Os repetidos alertas de especialistas sobre os efeitos que as mudanças climáticas teriam sobre o planeta, bem como os acordos internacionais para limitar o aumento da temperatura nos próximos anos a 2°C acima dos níveis pré-industriais, mostraram que vivemos em um planeta em aquecimento.
De fato, 2023 foi o ano mais quente já registrado, de acordo com a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA). Ao mesmo tempo, especialistas meteorológicos alertaram sobre a ocorrência de temperaturas frias e invernos muito frios em diferentes latitudes ao redor do mundo.
As calotas polares da Antártida (foto) e do Ártico sofrem processos de derretimento causados pelo aquecimento global.
Apesar disso, temperaturas frias recordes foram registradas em muitos estados dos Estados Unidos em janeiro de 2024, por exemplo, e o mesmo acontece no inverno do Hemisfério Sul. A região argentina dos Pampas, bem como o litoral sul do país e grande parte da Patagônia devem apresentar temperaturas abaixo do normal, segundo indicou um documento do Serviço Meteorológico Nacional (SMN) da Argentina publicado em maio passado.
Diante deste cenário, estaria ou não em risco a ocorrência dos invernos? A resposta é complexa e fatores meteorológicos, bem como outros efeitos exacerbados pela mudança climática estão envolvidos no sobe e desce das temperaturas.
Temperaturas mais altas não significam que a estação mais fria do ano desaparecerá, muito menos que temperaturas extremamente baixas não serão registradas em algumas partes do globo.
"A mudança climática não implica apenas em alterações na temperatura média global da superfície, mas também na circulação atmosférica, no tamanho e nos padrões das variações climáticas naturais e no clima local. Os eventos como o La Niña alteram os padrões climáticos, de modo que algumas regiões se tornam mais úmidas e os verões chuvosos tendem a ser mais frios", explica a The Royal Society, a mais antiga academia científica do mundo, situada na Grã-Bretanha.
Ventos mais fortes vindos das regiões polares também podem contribuir para um inverno ocasionalmente mais frio. Da mesma forma, a persistência de uma fase de um padrão de circulação atmosférica conhecido como Oscilação do Atlântico Norte contribuiu para vários invernos frios recentes na Europa, no leste da América do Norte e no norte da Ásia, continua a The Royal Society um artigo publicado em 2020.
Outros dois estudos, um publicado em 2017 na revista “Nature Geoscience”, e outro de 2018 encontrado na “Nature Communications” também se aprofundam na questão.
"As temperaturas quentes no Ártico fazem com que as correntes de ar sofram oscilações bruscas e, quando ela oscila mais ao sul, faz com que o ar frio chegue a áreas mais também ao sul”, explica Jennifer Francis, cientista atmosférica norte-americana e autora do estudo de 2018. “Essas mudanças tendem a durar algum tempo, portanto, o clima que temos no leste dos Estados Unidos, seja frio ou quente, tende a permanecer assim por mais tempo", completa.
Uma moradora do Alasca, estado mais ao norte dos Estados Unidos, enfrenta a neve com suas roupas térmicas.
Em um documento escrito pela cientista e publicado pela Universidade de Rutgers, nos Estados Unidos, Francis e seus colegas descobriram que os invernos ficam mais frios nas latitudes norte da Europa e da Ásia quando o Ártico está quente. "Invernos rigorosos têm de duas a quatro vezes mais probabilidade de ocorrer no leste dos Estados Unidos quando o Ártico está anormalmente quente do que quando está anormalmente frio".
No entanto, conclui a The Royal Society, "o aquecimento global inclina as probabilidades a favor de mais dias e estações quentes e menos dias e estações frias". Isso aumenta a probabilidade de ondas de calor mais frequentes em muitas partes do mundo, inclusive na América do Sul.