Desde tempos imemoriais, há pessoas em todo o mundo que acreditam que a Lua cheia pode alterar o corpo e a mente, por exemplo, tornando-nos mais violentos e erráticos. A própria palavra “lunático”, afinal de contas, deriva do termo latino para Lua.
Não seríamos os únicos animais a serem afetados pelo ciclo lunar. A Lua não apenas influencia as marés do oceano, mas também a vida dentro dele. Muitos animais como corais, vermes de cerdas, ouriços-do-mar, moluscos, peixes e caranguejos desovam na Lua cheia, provavelmente devido ao aumento da luz.
No entanto, há muito tempo os pesquisadores rejeitam essas alegações em seres humanos, com muitos estudos com resultados conflitantes. Além disso, vários estudos de grande porte não encontraram nenhum aumento nos homicídios ou maiores admissões em centros de trauma ou em unidades de saúde mental na época da Lua cheia, uma das oito partes de um ciclo de 29,5 dias durante o qual a Lua gira em torno da Terra.
Sob a luz da Lua, um caçador distribui centenas de iscas para atrair gansos da neve em Iowa, nos Estados Unidos. É possível que as pessoas tenham uma maneira desconhecida de sentir a atração gravitacional da Terra.
Mas a maré está mudando, pois pesquisas recentes sugerem que o ciclo lunar tem uma influência sutil em algumas pessoas – especificamente quando se trata de fenômenos cíclicos como o sono, o ciclo menstrual feminino e as mudanças periódicas de humor de pessoas com transtorno bipolar.
Os resultados são suficientes para lançar dúvidas sobre o consenso de longa data de que a Lua não tem influência sobre nós, bem como para investigar como os ciclos lunares podem afetar a biologia humana, diz Kristin Tessmar-Raible, cronobióloga da Universidade de Viena, na Áustria, que não participou dos estudos recentes.
“Trata-se de dados”, afirma Kristin. “Como tal, temos que tentar entendê-los e explicá-los como cientistas.”
Algumas das descobertas recentes surpreenderam Horacio de la Iglesia, um pesquisador do sono da Universidade de Washington, em Seattle, nos Estados Unidos.
Ele e seus colegas usaram relógios de pulso com monitoramento de atividade para rastrear os padrões de sono, por pelo menos uma semana até dois meses, em duas populações muito diferentes: quase cem membros de comunidades indígenas Toba/Qom na zona rural da Argentina, muitas das quais não usam eletricidade, e centenas de estudantes de graduação da Universidade de Washington.
Os membros das comunidades indígenas foram dormir em média 40 minutos mais tarde – e dormiram menos em geral – nas noites que antecederam a Lua cheia. Mas o que de la Iglesia não previu foi uma redução semelhante no sono nessas noites em muitos dos estudantes de graduação em Seattle, uma cidade grande onde a luz artificial abafa a luz da Lua e os estudantes geralmente não têm ideia de quando é a Lua cheia.
Um céu cheio de estrelas e uma lua brilhante brilham sobre dezenas de tendas no Everest, no Nepal.
“Isso foi muito surpreendente”, diz Horacio de la Iglesia. Talvez, ele especula, os antigos caçadores-coletores humanos tenham desenvolvido uma maneira ainda desconhecida de perceber o ciclo lunar para permanecerem alertas e ativos logo antes da Lua cheia, quando teriam mais luz durante a primeira metade da noite para obter recursos ou atividades sociais. (Saiba mais sobre a fascinante ciência do sono).
Outro resultado inesperado: muitos indivíduos em ambos os grupos de estudo também dormiram menos na Lua nova, a fase lunar durante a qual a Lua geralmente não é visível.
Evidentemente, a história é mais complexa do que a luz da Lua. De la Iglesia levanta a hipótese de que as forças gravitacionais da Lua, que são mais fortes nas fases cheia e nova, também podem influenciar os padrões de sono. É quando o Sol, a Terra e a Lua estão em uma linha, maximizando a atração gravitacional sobre a Terra de ambos os lados.
No entanto, até o momento, não há evidências de que os seres humanos – ou qualquer outro animal – possam detectar essas mudanças mínimas na gravidade, afirma Tessmar-Raible, que também trabalha no Alfred Wegener Institute for Polar and Marine Research e na Universidade de Oldenburg, na Alemanha.
O organismo marinho que rastreia a Lua e que os cientistas estudaram com mais detalhes, o verme marinho Platynereis dumerilii, detecta mudanças na duração da luz da Lua, não na gravidade.
Mas o psiquiatra Thomas Wehr, cientista emérito do National Institute of Mental Health em Maryland, nos Estados Unidos, acha plausível que os seres humanos possam sentir mudanças na gravidade ou os efeitos subsequentes da gravidade no campo magnético da Terra, por exemplo - embora seja um mistério o tipo de sentido que os seres humanos usariam. “Há muitas coisas que não sabemos sobre como a biologia responde às forças [físicas]”, diz ele.
Em um estudo de 2017, Wehr e seus colegas acompanharam 17 pacientes bipolares nos Estados Unidos, que normalmente alternam entre mania e depressão a cada poucas semanas. As mudanças de humor de muitos pacientes estavam sincronizadas com o ciclo lunar, ocorrendo na Lua cheia ou, às vezes, na Lua nova.
E “há pessoas que estão realmente reagindo a ambos”, diz Wehr. Sua equipe acompanhou os pacientes por um total combinado de 37,5 anos.
Wehr acredita que as alterações no sono relacionadas à Lua podem estar afetando as mudanças de humor: sua pesquisa anterior sugere que os déficits de sono desempenham um papel no desencadeamento da mania.
Ele também é coautor de um estudo de 2021 que mostra evidências de que o ciclo menstrual feminino, que dura em média 28 dias, pode coincidir com os ciclos lunares em algumas mulheres.
O efeito foi intermitente, com algumas das 22 mulheres do estudo tendendo a menstruar durante a Lua cheia, outras durante a Lua nova e algumas alternando entre os dois.
Um caminhante observa o nascer da lua cheia em Carson Pass, na Califórnia, Estados Unidos. A Lua tem oito fases, e a atração gravitacional da Terra é mais forte durante as Luas cheia e nova.
À medida que as mulheres envelheciam e/ou ficavam mais expostas à luz artificial à noite, seus ciclos encurtavam e a sincronia desaparecia, de acordo com o estudo, que se baseia nos dados menstruais registrados pelas mulheres por cerca de 15 anos. Os autores acreditam que, há muito tempo, os ciclos das mulheres se harmonizavam com a Lua, mas isso mudou com a vida moderna.
Uma questão importante, comenta Wehr, é por que esses novos estudos estão encontrando relações entre o ciclo Lunar e a saúde humana, enquanto as pesquisas anteriores foram amplamente inconclusivas.
Por um lado, diz ele, muitos estudos anteriores analisaram apenas instantâneos de pessoas diferentes em vários pontos do ciclo lunar, em vez de acompanhar pacientes individuais ao longo do tempo, que é a única maneira de detectar padrões cíclicos sutis que variam entre as pessoas.
Um menino posa em seu traje de caubói com seu mustang, Paiut, em Prineville, no Oregon, Estados Unidos.
Além disso, estudos anteriores geralmente usaram projetos e métodos muito diferentes, o que dificulta a comparação dos resultados, disse Narimen Yousfi, cientista do Centro Nacional de Medicina e Ciência do Esporte da Tunísia.
Isso “pode estar por trás da contradição dos resultados”, afirma ela, acrescentando que os pesquisadores devem concordar em usar um mesmo protocolo para estudar a influência da Lua.
Investigar o efeito da Lua sobre a saúde humana não é apenas uma questão de curiosidade científica. Isso poderia levar a uma compreensão mais profunda da saúde humana; melhores abordagens de treinamento em atletas, cujo desempenho está relacionado ao sono; e novas abordagens de tratamento para condições fortemente ligadas ao sono, como o transtorno bipolar.
“Em muitos casos, acho que poderíamos aproveitar esse conhecimento para prevenir alguns sintomas de doenças que dependem muito da quantidade de sono que você tem”, diz de la Iglesia.
Depois de décadas descartando totalmente a noção, esses novos resultados estão levando os cientistas a determinar de forma conclusiva se os seres humanos são realmente capazes de detectar as mudanças causadas pela Lua ao nosso redor – e, em caso afirmativo, como as sentimos. “Sei que alguns outros pesquisadores estão analisando isso agora - e com seriedade”, diz Wehr.