reonerar a folha de pagamento. Não é disso que se trata", afirmou.
"Temos que fazer quem não paga imposto pagar. Temos muitos setores que foram demasiadamente favorecidos com regras que foram sendo estabelecidas ao longo das décadas e não foram revistas", disse ainda.
O mercado reagiu bem ao anúncio da proposta. O Ibovespa, principal índice de ações da Bolsa brasileira, fechou em alta de 1,89%.
Já o presidente do Banco Central (BC), Campos Neto, disse que ainda não tinha visto a proposta final do governo, mas deu uma declaração de apoio ao Ministério da Fazenda.
"Nós entendemos que existe uma boa vontade muito grande do Ministério da Fazenda de fazer um arcabouço robusto", afirmou.
O Banco Central vem sendo pressionado pelo governo Lula a reduzir a taxa básica de juros (Selic). Por outro lado, o BC tem sinalizado que essa redução seria facilitada caso o governo reverta o rombo das contas públicas.
Entenda a seguir as novas regras e qual pode ser seu impacto sobre a carga tributária do país.
O Teto de Gastos, adotado no governo Michel Temer, estabelecia que o crescimento das despesas do governo ficava limitado ao aumento da inflação no ano anterior.
Apoiadores da proposta dizem que se tratou de uma regra simples para equilibrar as contas públicas.
Para críticos, porém, o teto criou um problema na prática: como algumas despesas obrigatórias crescem automaticamente (como o pagamento de aposentadorias), outras despesas (como obras e programas sociais) precisavam ser cortadas para que o orçamento geral não furasse o teto.
Nesse contexto, o Congresso passou a aprovar mudanças na Constituição para criar exceções ao limite de gastos, como a adotada em 2022 para permitir o aumento do Auxílio Brasil, o que na prática acabou com o cumprimento do teto.
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva está propondo, então, uma regra mais complexa e flexível do que o teto de gastos — o argumento do Ministério da Fazenda é que isso vai permitir preservar gastos sociais e investimentos ao mesmo que estabelece um arcabouço fiscal mais "crível" (ou seja, com mais chance de ser cumprido de fato).
Se a proposta for aprovada no Congresso, os gastos públicos vão crescer sempre acima de inflação, mas dentro de um intervalo que vai de 0,6% até 2,5%.
A regra básica é que o crescimento da despesa fique limitado a 70% da expansão da receita. Ou seja, se a arrecadação do governo subir 2%, por exemplo, a despesa poderia crescer até 1,4%.
No entanto, mesmo que a receita tenha um crescimento muito baixo ou o governo tenha perda de arrecadação em determinado ano, ainda assim fico garantido ao menos 0,6% de expansão da despesa acima da inflação.
Por outro lado, mesmo que a arrecadação tenha uma alta mais expressiva, a expansão da despesa ficará limitada ao teto de 2,5%.
Segundo Haddad, isso vai obrigar o governo a poupar mais em momentos de bonança (quando a arrecadação crescer muito) e, por outro lado, vai proteger gastos essenciais para a população mais pobre em momentos de piora da economia.
Enquanto o Teto de Gastos era uma regra constitucional, o novo arcabouço fiscal será criado por meio de um projeto de lei.
Por isso, algumas despesas que têm regras previstas na Constituição ficarão de fora desse limite, como os recursos para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e para cumprir com piso salarial da enfermagem.
Além disso, há regras constitucionais que estabelecem que despesas com saúde, educação e emendas parlamentares devem cumprir determinados patamares da receita do governo.
Isso significa que esses gastos podem vir a crescer acima do novo limite proposta para o conjunto das despesas, o que pode exigir aumento menor ou cortes em outras partes do orçamento federal.
Outro ponto importante da nova regra é a adoção de uma banda para o cumprimento da meta de resultado primário (diferença entre o que o governo gasta e arrecada, excluído o pagamento de juros da dívida).
Por exemplo, na apresentação do novo arcabouço fiscal, o governo prevê como meta de 2024 zerar o rombo (o equivalente a uma meta primária de 0% do PIB). Mas, caso a proposta seja aprovada, haverá um intervalo mais flexível, de 0,25 ponto percentual para cima ou para baixo.
Ou seja, na prática, o resultado primário poderia ficar entre um rombo de 0,25% do PIB e um saldo positivo de 0,25% do PIB.
Segundo Haddad, isso vai evitar que o governo precise acelerar no fim do ano gastos sem planejamento, caso esteja acima da meta, ou contingenciar gastos essenciais, caso esteja abaixo do objetivo estipulado para o resultado primário.
A proposta prevê ainda que, se o governo não cumprir o resultado previsto nesse intervalo, o limite de crescimento da despesa do ano seguinte será reduzido de 70% para 50% da expansão da receita (sempre respeitando aquele patamar mínimo e máximo de crescimento real entre 0,6% e 2,5%).
Caso a nova regra seja aprovada, o governo prevê zerar o rombo das contas públicas no próximo ano e passar a registrar resultados positivos (gastar menos que arrecada) a partir de 2025. Para este ano, a previsão do último relatório bimestral da Fazenda é de um rombo de R$ 107 bilhões (cerca de 1% do PIB).
Com a melhora do resultado primário, a projeção da Fazenda é que a dívida pública bruta pare de crescer no último ano do governo (2026), se estabilizando em cerca de 77% do PIB. Em 2002, esse indicador fechou em 73,5% do PIB.
Para defensores do controle dos gastos, é importante reduzir o endividamento público para reforçar a confiança de agentes econômicos na economia brasileira, estimulando mais investimentos no país.
O anúncio gerou reações mistas entre especialistas em contas públicas. O economista-chefe e sócio da Warren Renascença, Felipe Salto, disse à BBC News Brasil ver "como positivo o novo arcabouço fiscal".
Segundo ele, as metas de resultado primário anunciadas, prevendo o fim do rombo nas contas públicas já no próximo ano, são "muito ambiciosas". Ainda assim, ele avalia que "o cumprimento parcial do plano já seria suficiente para melhorar a perspectiva para a trajetória da dívida/PIB".
Salto, que foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo na gestão de Rodrigo Garcia (PSDB), aprovou o intervalo de crescimento real para os gastos públicos entre 0,6% e 2,5%.
Por um lado, diz, o teto evita uma alta forte das despesas. Já o piso, afirma, garante que gastos públicos importantes sejam preservados, como programas sociais e investimentos.
"Um crescimento de 0,6% (da despesa) real é muito baixo. Imaginar algo aquém disso é praticamente inviável. A verdade é que o novo arcabouço conta com um peso grande do lado arrecadatório. Isso é fato. Mas é importante que se tenha uma regra de gasto com maior flexibilidade, mas limitada a no máximo 2,5%", reforçou Salto, que foi também diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal.
Já outro ex-integrante da IFI, Gabriel de Barros, hoje economista-chefe da Ryo Asset, teve uma leitura mais negativa a proposta da Fazenda. Ele criticou o fato de a despesa do governo sempre crescer no novo arcabouço, mesmo em momentos de queda da arrecadação.
"A regra proposta só é crível no cenário de crescimento econômico. Despesa nunca cai e ajuste no primário é integralmente focado em ampliação da arrecadação", ressalta.
"Incentivo é para busca crescente de receitas extraordinárias", reforçou.
Já economista Sergio Gobetti, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Secretaria de Fazenda do Rio Grande do Sul, disse à reportagem que, independentemente de qual seja o novo arcabouço fiscal, não é crível esperar um ajuste capaz de estabilizar ou reduzir a dívida pública sem aumento de carga tributária no momento.
Sua expectativa é que governo fará uma grande revisão dos benefícios fiscais para aumentar as receitas.
"Se a economia crescesse 7% ao ano, bastaria manter a carga tributária constante (para realizar o ajuste fiscal). Mas, se a economia permanecer crescendo 2% a 3% ao ano, aí a receita do governo precisa crescer mais do que o PIB", nota ele.