O Centro de Reabilitação de San Quentin, uma instalação correcional localizada na costa da Baía de São Francisco, na Califórnia (Estados Unidos), parece um lugar improvável para encontrar a felicidade.
Mas o Reverendo George Williams, capelão do local, está prosperando. Ele conduz missas católicas para cerca de 200 homens encarcerados aos domingos, em inglês e espanhol, e oferece apoio pastoral durante a semana. Compartilhar sua fé com os detentos tem sido uma fonte de alegria para o padre de óculos e fala mansa.
“Estou ansioso para ir trabalhar todos os dias”, disse Williams, que trabalha como capelão de prisão há 30 anos (e em San Quentin há cerca de metade desse tempo). É como “beber a graça de uma mangueira de incêndio”.
Pesquisadores descobriram uma forte ligação entre fé e felicidade – uma relação que Williams vivenciou em San Quentin ao praticar sua fé servindo aos que estão atrás das grades. Nos últimos anos, cientistas sociais pesquisaram pessoas em todo o mundo para saber se elas são felizes. Em muitos casos, eles encontraram correlações significativas entre as classificações de felicidade relatadas pelas pessoas e o fato de elas participarem ou não de serviços religiosos organizados.
Não importa qual seja a fé. Correlações semelhantes foram encontradas entre pessoas que praticam o cristianismo, bem como o budismo, o judaísmo, o hinduísmo e outras religiões – e entre pessoas que vivem e trabalham dentro e fora dos muros da prisão.
Meninas brincam ao ar livre após a missa de primeira comunhão em La Puente, na Califórnia, Estados Unidos.
Novos adeptos são batizados na Igreja Huangnishan em Lishui, na China.
Um influente estudo do Pew Research Center, por exemplo, mostrou que as pessoas que são ativas em congregações religiosas tendem a ser mais felizes do que os membros não afiliados ou inativos de grupos religiosos. Elas também tendem a ser mais engajadas civicamente.
Essas descobertas, divulgadas em 2019, foram baseadas em uma análise de dados de uma pesquisa norte-americana e de mais de duas dúzias de outros países, incluindo os Estados Unidos e o México. O estudo também sugere que os países onde o envolvimento religioso está caindo, como os Estados Unidos, podem estar em risco de declínio no bem-estar social e pessoal.
Mas os autores do estudo da Pew advertiram que a natureza das conexões precisa de mais estudos: “os números não provam que frequentar serviços religiosos é diretamente responsável por melhorar a vida das pessoas”.
Então, o que há na fé que parece estar melhorando o bem-estar? E será que é preciso acreditar em Deus ou praticar a fé em algo de alguma forma para colher os benefícios?
Uma equipe de acadêmicos, em parceria com a empresa de pesquisas Gallup, iniciou um estudo de cinco anos com mais de 200 mil participantes de 22 países para descobrir o que leva ao que os pesquisadores chamam de “florescimento”. Florescer é ser mais do que meramente feliz; é uma métrica destinada a mostrar se as pessoas estão “vivendo em um estado em que todos os aspectos da vida de uma pessoa são bons”.
O projeto é liderado por Tyler J. VanderWeele, diretor do Programa de Florescimento Humano da Universidade de Harvard, e Byron Johnson, diretor do Instituto de Estudos da Religião da Universidade de Baylor, ambas nos Estados Unidos. O esforço deles, chamado de Global Flourishing Study, foi criado para aprofundar nosso conhecimento sobre a ligação entre prosperidade e religião, pois faz um conjunto de perguntas às pessoas do mundo todo sobre seu bem-estar (incluindo felicidade), além de coletar dados sobre suas origens demográficas, sociais, econômicas, políticas e religiosas.
Alguns resultados preliminares já foram divulgados. “A fé aparece repetidamente nestes estudos como uma variável importante ligada ao florescimento”, diz Johnson.
Esse projeto em andamento está fazendo algo que a maioria dos estudos anteriores sobre fé e felicidade não fez. Ele está acompanhando as respostas das pessoas à pesquisa durante um período de anos (em vez de avaliá-las em um único momento), o que pode ajudar os pesquisadores a tirar conclusões sobre a causalidade.
Esses dados ainda não estão disponíveis. Mas os resultados obtidos até agora confirmam o que o Pew e outros pesquisadores descobriram. A pontuação média de florescimento foi 0,23 ponto mais alta para alguém que diz que a religião é uma parte importante de sua vida diária do que para alguém que não diz isso, e 0,41 ponto mais alta para alguém que frequenta um serviço religioso pelo menos uma vez por semana.
Muçulmanos de todo o mundo comemoram o Eid com uma oração matinal, como esses no Angel Stadium em Anaheim, na Califórnia, Estados Unidos.
Os pesquisadores suspeitam que nem todas as experiências religiosas têm o mesmo impacto sobre a felicidade. Por exemplo, o estudo está examinando se a participação em serviços religiosos quando criança afeta a felicidade posterior.
“Um dos melhores indicadores de participação em uma comunidade religiosa quando adulto é ter participado de uma quando criança”, comenta Brendan Case, diretor associado de pesquisa do Programa de Florescimento Humano de Harvard. “E a participação quando adulto está fortemente associada ao florescimento no presente.”
Então, o que há na religião que favorece a felicidade? Johnson, da Baylor, diz que o foco nos outros – algo que a maioria das tradições religiosas ensina – tem o benefício de melhorar a própria vida, a saúde e o florescimento.
Case, de Harvard, acredita que o apoio social fornecido pelas comunidades religiosas parece ser fundamental, bem como sua oferta de significado, propósito e consolo. “As comunidades religiosas são provavelmente tão onipresentes nas culturas humanas porque satisfazem um desejo humano de uma comunidade moral orientada para o sagrado, o divino ou o transcendente”, explica Case, parafraseando o relato do sociólogo francês Emile Durkheim sobre por que os seres humanos são animais intrinsecamente religiosos.
Para Kelli Fleitas, mãe de dois adolescentes, essa sensação de transcendência vem do canto na igreja. Embora desejasse que seus dois filhos adolescentes ainda quisessem ir aos cultos como faziam quando eram mais jovens, ela é grata por sua própria experiência – principalmente nos meses em que ela e seus colegas coristas cantavam canções de natal antes dos cultos de fim de ano, incluindo “Nova, nova”, um hino com texto em inglês do século 15 e acompanhado por um músico tocando uma flauta doce. Fleitas sente-se feliz quando mistura sua voz com a de outras pessoas na igreja. Cantar, para ela, é uma forma ativa de oração.
Para os não crentes, outros tipos de comunidades, como ligas de boliche e Rotary Clubs, podem oferecer um pouco do mesmo senso de propósito, rituais e comunidade que a religião oferece, como o cientista político emérito de Harvard Robert D. Putnam descreveu em seu livro “Bowling Alone”. (Embora Case alerte para o fato de que eles podem não ser uma influência tão poderosa quanto os grupos religiosos).
Em uma recente manhã de domingo na Igreja Episcopal de St. John, no norte da Califórnia, Estados Unidos, Fleitas e várias dezenas de outras pessoas ficaram em um círculo sob fios de luzes coloridas que sobraram do Natal.
“Levantem seus corações”, entoou Chris Rankin-Williams, o reitor da pequena igreja paroquial que ela frequenta. “Nós os elevamos ao Senhor”, responderam em uníssono as crianças, os casais e os idosos que estavam no círculo. Alguns minutos depois, os fiéis se revezaram nas orações. Em sua vez, Fleitas fez uma oração de gratidão pela experiência de cantar com seu coral durante as festas de fim de ano. “Meu coração está tão cheio”, disse ela.
Julia Flynn Siler, autora e jornalista que também é corista da St. John's Church, escreveu recentemente para a National Geographic sobre os benefícios da escuridão para a saúde.