Ao inspecionar o cosmos em busca de mundos potencialmente habitáveis, os cientistas por muito tempo procuram a cor verde. Afinal, o verde é a cor fundamental da vida na Terra. Mas e se a vida em planetas distantes não fosse verde? Na verdade, e se ela fosse roxa?
Em um estudo publicado em abril na revista científica Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, os cientistas deram uma olhada nas bactérias roxas – esses microrganismos de tons violeta e magenta são encontrados em alguns dos ambientes mais extremos do nosso próprio planeta. Os pesquisadores coletaram e cultivaram amostras das bactérias e mediram os comprimentos de onda da luz que elas refletem. A ideia é aumentar o banco de dados de possíveis assinaturas de vida que os futuros astrônomos poderão procurar em outros mundos.
“Há uma grande diversidade de vida”, revela Lisa Kaltenegger, coautora do estudo, astrônoma da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, e autora de um novo livro sobre mundos alienígenas. “Não deveríamos perder as esperanças só porque talvez o planeta não seja verde.”
Muito antes de termos as florestas verdejantes e a proliferação de algas verdes brilhantes que colorem nosso mundo hoje, a Terra era um lugar difícil de se viver. Tinha pouco oxigênio e as temperaturas eram extremas. Mas essas condições adversas da Terra primitiva também são aquelas em que organismos como as bactérias roxas podem se desenvolver.
Em vez de usar a clorofila, a organela verde que a maioria das plantas usa hoje para a fotossíntese, as bactérias roxas usam bacterioclorofila e carotenoides, o que lhes permite realizar a fotossíntese em ambientes com pouca luz e pouco oxigênio.
A água em um pequeno lago na floresta de Hildesheim, perto de Sibbesse, na Alemanha, brilha em roxo em janeiro de 2023. Especialistas da Agência Estadual de Gerenciamento de Água, Proteção Costeira e Conservação da Natureza da Baixa Saxônia suspeitam que os micro-organismos sejam responsáveis por essa coloração. Na floresta de Hildesheim, provavelmente são as bactérias roxas que estão descolorindo a água.
“Assim, você pode até imaginar que uma outra Terra em outra época, bem mais antiga, por exemplo, poderia talvez ser roxa se esses organismos fossem abundantes, porque teria as condições para que eles realmente sobrevivessem e prosperassem”, explica a coautora do estudo Ligia Fonseca Coelho, microbiologista da Universidade de Cornell.
Em outras palavras, mundos roxos poderiam ser possíveis.
De fato, os cientistas levantam a hipótese de que a Terra primitiva pode ter sido roxa. Em um estudo de 2018, os pesquisadores concluíram que as archaea roxas, outro tipo de microrganismo que usa uma molécula chamada retinal para fazer fotossíntese, poderiam ter dominado nosso planeta antes de ele ser preenchido com oxigênio. “O que esse novo estudo faz é expandir as possíveis formas de vida que podem fornecer uma assinatura roxa”, afirma Shiladitya DasSarma, biólogo molecular da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e principal autor do artigo de 2018.
Agora, os cientistas por trás do artigo mais recente acrescentaram dados espectrais sobre 20 espécies de bactérias roxas, coletadas em locais como pântanos e lagos. Os pesquisadores mediram os comprimentos de onda da luz que as bactérias refletiam e modelaram a aparência desses padrões quando vistos em um planeta distante.
O resultado é uma coleção de assinaturas de luz que a equipe está adicionando a um banco de dados contínuo. Esses dados estão disponíveis publicamente, diz Kaltenegger, onde os cientistas podem usar essas assinaturas, que são características únicas, para informar seus próprios projetos.
Os astrônomos procuram vida em outros planetas usando marcadores chamados “bioassinaturas”. A cor da superfície de um planeta pode ser uma dessas bioassinaturas. Para observá-la, os astrônomos usam uma técnica chamada espectroscopia de luz refletida.
Mas “essa observação não pode ser feita com os tipos de telescópios que temos disponíveis atualmente”, diz Edward Schwieterman, astrônomo da Universidade da Califórnia Riverside, também nos Estados Unidos, que não participou do estudo. Por exemplo, o Telescópio Espacial James Webb só pode detectar bioassinaturas na atmosfera de um exoplaneta, como a presença de oxigênio, metano ou outros gases. Ele não é capaz de medir a luz refletida da superfície do planeta.
“A dificuldade é traduzir o que estamos estudando no laboratório em medições astronômicas”, concorda DasSarma.
Mas os pesquisadores esperam que o novo trabalho sirva de base para projetos futuros, como o Extremely Large Telescope do Chile e o Habitable World Observatory da Nasa, que visam capturar imagens que possam obter essas medições em nível de superfície. Os observatórios estão programados para entrar em operação até o final de 2030.
“Isso nos leva a garantir que essa futura missão tenha a capacidade de detectar as assinaturas”, comenta Schwieterman, que também faz parte de um grupo de trabalho sobre bioassinaturas para o Habitable Worlds Observatory.
A compreensão da vida roxa na Terra também amplia o que os cientistas podem considerar como vida em outros lugares. Muitos planetas rochosos habitáveis giram em torno de estrelas conhecidas como sóis vermelhos, versões menores e mais fracas do sol amarelo em nosso Sistema Solar. Os organismos roxos são capazes de usar os raios de baixa energia que esses sóis vermelhos emitem.
“Na verdade, eles são os tipos de estrelas mais abundantes”, diz Coelho. “É por isso que o modelo púrpura também é importante, porque ele preenche essa lacuna que existe para o tipo de vida que poderia realmente prosperar em planetas ao redor dessas estrelas abundantes”, afirma ela.
Enquanto isso, os cientistas da Cornell continuam a expandir seu banco de dados de cores e assinaturas, procurando outras formas de vida que possam sobreviver em diferentes condições extremas.
“Temos essa vida na Terra. E se pensarmos nisso como um enorme quebra-cabeça, estamos tentando identificar os quebra-cabeças que têm maior probabilidade de existir nos planetas que podemos identificar", explica Kaltenegger.
“Toda a incrível biodiversidade que temos precisa ser estudada para que possamos ter ferramentas para procurar vida em outros planetas”, diz Coelho. “A biodiversidade é necessária na astronomia.”