Popularmente conhecida no Brasil como “cobra-cega”, esse animal não é uma cobra realmente – e nem faz parte do grupo de répteis. Na realidade, é da classe dos anfíbios e pertencem à ordem Gymnophiona, e também é conhecida como cecília, como explica o site Animal Diversity Web (ADW) – enciclopédia online mantida pelo Museu de Zoologia da Universidade de Michigan, dos Estados Unidos.
Por conta de sua aparência, as cecílias lembram uma cobra – pois não possuem membros e nem extremidades e, à primeira vista, podem ser facilmente confundidas com cobras ou até com vermes. Elas vivem no subsolo em regiões tropicais úmidas em todo o mundo, de acordo com a Encyclopædia Britannica (plataforma de conhecimento do Reino Unido).
Mas por que esse pequeno animal chama tanto a atenção? Suas características particulares podem explicar. Recentemente, um artigo publicado na revista norte-americana Science chamou a atenção da comunidade científica ao revelar detalhes sobre a forma como as fêmeas das cecílias ovíparas alimentam seus filhotes.
O artigo da Science publicado em março de 2024 mostra os resultados de uma pesquisa realizada por biólogos do Laboratório de Biologia Estrutural do Instituto Butantan (instituição brasileira de pesquisa científica e produção de imunobiológicos do governo do estado de São Paulo) sobre a descoberta acerca de uma espécie de cecília ovípara que produz nutrientes semelhantes ao leite materno e alimenta seus filhotes com essa substância.
Durante muito tempo, acreditou-se que a alimentação de uma prole com leite rico em lipídios era exclusiva dos mamíferos – mas não é. Esse “leite materno” das cecílias é uma substância viscosa e transparente produzida por glândulas nas paredes do oviduto existente nas cecílias ovíparas, que é expelida pela cloaca, conforme explica o artigo da Science.
Assim, a fêmea alimenta seus filhotes fora de seu corpo. Os pesquisadores realizaram uma análise bioquímica na secreção, que mostrou que ela é muito rica em carboidratos e ácidos graxos, uma composição semelhante à encontrada no leite dos mamíferos.
O artigo publicado na revista científica Science apresenta os resultados da pesquisa da equipe do Instituto Butantan que tem como foco o cuidado parental da espécie Siphonops annulatus de cobra-cega ovípara – encontrada em praticamente todo o sul da América do Sul. Os animais estudados foram coletados no Brasil, mais especificamente na região que possui plantações de cacau, no sul da Bahia, em meio à Mata Atlântica.
A substância é liberada várias vezes ao dia e ingerida vorazmente pelos filhotes de cobra-cega. Durante a ejeção, as pequenas cecílias competem entre si por lugares ao redor do orifício cloacal da mãe, muitas vezes introduzindo as suas cabeças nele quase que inteiramente, de acordo com o texto sobre o tema no site do Instituto Butantan.
A instituição também explica que esse cuidado parental de alimentar os filhotes com a substância, dura em torno de dois meses após a eclosão dos ovos, e sempre ocorre no início do ano na região em que essa espécie é encontrada, durante a época de calor e muita chuva. As glândulas secretoras do leite se desenvolvem no oviduto durante esta época, juntamente com a mudança de cor da pele das fêmeas – que do tradicional tom azul chumbo passam a apresentar uma cor esbranquiçada e opaca.
Durante esse estudo, os pesquisadores do Butantan também observaram que, nesta fase, os bebês de cobra-cega emitem sons concomitantemente a estímulos táteis. Ao que parece, existe uma associação entre a emissão desses sons e a liberação de leite, já que o ambiente em que vivem as cecílias é muito escuro (embaixo da terra) e esses animais não são orientados visualmente.
Esse artigo científico sobre a espécie de cecílias ovíparas que produzem esse tipo de leite que foi publicado na Science tem como primeiro autor o biólogo Pedro Luiz Mailho-Fontana (em parceria com outros sete pesquisadores), que fez toda a sua formação acadêmica sob a orientação do pesquisador Carlos Jared (que também assina a pesquisa), diretor do Laboratório de Biologia Estrutural do Instituto Butantan.