param de tomá-lo rapidamente, os médicos geralmente se preocupam com o reaparecimento da doença mental. Mas poucos médicos se concentram em um problema diferente: os sintomas debilitantes da abstinência, que incluem doenças físicas e psicológicas e são mais comuns e alteram mais a vida da pessoa do que geralmente se pensa.
Em uma pesquisa publicada em uma edição recente do Journal of Affective Disorders Reports, os pesquisadores entrevistaram 1.100 pessoas que sofriam de sintomas pós-retirada de antidepressivos e descobriram que isso prejudicava a capacidade de trabalho da maioria: 20% perderam o emprego como resultado; e 25% dos entrevistados disseram que seus relacionamentos pessoais foram afetados.
Os sintomas incluíam agitação, palpitações cardíacas, zumbido, sensações de queimação e dezenas de outros. “Dizem às pessoas: ‘Você está tomando 20 miligramas, diminua para 10, depois para cinco e depois para zero’. Mas o efeito no cérebro não é linear, e essa última redução é como pular de um penhasco", explica Mark Horowitz, pesquisador clínico do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido, coautor do estudo do JAD Reports e defensor de um regime de redução gradual bem mais gradual do que o recomendado nos Estados Unidos.
Os especialistas concordam que são necessários mais dados para determinar com precisão o número de pessoas que sofrem de abstinência e a duração dos sintomas. No entanto, um artigo de revisão constatou que mais da metade das pessoas que tomam antidepressivos sofrem alguns efeitos perturbadores quando param de tomar, sendo que quase metade delas classifica seus sintomas como graves. No JAD Reports, limitado a pessoas afetadas pela abstinência, 40% disseram que seus sintomas duraram dois anos ou mais.
Os antidepressivos podem oferecer benefícios à saúde, especialmente para o transtorno depressivo maior. Porém, com 13% dos adultos dos Estados Unidos atualmente tomando esses medicamentos para uma ampla gama de condições físicas e mentais, os problemas de abstinência podem acabar afetando milhões de pessoas.
Tem-se dado muita ênfase e dinheiro para pesquisa para que as pessoas comecem a tomar antidepressivos e não para que parem com segurança, afirma Bryan Shapiro, psiquiatra do Centro Médico da Universidade da Califórnia em Irvine, que pesquisou pessoas que sofrem de abstinência de antidepressivos. “A ênfase tem sido em prescrever, prescrever, prescrever e menos para a estratégia de saída do consumo dos remédios”, diz Shapiro.
Os médicos frequentemente atribuem os sintomas de abstinência a um retorno da doença mental que levou a pessoa a tomar o medicamento, mas para muitas pessoas esse não é o caso, comenta Horowitz. Sua pesquisa no JAD Reports encontrou problemas psicológicos de abstinência semelhantes, incluindo ansiedade e alterações de humor, em pessoas que receberam prescrição de medicamentos para doenças físicas como enxaqueca, fadiga crônica ou dor.
Os antidepressivos funcionam, em parte, aumentando os níveis de neurotransmissores como a serotonina, embora tenha ficado claro ao longo dos anos que mecanismos mais complexos também estão envolvidos.
Um tipo de antidepressivo – os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) – bloqueia a absorção do neurotransmissor serotonina, deixando mais dessa substância química para o cérebro usar no envio de mensagens de um neurônio para outro. Quando o cérebro se adapta ao medicamento, ele reduz o número e a atividade de seus próprios receptores de serotonina.
Quando o medicamento é retirado, o número menor de receptores de serotonina cria um desequilíbrio. “Quando você retira a medicação e os receptores não tiveram tempo de se repovoar, haverá uma deficiência enorme, levando à abstinência”, explica Shapiro.
Embora a droga deixe o corpo em poucos dias, pode levar muito mais tempo para o cérebro se ajustar. Isso se assemelha aos desafios que os alcoólatras de longo prazo têm para reorientar o cérebro à ausência de álcool.
É claro que algumas pessoas não apresentam sintomas ou apresentam sintomas muito leves quando um antidepressivo é interrompido, portanto, os especialistas ainda estão tentando entender todos os mecanismos envolvidos na abstinência.
A remoção da última dose do medicamento, mesmo que seja uma dose baixa, tem o maior impacto. A análise de Shapiro de estudos envolvendo receptores de serotonina revelou que cerca de 80% da atividade de um antidepressivo ocorre nas doses mais baixas do tratamento. “O que os psiquiatras podem considerar uma dose terapêutica mínima está tendo um efeito profundo sobre o receptor”, diz Shapiro.
Em alguns casos, os sintomas psicológicos que as pessoas apresentam quando param de tomar um antidepressivo podem ser decorrentes de uma recaída de seu problema de saúde mental, o que indica que elas devem falar com seu médico imediatamente.
Mas quando os sintomas são físicos ou os sintomas psicológicos são novos ou mais graves do que antes do início da medicação, é provável que a pessoa esteja sofrendo abstinência, afirma Horowitz.
Parar de tomar um antidepressivo foi um grande problema para Peter Eliasberg, um advogado de 63 anos de Los Angeles, nos Estados Unidos, que começou a tomar um inibidor de recaptação de serotonina-norepinefrina quando teve uma depressão grave no início dos 30 anos. Depois de 23 anos tomando o medicamento e duas tentativas malsucedidas de parar de tomá-lo, Eliasberg decidiu, há sete anos, que se sentia bem o suficiente para parar. Seu psiquiatra o instruiu a reduzir sua dose pela metade várias vezes em um período de seis semanas antes de interromper o uso.
Eliasberg decidiu tomar o dobro desse tempo, mas ainda assim foi rápido demais para seu cérebro. Rapidamente, ele teve insônia grave, a sensação de que seus nervos estavam em chamas e uma depressão mais profunda do que jamais havia conhecido – sintomas que, juntamente com problemas de memória e névoa cerebral subsequentes, o atormentaram por anos.
Seu psiquiatra insistiu que a retirada dos SNRIs não era a responsável, já que a droga estava há muito tempo fora de seu sistema, e prescreveu vários outros medicamentos.
Por fim, Eliasberg diminuiu o uso de todos os medicamentos usando um cronograma muito mais gradual. Somente no último ano todos os seus sintomas desapareceram. “No total, foi uma jornada de seis anos até que eu estivesse totalmente curado”, comenta ele.
Os pacientes compartilham histórias semelhantes nos crescentes grupos de mídia social online dedicados à abstinência de antidepressivos, diz Horowitz. Há várias dezenas de grupos online com cerca de 180 mil membros cumulativos, que estão crescendo a uma taxa de 25% ao ano, de acordo com Horowitz. Alguns grupos se concentram em antidepressivos específicos, como um para mirtazapina, por exemplo (quase 6 mil membros) ou para escitalopram (outros 6 mil).
A orientação psiquiátrica no Reino Unido mudou nos últimos anos para defender uma abordagem de redução mais gradual de medicamentos antidepressivos.
Por outro lado, nos Estados Unidos a Associação de Psiquiatria geralmente recomenda a interrupção dos medicamentos após a redução da dosagem em um período de várias semanas, embora reconheça que um pequeno número de pacientes possa exigir um cronograma mais longo. As diretrizes de gerenciamento de depressão da Veterans Administration não fazem nenhuma menção à interrupção dos antidepressivos.
A redução gradual ao longo de “dias a algumas semanas geralmente é suficiente”, afirma Jonathan Alpert, psiquiatra da Faculdade de Medicina Albert Einstein, em Nova York, e presidente do Conselho de Pesquisa da Associação Americana de Psiquiatria. Ele observa, no entanto, que as diretrizes da APA estão sendo revisadas no momento.
Alpert reconhece que essa orientação vem de estudos nos quais os pacientes consumiram o medicamento por períodos curtos. Em algumas pesquisas, as pessoas tomaram os medicamentos por quatro semanas ou menos. No entanto, os pacientes frequentemente ficam tomando antidepressivos por muito mais tempo, em muitos casos por décadas.
A orientação da associação psiquiátrica adverte contra a interrupção abrupta sem qualquer redução gradual para evitar o que ela chama de “síndrome de descontinuação”. Mas a orientação afirma que isso quase sempre se resolve “em uma ou duas semanas”.
Como constatou a pesquisa do JAD Reports, para algumas pessoas, tanto a extensão quanto a amplitude do problema são muito subestimadas. Além das queixas mais comuns, os participantes da pesquisa apresentaram lapsos de memória, confusões cerebrais, espasmos musculares, vontade intensa de movimentar o corpo, maior sensibilidade a ruídos e luz, problemas de libido e muito mais.
Josef Witt-Doerring, psiquiatra cujo consultório particular online é especializado em pós-retirada de antidepressivos, diz que recebe ligações de dezenas de novos pacientes todas as semanas que estão lutando meses ou anos após a interrupção. Segundo Witt-Doerring, a crença dos psiquiatras de que os sintomas são geralmente de curta duração e leves vem de painéis de congressos, como um realizado em 2004, e não da experiência dos pacientes.
O painel de 2004 foi financiado por uma empresa farmacêutica e muitos de seus especialistas receberam financiamento de vários fabricantes de antidepressivos, como afirma o artigo de periódico derivado do evento.
A abstinência parece ser mais prevalente e grave em pessoas que tomam antidepressivos por um ano ou mais, segundo um estudo. Certos antidepressivos, inclusive os inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina e a paroxetina, estão associados a maiores chances de problemas.
Na prática de Witt-Doerring, as pessoas mais velhas levam mais tempo para se recuperar do que as mais jovens. Mas atualmente é impossível prever quem pode estar em risco.
Phil, um executivo de 32 anos de Nova Jersey, nos Estados Unidos, que pediu que seu sobrenome não fosse usado, estava tomando um antidepressivo tetracíclico por apenas três meses em 2022 quando decidiu parar o medicamento, seguindo as instruções de seu médico para reduzir o uso em quatro semanas.
Mais de um ano depois (apesar de ter voltado a tomar o medicamento e outros e iniciado um novo regime de redução gradual mais lento), ele continua lutando contra a exaustão, problemas de memória e incapacidade de sentir prazer. “Os sintomas de abstinência me privaram completamente de qualquer qualidade de vida. Minha antiga personalidade, sociável e extrovertida, desapareceu completamente", afirma Phil.
A orientação do Royal College of Psychiatrists da Inglaterra recomenda a redução gradual, trabalhando com um médico para começar a reduzir a dose em apenas 10 ou até 5%.
Recomendações semelhantes aparecem em um novo livro de coautoria de Horowitz e do psicofarmacologista David Taylor, chamado “The Maudsley Deprescribing Guidelines: Antidepressants, Benzodiazepines, Gabapentinoids and Z-Drugs”. Eles baseiam suas recomendações em um estudo publicado na revista científica Lancet sobre os resultados de imagens cerebrais de coautoria da dupla, que examinou os efeitos dos antidepressivos em várias doses.
Em vez de reduzir por quantidades iguais do medicamento, eles aconselham reduzir de acordo com a forma como cada dose afeta o cérebro, com doses cada vez menores na extremidade inferior, em alguns casos levando vários anos para serem concluídas. Geralmente, são necessárias suspensões líquidas – ou comprimidos de farmácias de manipulação – para realizar essas reduções incrementais.
Shapiro aconselha os pacientes a permanecerem em cada dose recém-reduzida por pelo menos um mês, “que é o tempo que os receptores levam para se adaptar”, diz ele.
Esse regime é frequentemente recomendado nos grupos online, que foi onde Horowitz tomou conhecimento dele há vários anos, depois de ter tentado, sem sucesso, interromper seus próprios SSRIs após 11 anos. Sua depressão, que ele classificava como 4 de 10 antes de começar a tomar o medicamento, rapidamente disparou para 10, acompanhada de intensa ansiedade e da necessidade de movimentar o corpo constantemente.
Pensei: “Isso é totalmente ridículo. Como é que eu tenho seis diplomas – incluindo um Ph.D. em antidepressivos – e estou recebendo conselhos de um engenheiro de software aposentado e de um motorista de caminhão sobre como parar de tomar os remédios em um site de apoio a colegas", diz ele.
A maioria das pessoas não é informada por seus profissionais de saúde sobre a possibilidade de problemas de abstinência quando começam a tomar um antidepressivo, descobriu Shapiro ao analisar milhares de publicações do grupo de apoio online Surviving Antidepressants. Ele acredita que isso precisa mudar.
Ele também quer que os pacientes tenham uma visão clara dos possíveis benefícios e desvantagens dos antidepressivos. “A decisão de tomar um medicamento psiquiátrico é importante e não deve ser tomada de ânimo leve”, finaliza Shapiro.