Um grupo de cientistas brasileiros acaba de descobrir que os macacos-prego-amarelo (Sapajus libidinosus), uma espécie típica de Brasil e Bolívia, também desenvolvem a doença de Alzheimer.
Os pesquisadores analisaram o cérebro de três primatas dessa espécie que morreram aos 9, 29 e 33 anos, respectivamente.
Nos dois indivíduos mais velhos, os exames detectaram a presença de dois marcadores típicos desse quadro de demência: o acúmulo das proteínas beta-amiloide e TAU.
No Alzheimer, a beta-amiloide se acumula no espaço entre os neurônios, enquanto a TAU ocupa o interior das células nervosas — o que eventualmente leva à morte delas.
A perda dessas células que compõem o cérebro leva à progressão dos sintomas típicos da doença, como esquecimentos e dificuldades no raciocínio.
A descoberta sobre os macacos-prego-amarelo pode abrir novas perspectivas de pesquisas para o desenvolvimento de exames de diagnóstico e remédios contra o Alzheimer, acreditam os especialistas.
A neurologista Roberta Diehl Rodriguez, que é a primeira autora da pesquisa, publicada em 15 de março no periódico especializado Scientific Reports, do grupo Nature, explica que o projeto começou a partir de uma aliança entre as duas universidades brasileiras.
De um lado, a Universidade de Brasília (UnB) possui um Centro de Primatologia, que é especializado em avaliar diferentes tipos de macacos.
Do outro, a Universidade de São Paulo (USP) abriga um importante Departamento Neurologia, com equipamentos avançados para realizar diversos tipos de investigações científicas.
"O Centro de Primatologia da UnB realiza uma série de testes psicológicos e funcionais com os macacos. Porém, quando os animais morriam, eles nunca tinham conseguido examinar o cérebro deles", diz ela.
"Durante uma conferência, o professor Ricardo Nitrini [da USP] conversou com a professora Maria Clotilde Tavares [da UnB], e eles tiveram a ideia de fazer essa parceria, iniciada em 2018", contextualiza a médica.
Rodriguez destaca que, ao analisar o que tinha sido publicado anteriormente sobre os macacos-prego, não havia muitas informações sobre o cérebro deles e o risco de desenvolverem demência.
"E é uma das espécies de macacos do Novo Mundo mais inteligentes que conhecemos", observa ela.
Os macacos do Novo Mundo são um grupo que designa as espécies de primatas típicas do continente americano.
Alguns estudos publicados nas últimas décadas mostram a capacidade cognitiva avançada desse primata, que vive principalmente nas regiões Nordeste e Centro-Oeste do Brasil.
Eles são capazes, por exemplo, de produzir ferramentas de pedra, usadas para quebrar castanhas e outros alimentos duros, bem como rachar troncos e galhos para facilitar o acesso a insetos e larvas.
Os macacos-prego-amarelo também conseguem ficar na posição bípede por um longo tempo e utilizam gravetos para pegar alimentos, mel e água.
Em regiões de mangue, eles usam pedaços de madeira para quebrar conchas e moluscos.
"Macacos-prego selvagens ou mantidos em cativeiro foram submetidos a diversos testes cognitivos, que revelam pontos fortes em memória de trabalho, aprendizagem, recordação, função executiva e resolução de problemas", lista o estudo recém-publicado.
"Eles demonstram capacidade de aprender de forma independente, por meio de tendências exploratórias, bem como capacidade de aprender ao observar indivíduos mais velhos. Além disso, podem apresentar modificações de comportamento devido à coabitação com seres humanos", acrescenta o texto.
Como citado no início da reportagem, os cientistas fizeram análises e testes com os cérebros extraídos de três macacos-prego-amarelo que morreram por outras causas aos 9, 29 e 33 anos de idade.
E o trabalho revelou que esses animais podem apresentar um quadro similar ao que é observado na cabeça de seres humanos acometidos pelo Alzheimer.
O macaco de 9 anos, o mais jovem do grupo, não tinha qualquer alteração, enquanto os mais velhos, de 29 e 33 anos, apresentavam as mudanças típicas da enfermidade, como a inflamação e o acúmulo de proteínas danosas.
Na natureza, um macaco-prego tem uma expectativa de vida de 34 a 36 anos. Já em cativeiro, ele pode viver até os 55.
Em resumo, esse tipo de demência é marcado por duas etapas principais. Primeiro, ocorre o acúmulo da proteína beta-amiloide na parte externa dos neurônios. Segundo, a proteína TAU passa a ser estocada no interior dessas células.
Todo esse processo é prejudicial e provoca a morte dessas unidades cerebrais. Aos poucos, conforme esse quadro evolui, o indivíduo começa a perder as memórias e a capacidade de raciocinar.
Até o momento, os remédios disponíveis atuam apenas em alguns sintomas específicos da demência e não são capazes de frear a progressão dos sintomas.
Há apenas uma droga aprovada recentemente nos EUA que mostrou-se capaz de "limpar" a beta-amiloide do cérebro, com uma possível melhora cognitiva do paciente — mas ela custa caro e está restrita a casos iniciais, quase assintomáticos, cujo diagnóstico é bem difícil.
Chamada de lecanemabe (dos laboratórios Eisai e Biogen), essa medicação ainda não está liberada no Brasil.
Por muito tempo, os cientistas acreditavam que o Alzheimer, com todo o pacote de deterioração cerebral envolvido, era uma doença exclusiva de seres humanos.
Mas, recentemente, foram publicados trabalhos que desbancaram essa ideia. Hoje em dia, sabe-se que os chimpanzés também desenvolvem o quadro, assim como os macacos-prego-amarelos, como revelou o estudo de USP e UnB.
Também foram observados agregados de proteína TAU em lêmures-ratos (Microcebus, um tipo de primata de Madagascar) e emaranhados neurofibrilares típicos dessa demência em macacos rhesus (Macaca mulatta) e vervet (Chlorocebus pygerythrus).
As especialistas ouvidas pela BBC News Brasil destacam que, até o momento, as pesquisas básicas sobre Alzheimer eram feitas com camundongos ou ratos.
Mas há um problema aqui: esses roedores não desenvolvem naturalmente esse tipo de demência.
Os cientistas precisavam então provocar mutações genéticas para que essas cobaias tivessem um ou mais daqueles marcadores da doença, como o acúmulo de beta-amiloide.
"Porém, mesmo modificados, os camundongos e ratos não desenvolvem o Alzheimer em si e todas aquelas alterações que vemos comumente do cérebro humano", diz a neurologista Sonia Brucki, outra autora do estudo.
Ou seja: por mais que sejam a melhor opção disponível até o momento, esses animais estavam longe do cenário ideal quando pensamos nos estudos para entender o Alzheimer, ou eventualmente descobrir formas melhores de prevenir, diagnosticar e tratar o quadro.
"Ter animais que desenvolvem a patologia como os humanos permitiria testes de novos tratamentos, além de possíveis avanços no conhecimento de biomarcadores da evolução da doença", antevê a médica.
E é aí que entram os macacos-prego-amarelo: estudar a fundo o cérebro dessa espécie pode ajudar a entender como o Alzheimer se desenvolve. Além disso, esses primatas podem servir de cobaia em estudos de potenciais novos remédios.
"A vantagem dos macacos-prego é que eles são bem menores que os chimpanzés, com uma manutenção em cativeiro muito mais simples e barata", explica Brucki.
"Além disso, eles não estão em risco de extinção", acrescenta ela.
O trabalho de USP e UnB está apenas nos primeiros passos. A análise dos cérebros desses três primatas serviu para confirmar a hipótese de que eles desenvolvem o Alzheimer e para padronizar valores e parâmetros para as futuras investigações.
A partir de agora, o time de cientistas quer investigar a fundo outros indivíduos da mesma espécie que eventualmente morrerem com o passar dos meses e anos — eles não farão eutanásia desses animais.
Outra ambição do grupo é avaliar o cérebro dos macacos ainda em vida por meio de exames de imagem, como a ressonância magnética.
O objetivo aqui é fazer um acompanhamento periódico para entender quando os sinais de Alzheimer começam a aparecer no cérebro — e como isso se traduz na prática, por meio de sintomas, como baixa atividade ou dificuldades para usar ferramentas conforme ficam mais velhos.
"Queremos saber como os processos patológicos que ocorrem na doença de Alzheimer em outras espécies podem estabelecer conceitos de envelhecimento", conclui Brucki.