Quer seja parte de uma campanha coordenada ou simplesmente uma tentativa individual de beber menos, o número de pessoas que pararam de consumir álcool ou fizeram pausas durante um mês, como acontece nos chamados “Janeiro Seco” ou “Outubro Sóbrio”, parece estar crescendo.
Somente nos Estados Unidos, por exemplo, dados de uma pesquisa Ipsos indicam que 39% dos entrevistados decidiram ingerir menos álcool durante 2025. Entre os jovens adultos esse número é ainda maior: cerca de 50% dizem que querem beber menos este ano.
No Brasil, não há dados precisos sobre quem anda fazendo pausa na ingestão de álcool, mas existe um acompanhamento anual do consumo desta substância feito pelo Sistema de Vigilância de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) do Ministério da Saúde brasileiro através do Vigitel (como é chamado o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico).
Realizado anualmente desde 2006, o Vigital compila dados relativos à ingestão de álcool e tabaco, por exemplo. Em suas informações, coletadas de dezembro de 2022 a abril de 2023, os números mostram um aumento do consumo abusivo de álcool por parte dos brasileiros. Os números saltaram de 18,4% em 2021 para 20,8% em 2023 entre a população geral. A OMS (Organização Mundial da Saúde), por sua vez, alerta que o álcool causa 2,6 milhões de mortes todos os anos no mundo.
De olho neste cenário, estudos já mostram que existem diversos benefícios em parar de consumir álcool por um mês. E 30 dias é tempo suficiente para começar a experimentar estas mudanças no organismo.
“Os efeitos serão diferentes para cada pessoa, dependendo do tempo em que ela estiver consumindo álcool”, diz Shehzad Merwat, gastroenterologista da UTHealth Houston (universidade acadêmica de saúde abrangente no Texas). Como as pesquisas estão começando a mostrar, há muitas vantagens em reduzir o consumo de álcool durante todo o ano – e iniciativas pontuais podem desempenhar um papel importante na moderação dos hábitos de ingestão desse tipo de bebida.
O álcool prejudica nosso organismo de muitas maneiras diferentes. Os efeitos mais proeminentes são no fígado, que é onde o álcool é decomposto, mas há efeitos secundários em outros órgãos, como o coração, o trato gastrointestinal, o pâncreas e o cérebro. Esses efeitos podem variar muito e geralmente dependem do tempo de permanência do álcool no organismo e da quantidade consumida.
“Os níveis de álcool no sangue são um fator importante que danifica os órgãos”, diz Paul Thomes, pesquisador da Universidade de Auburn, no estado do Alabama, nos Estados Unidos, cujo trabalho se concentra no mecanismo de danos aos órgãos induzidos pelo álcool.
Como explica Thomes, o fígado decompõe o álcool em uma forma menos tóxica para que ele possa ser eliminado pelo organismo. Durante esse processo, o álcool é primeiro decomposto em acetaldeído, que é altamente tóxico e um conhecido agente cancerígeno.
Normalmente, o acetaldeído é decomposto muito rapidamente; no entanto, se esse processo for retardado ou interrompido – seja devido a níveis elevados de álcool no sangue ou a outro fator subjacente, como medicamentos que interferem no metabolismo do fígado –, ele pode se acumular em todo o corpo, causando danos.
“O tempo que as moléculas tóxicas ficam acumuladas nas células e nos tecidos determina o grau de dano”, diz Thomes.
Esse dano pode afetar todos os órgãos do corpo, o que resulta em vários riscos de longo prazo para a saúde decorrentes do uso crônico de álcool, incluindo pressão alta, doenças cardíacas, doenças hepáticas e um risco maior de desenvolver certos tipos de câncer. O uso crônico de álcool também pode enfraquecer o sistema imunológico e prejudicar o funcionamento adequado do cérebro.
A maioria das pesquisas sobre os efeitos do abandono do álcool concentra-se em bebedores pesados. No entanto, “mesmo em bebedores mais leves, é possível ter efeitos perceptíveis na saúde quando se para de beber álcool por um mês”, diz Carrie Mintz, psiquiatra da Universidade Washington, em St. Louis, no estado norte-americano do Missouri. “Você pode ver essas mudanças já em um mês.”
Depois de parar de beber álcool, as mudanças começarão a surtir efeito dentro de semanas. Isso inclui o fígado, que pode começar a reverter os danos causados na maioria dos quatro estágios da doença hepática relacionada ao álcool. Ela se inicia com o acúmulo de gordura, depois progride para a inflamação crônica, que leva à formação de cicatrizes e, por fim, resulta em cirrose. Para todos os estágios, exceto o último, o fígado pode se curar.
“O fígado tem uma enorme capacidade de regeneração”, diz Thomes. “Os três primeiros estágios [da lesão hepática] são reversíveis durante a abstinência do álcool.” A abstinência de álcool pode até trazer alguns benefícios para as pessoas com cirrose hepática, interrompendo a progressão da doença e aumentando a sobrevida do paciente, embora não reverta a condição.
Além dos benefícios para o fígado, o abandono do álcool pode resultar em vários pontos positivos para a saúde, que também se acredita serem devidos à diminuição dos níveis de acetaldeído no corpo.
Em um estudo que acompanhou 94 bebedores moderados e pesados que abandonaram o álcool por um mês, os participantes apresentaram melhorias na resistência à insulina, na pressão arterial e no peso, em comparação com seus colegas que não se abstiveram.
Algumas das outras vantagens de deixar de consumir o álcool incluem a melhora do sono e do humor – incluindo a redução da depressão e da ansiedade, além da pele ganhar uma aparência mais saudável, bem como o intestino. Isso porque já foi demonstrado que o álcool perturba a composição microbiana do intestino, uma condição denominada disbiose, e causa danos às células que revestem esse órgão, o que pode fazer com que o seu conteúdo passe para a corrente sanguínea.
“No intestino, essa disbiose pode ser revertida, mas não completamente, mesmo depois de três a cinco semanas”, diz Thomes. “Leva mais tempo para restaurar o microbioma intestinal e os danos causados ao intestino.”
Abandonar o álcool por um mês muitas vezes também traz o benefício de ajudar as pessoas a entender como seus hábitos de consumo dessa substância estão afetando sua saúde e bem-estar geral.
“Pode ser muito esclarecedor”, diz Steven Tate, médico da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, que é especializado em medicina do vício. Como observa Tate, o álcool pode causar ou piorar problemas de saúde, como sono ruim, depressão ou ansiedade.
Já o consumo regular de álcool também pode ser uma tentativa de automedicação para distúrbios subjacentes do sono ou do humor. Ao deixar de beber por um mês, as pessoas têm a chance de descobrir se esta bebida está causando – ou mascarando – problemas de saúde.
Na experiência de Tate, parar com o álcool também pode ajudar as pessoas a entender melhor sua relação com a bebida, inclusive se o consumo ficou fora de controle.
“Às vezes, é difícil perceber quando se cai em um vício”, diz Tate. “Também pode ser complicado saber onde está o limite e, às vezes, as pessoas não percebem até que já o tenham ultrapassado.”
Uma das principais preocupações sobre os esforços para abandonar o álcool por um mês tem sido o que acontece após o término da experiência de ficar 30 dias sem esta substância, com a preocupação de que os hábitos de consumo de uma pessoa possam se tornar mais extremos quando ela voltar a beber. Entretanto, estudos sugerem que, para alguns participantes do “Janeiro Seco”, por exemplo, ficar sem beber pode levar à redução do consumo nos meses seguintes.
No estudo que acompanhou 94 bebedores moderados-pesados os quais deixaram de ingerir álcool por cerca de 30 dias – quando os pesquisadores fizeram o acompanhamento seis meses depois, os participantes relataram beber significativamente menos do que antes, com um padrão médio de uso de álcool que os colocava na categoria de “baixo risco” para hábitos de consumo problemáticos. Em outra pesquisa com 857 adultos britânicos que ficaram sem ingerir a substância – desta vez durante o mês de janeiro –, os participantes relataram também ter bebido menos cerca de seis meses depois de terem deixado de tomar bebidas alcóolicas por um mês.
Como as pesquisas estão começando a mostrar, o consumo constante de menos álcool pode trazer vantagens importantes para a saúde – que certamente permanecerão por muito tempo após o fim do mês. “Se você está bebendo menos, corre um risco menor de sofrer alguns desses danos”, diz Mintz.
Nota do editor: este artigo foi publicado originalmente em 30 de outubro de 2023 e foi atualizado com novas informações.