Neste Dia Mundial dos Animais, celebrado anualmente em 4 de outubro, vale a pena conhecer alguns animais incríveis que foram se adaptando ao longo do tempo e aprenderam a prevenir e se automedicar para tratar suas doenças.
Em 1987, na Tanzânia, a chimpanzé Chausiku estava fazendo algo muito peculiar. O primatologista Michael Huffman notou que Chausiku estava mastigando a casca do arbusto Vernonia amygdalina, comumente conhecido por ter uma folha amarga – uma planta que não fazia parte de sua dieta normal.
Como a folha amarga é usada na África pelos seres humanos como remédio contra a febre da malária, dor de estômago e parasitas intestinais, Huffman especulou que Chausiku poderia estar se automedicando, já que ela estava agindo de forma letárgica e com pouco apetite durante vários dias.
Sua hipótese foi recebida com entusiasmo e descrença. De fato, apenas 22 horas depois, Chausiku voltou a ficar saudável e cheia de energia. Pesquisas posteriores sugeriram que Chausiku poderia ter tido uma infecção por vermes nodulares em seu intestino. Ao analisar a melhora nas fezes, na urina e no comportamento, Huffman defendeu que esse era o exemplo cientificamente documentado de automedicação em animais.
Huffman, agora professor do Wildlife Research Center da Universidade de Kyoto, no Japão, admite que descobrir se um animal está se medicando é, de certa forma, um palpite. “Só podemos descrever o que vemos e depois medir os resultados dessas ações”, diz ele. “Mas como não podemos conversar com os animais, não sabemos o que eles estão pensando quando se automedicam.”
No entanto, ele acredita que há fatores fisiológicos inatos, como o desejo por determinados sabores, e fatores socialmente aprendidos, como perceber a diminuição da dor após uma determinada ação, em jogo nesses comportamentos.
Ele e um grupo cada vez maior de cientistas postulam que a medicação não é algo reservado apenas aos seres humanos ou mesmo a espécies intimamente ligadas, como os primatas. Os exemplos de animais que usam medicação são mais difundidos e variados do que se pensava anteriormente.
Os pesquisadores analisaram cinco exemplos de espécies do reino animal que descobriram maneiras de combater doenças e prevenir infecções. Veja a seguir:
Quando, nas pastagens do sudeste do Arizona (Estados Unidos), ao sul de Tucson, em agosto de 1993, o biólogo Michael Singer observou pela primeira vez lagartas de urso lanoso – lagartas pretas e fofas que se transformam em mariposas-tigre – ele notou que elas estavam se alimentando de uma variedade de plantas em vez de uma seleção restrita. “Esse comportamento não era muito parecido com o de uma lagarta”, afirma Singer, hoje pesquisador da Wesleyan University, de Connecticucut, nos Estados Unidos.
Acontece que as lagartas estavam doentes. Como é comum, elas estavam infectadas com moscas parasitas que colocam seus ovos dentro do corpo da lagarta, desenvolvem-se comendo o interior da lagarta e, em seguida, explodem, matando seu hospedeiro.
O comportamento das lagartas não era aleatório – elas estavam procurando plantas tóxicas, como a trapoeraba, a erva-de-são-joão e a árvore-da-raiz, que contém alcalóides pirrolizidínicos.
A mente de Singer pensou imediatamente em automedicação. “Quando conversei pela primeira vez com as pessoas sobre isso, elas disseram: 'De jeito nenhum, uma lagarta não vai conseguir fazer isso, certo?
No entanto, uma série de experimentos revelou que, embora essas lagartas tenham apenas quatro papilas gustativas, uma delas está especificamente sintonizada com os alcaloides pirrolizidínicos e é ativada especificamente para fazer com que os produtos químicos tóxicos tenham um sabor melhor quando a lagarta está doente com parasitas.
Os experimentos mostraram que as lagartas parasitadas que ingerem alcaloides pirrolizidínicos aumentam a chance de sobrevivência, mas os alcaloides ainda são venenosos para as lagartas saudáveis.
Essa é uma troca semelhante aos efeitos colaterais dos medicamentos para humanos. Singer diz que foi isso que o persuadiu de que essas plantas têm valor terapêutico e medicinal, e que esse foi um caso de automedicação.
Alguns animais não querem correr o risco de serem infectados por carrapatos e mosquitos transmissores de doenças e que causam coceira, por isso usam sua própria forma de repelente de insetos.
Várias espécies de macacos-prego da América do Sul e algumas espécies de lêmures de Madagascar foram observadas caçando o milípede Orthoporus dorsovittatus (piolhos de cobra, como são conhecidos popularmente no Brasil) mordendo e esmagando o verme em suas mãos e, em seguida, cobrindo sua pele com a gosma que escorre de seu interior.
Elas faziam isso mais durante as estações em que os mosquitos e outros insetos que picavam eram mais abundantes. E em 2003, os cientistas descobriram que esses milípedes secretam substâncias químicas tóxicas chamadas benzoquinonas, que repelem ativamente os mosquitos.
“Isso significa que eles sabem o que estão fazendo? Não necessariamente. Elas podem estar fazendo isso apenas porque se sentem bem”, explica Jacobus De Roode, biólogo evolucionário da Universidade Emory. “Mas sabemos que o comportamento ajuda contra picadas e infecções.”
Em um estudo realizado em 2022 com chimpanzés no Gabão, os cientistas observaram um total de 76 ocasiões diferentes em que os chimpanzés se feriram acidentalmente. Em 19 desses casos, os chimpanzés cuidaram de seus ferimentos de uma forma incomum – com insetos esmagados.
Um chimpanzé chamado Freddy, que tinha um ferimento de um dia em seu braço esquerdo, foi visto pegando uma folha e usando a boca para arrancar um inseto não identificado, pressionando-o suavemente contra o ferimento. Os chimpanzés também faziam isso uns pelos outros: uma fêmea de chimpanzé pegou um inseto e o entregou a outro chimpanzé macho sem parentesco, que o aplicou na ferida aberta de outro macho sem parentesco.
Esses comportamentos não foram “apenas uma coincidência”, diz Simone Pika, pesquisadora de biocognição comparativa da Universidade de Osnabrück, na Alemanha, mas eles não sabem se esse comportamento realmente ajuda a aumentar a cicatrização de feridas.
Pode ser apenas um costume social que os chimpanzés daquela comunidade aprenderam, diz ela, mas dado o “contexto inequívoco” das feridas, há motivos para acreditar que se trata de um comportamento medicamentoso.
Na Cidade do México, os alunos do ecologista comportamental Constantino de Jesús Macías García, da Universidad Nacional Anutónoma de México, descobriram que o item artificial mais comum usado pelas aves locais para fazer seus ninhos eram os cigarros.
Como a nicotina, derivada do tabaco, é ocasionalmente usada como repelente de parasitas para pragas de jardim, sua equipe testou se os pássaros estavam forrando suas casas com pedaços de cigarro para essa finalidade.
Em um experimento com mais de 50 ninhos de pássaros de tentilhões e pardais domésticos locais, a equipe descobriu que os ninhos com a celulose das bitucas de cigarro fumadas atraíam significativamente menos ácaros, piolhos e carrapatos do que os ninhos de não fumantes.
Eles também descobriram que a exposição a essas bitucas de cigarro danifica os glóbulos vermelhos dos filhotes de pássaros e dos adultos, mas os filhotes pesam mais quanto mais bitucas de cigarro são usadas na construção de seus ninhos.
“Embora tóxicas, o benefício líquido é positivo”, afirma Jesús Macías García, sugerindo que essa é uma forma de profilaxia (prática para prevenir doenças) para aves urbanas. Ele acredita que os cigarros são usados no lugar de plantas aromáticas que essas aves teriam disponíveis na natureza.
Quando as borboletas monarcas contraem a doença Ophryocystis elektroscirrha, potencialmente letal e que deforma as asas, elas comem espécies de erva-leiteira que contêm níveis mais altos de cardenolídeos, que são tóxicos para os esporos da doença dentro de seu corpo.
Em experimentos, quando lhes foi dada uma escolha, as monarcas fêmeas preferiram botar ovos na erva-leiteira mais tóxica, e a probabilidade de que seus ovos fossem infectados diminuiu.
“Essas mães basicamente fazem escolhas com base na futura infecção de seus filhotes”, diz De Roode. “Isso significa intencionalidade? Não necessariamente, mas significa que a causa de seu comportamento é a infecção. Elas podem não saber que estão infectadas, seus corpos podem simplesmente preferir as plantas mais amargas.”
Mas dado o crescente número de pesquisas que sugerem uma ampla variação nos exemplos de medicação no mundo animal, a opinião de De Roode é que a medicação no mundo animal é muito mais difundida do que se pensava anteriormente.
“Isso tem sido comum desde o início dos tempos, desde que havia animais, desde que havia parasitas, havia maneiras de os animais cuidarem deles”, comenta De Roode. “Portanto, o quadro geral é que isso é extremamente comum, mas muito pouco explorado.”