A premiação, que está em sua 26ª edição, homenageia uma cientista mulher de cada continente por seus projetos pioneiros nas áreas das ciências da vida e do ambiente. Escolhida como representante da América Latina e Caribe, Kowaltowski produz um "trabalho crítico na compreensão dos impactos do metabolismo energético em doenças crônicas, incluindo obesidade e diabetes, e o envelhecimento", segundo o comitê do prêmio.
Junto das demais laureadas, a brasileira foi selecionada entre 350 candidatas em todo o mundo pela Professora Brigitte L. Kieffer, membro da Academia Francesa de Ciências e ex-vencedora do programa Para Mulheres na Ciência. Todas as ganhadoras irão receber cada uma 100 mil euros (aproximadamente R$ 554, 5 mil) para investir em seus projetos, além de bolsas de estudos voltadas para doutorado e pós-doutorado.
Responsável pelo Laboratório de Metabolismo Energético (LME) do Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo (USP), a professora explica em entrevista à GALILEU que o metabolismo é “um conjunto de reações químicas que transformam moléculas para obter energia para os nossos corpos funcionarem”. Isso permite que a gente contraía músculos, tenha o cérebro pensando, o fígado funcionando, entre outros.
A especialidade de Kowaltowski, que é também membro da Academia de Ciências do Estado de São Paulo e da Academia Brasileira de Ciências, é o metabolismo energético mitocondrial – aquele relacionado às mitocôndrias. “As mitocôndrias são organelas dentro das células, que transformam a energia para essa energia poder ser usada pelo resto das células. Eu gosto de chamá-las então de baterias da célula”, conta.
Integrantes do Laboratório de Metabolismo Energético da USP — Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Ao estudar o metabolismo energético dessas organelas, é possível identificar moléculas-alvo que definem como nós funcionamos normalmente ou não devido a alguma doença. ”Toda a base de uma doença que envolve alterações metabólicas vai envolver mudanças nessas moléculas e nesses processos que a gente estuda”, afirma a bioquímica, autora do livro O que é metabolismo? Como nossos corpos transformam o que comemos no que somos (2016, Oficina de Textos), que aborda como os alimentos são convertidos em moléculas que constituem nosso organismo.
Para Kowaltowski, o Prêmio Internacional L’Oréal–UNESCO Para Mulheres na Ciência não é somente dela, mas de toda a equipe com a qual ela trabalha. ”Às vezes eu me sinto um pouco culpada, porque um reconhecimento como esse é dado a uma indivídua como eu, mas a ciência não é uma coisa individual. É o trabalho do laboratório que está sendo premiado, no fundo. E esse trabalho envolve muitas outras pessoas."
Integrantes do Laboratório de Metabolismo Energético da USP — Foto: Marcos Santos/USP Imagens
O grupo da pesquisadora no LME busca entender quais processos estão alterados a nível celular e, por isso, utiliza células humanas de diferentes tipos, como do coração, fígado e pele. Por lá, eles também fazem estudos com ratos e camundongos que recebem diferentes dietas, seja para ficarem obesos ou mais magros.
Com isso, a equipe pode avaliar como as dietas mudam o metabolismo energético e também como essas mudanças de metabolismo estão relacionadas com doenças associadas à obesidade. “A gente pode descobrir operações metabólicas envolvidas no desenvolvimento de diabetes, por exemplo, ou no desenvolvimento de doença cardíaca, doença do fígado, do cérebro, etc”, afirma Kowaltowski.
Esse trabalho é particularmente importante levando em conta que, até 2025 o mundo terá aproximadamente 167 milhões de pessoas – adultos e crianças – menos saudáveis por estarem acima do peso ou obesas, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). “A obesidade limita o tempo de vida, tanto de humanos quanto de modelos animais que a gente estuda e também promove várias doenças associadas à idade."
O L’Oréal–UNESCO Para Mulheres na Ciência já homenageou mais de 4,4 mil mulheres, incluindo 132 ganhadoras de prêmios internacionais e mais de 4 mil jovens pesquisadoras. Entre as laureadas, 7 receberam o Prêmio Nobel de Ciência.
No Brasil, a participação de mulheres como autoras de publicações científicas cresceu 29% nos últimos 20 anos, conforme relatório da Elsevier-Bori. Apesar disso, segundo o Banco Mundial e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o país investe apenas cerca de 1,2% do PIB em pesquisa e desenvolvimento.
Já no mundo, dados da Unesco apontam que as mulheres representam somente 33,3% de todos os pesquisadores e apenas 35% de todos os estudantes das áreas de STEM (engloba os ramos da ciência, tecnologia, engenharia e matemática) são mulheres.
A professora do IQ da USP admite que sua posição é um pouco diferente das demais cientistas do planeta, já que ao longo de sua carreira teve bons exemplos e notou as mulheres como maioria de suas colegas na área biológica. “A gente já quebrou o teto de vidro há muito tempo”, considera a cientista, que comanda um importante cargo de gestão como presidente eleita da Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia Molecular (SBBq).
De acordo com Kowaltowski, “se você dá condições iguais, se você tem exemplos, você consegue”. E o Prêmio Internacional L’Oréal–UNESCO Para Mulheres na Ciência serve justamente para isso: dar um exemplo positivo a outras cientistas. “Você cria essa ideia na cabeça das pessoas, ‘de que eu também posso ser’ [cientista]”, diz a professora.
Entre as pesquisas em andamento no Laboratório de Metabolismo Energético da USP, está uma investigação sobre os mecanismos pelos quais células respondem a diferentes níveis de nutrientes e um estudo sobre como o metabolismo muda com o estrogênio, hormônio sexual feminino. “A gente vai sempre continuar pensando em novas perguntas metabólicas para a gente responder”, garante a professora.
Além da premiação internacional que a brasileira conquistou, o Grupo L’Oréal no Brasil realiza localmente o Para Mulheres na Ciência em parceria com a Academia Brasileira de Ciências e a UNESCO no Brasil, premiando sete pesquisadoras com uma bolsa-auxílio de R$ 50 mil reais nas áreas de Ciências da Vida, Ciências Físicas, Ciências Químicas e Matemática. As inscrições de 2024 estão abertas até o dia 10 de junho. Você pode se inscrever através deste link.