Já há muito tempo, a qualidade do ar é uma preocupação no sul da Filadélfia, nos Estados Unidos, onde uma refinaria de petróleo funcionou por mais de 150 anos antes de uma explosão incendiá-la em 2019.
Muitas pessoas do bairro densamente povoado onde ficava a refinaria são de baixa renda e, atualmente, alguns sofrem de asma, câncer, doenças cardiovasculares, artrite reumatoide, diabetes e outros problemas de saúde. “Todos males que operam por meio de um caminho inflamatório”, explica Jane Clougherty, epidemiologista ambiental da Drexel University na Filadélfia, que está trabalhando em um estudo para monitorar a qualidade do ar durante a desmontagem da refinaria.
A exposição crônica à poluição do ar causa inflamação e aumenta o risco de uma série de problemas de saúde, de acordo com um grande e crescente conjunto de pesquisas. À medida que mais incêndios florestais causados pela mudança climática exalam fumaça e as estradas se enchem de cada vez mais veículos que queimam combustíveis fósseis, os cientistas estão começando a desvendar os detalhes de como respirar ar cheio de poluição prejudica a capacidade do sistema imunológico de regular as inflamações.
A pesquisa tem implicações tanto para a assistência médica quanto para a política de saúde, afirmam os especialistas, enfatizando a necessidade de regulamentações mais rigorosas para reduzir a poluição do ar, diretrizes mais claras para proteger as pessoas da exposição, com alertas sobre quando usar máscaras ou ficar em ambientes fechados, e mais pesquisas para intervir nos danos causados por esse tipo de poluição.
“Podemos ver nos noticiários todos os dias que a poluição do ar é um grande problema para todos os países”, diz Juan C. Hernandez, imunologista da Universidade Cooperativa da Colômbia, em Medellín. “É muito importante saber quais são os efeitos reais desses poluentes em nossa saúde.”
A poluição do ar abrange uma série de gases e partículas de tamanho e composição variados que podem ser provenientes de diversas fontes: carros e fábricas que queimam combustíveis fósseis, como gás e petróleo, e fenômenos naturais, como incêndios florestais, vulcões e tempestades de areia. Os componentes da poluição do ar incluem dióxido de enxofre, ozônio, chumbo e material particulado que é categorizado por tamanho, incluindo PM2.5 e PM10.
A queima de combustíveis fósseis também emite substâncias químicas tóxicas. A respiração regular desses poluentes pode levar a problemas de saúde, de acordo com muitos estudos que associaram a exposição crônica à poluição do ar a doenças respiratórias e cardiovasculares, problemas neurológicos, cânceres e morte prematura.
Viver com poluição pode tornar as pessoas mais vulneráveis a doenças infecciosas, possivelmente incluindo a Covid-19. Vários estudos realizados desde 2020 apontaram taxas potencialmente mais altas de infecção, complicações e morte por Covid em locais com níveis mais altos de poluição atmosférica, mesmo quando era temporária. De março a dezembro de 2020, uma análise constatou que houve cerca de 20.000 infecções extras por Covid e 750 mortes extras em partes dos Estados da Califórnia, Oregon e Washington (nos Estados Unidos).
Os incêndios florestais produzem muitas partículas pequenas, chamadas PM2.5, porque agem aerodinamicamente como partículas com diâmetro de 2,5 mícrons ou menos (há cerca de 25.000 mícrons em uma polegada). Outro estudo constatou que a exposição de longo prazo até mesmo a pequenas quantidades de PM2,5 estava associada a um aumento de 8% no risco de morte por Covid.
Respirar ar ruim ativa a inflamação, explica Clougherty. Quando uma partícula de poluição entra no corpo, a resposta imune inata entra em ação, levando à produção de citocinas e outras moléculas que produzem inflamação para combater o invasor. Os vírus e outros invasores estranhos também causam reações inflamatórias, mas, diferentemente dos vírus, as partículas também podem se alojar fisicamente nos pulmões, onde continuam a induzir a produção de moléculas inflamatórias. A poluição também pode levar metais e outras substâncias para a corrente sanguínea, o que pode ter efeitos tóxicos.
Embora uma exposição única que cause inflamação seja um sinal de que o corpo está fazendo o que deve fazer, ela ainda pode causar danos. As maiores preocupações vêm de agressões contínuas. “A exposição aguda à poluição é ruim”, diz Clougherty. “Se elas se acumulam umas sobre as outras, é pior.”
Bombeiro caminha em uma linha de fogo limpando o mato não queimado para evitar que as brasas se espalhem ainda mais em um incêndio na Califórnia (Estados Unidos), em 2021. As partículas dos incêndios florestais causam uma série de problemas de saúde.
Embora estudos tenham demonstrado níveis mais altos de moléculas inflamatórias circulando no sangue de pessoas com exposição de longo prazo a diferentes tipos de poluição do ar, a compreensão dos detalhes tem sido complicada pela variação natural que ocorre no sistema imunológico diariamente, afirma Clougherty. Se alguém estiver resfriado, não tiver dormido bem ou estiver se sentindo particularmente estressado, é provável que apresente níveis elevados de moléculas usadas para marcar a inflamação, como citocinas e proteína C-reativa, ou PCR.
Para obter uma visão mais clara da interação entre a poluição do ar e a inflamação sem todo o ruído decorrente das flutuações da vida, Clougherty e seus colegas coletaram sangue de algumas pessoas de meia-idade e mais velhas da região de Pittsburgh, na Pensilvânia (Estados Unidos) que tinham tido exposições variadas à poluição do ar.
No laboratório, eles conseguiram demonstrar que as células de pessoas com exposição prévia de longo prazo a PM 2,5 e emissões de carbono negro produziam níveis mais altos de determinadas moléculas inflamatórias quando os pesquisadores estimulavam uma reação imunológica. Eles obtiveram respostas particularmente fortes de pessoas que haviam respirado por muito tempo partículas contendo chumbo, ferro, manganês e zinco – metais associados a operações de fabricação de aço.
Esses resultados sugerem que os sistemas imunológicos de pessoas com exposição crônica à poluição do ar podem estar reagindo com uma resposta imunológica desregulada quando confrontados com uma ameaça. Essa resposta inflamatória poderia, por sua vez, levar a doenças cardíacas e pulmonares e outros problemas. “O que podemos estar vendo aqui é uma hiperinflamação”, revela Clougherty. “Você quer que ela seja suficiente para combater o que precisa ser combatido sem que fique fora de controle.”
Partículas de tamanhos variados e gases como o ozônio entram e se movem pelo corpo de maneiras diferentes, descobriram Hernandez e seus colegas em um estudo de 2021. Porém, quando qualquer uma dessas substâncias entra no trato respiratório, no sangue e em outros órgãos, os efeitos se tornam estratificados e inter-relacionados. As partículas pequenas e grandes, por exemplo, podem danificar e matar as células dos pulmões por meio de processos inflamatórios, segundo Hernandez descobriu em seus estudos com animais e com células em experimentos de laboratório.
A morte celular, por sua vez, induz a mais inflamação. À medida que os danos, os contaminantes e a inflamação se acumulam, aumentam os riscos de doenças crônicas e infecções respiratórias, comprometendo a resposta imunológica.
Os cientistas agora estão usando tecnologias avançadas conhecidas como "ômica", bem como o sequenciamento de genes de última geração, para analisar a atividade de centenas de genes ao mesmo tempo. Esse trabalho está ajudando-os a entender as moléculas exatas envolvidas na progressão da exposição à poluição do ar para a inflamação e como essas moléculas interagem umas com as outras, segundo Hernandez. O trabalho pode levar a medicamentos que podem interromper o processo e proteger os pulmões.
Uma forte poluição atmosférica paira sobre o distrito de Dari Ekh Ger, em Ulaanbaatar, na Mongólia.
FOTO DE MATTHIEU PALEYO impacto da poluição do ar sobre a saúde é uma questão de equidade, acrescenta Clougherty. Nos Estados Unidos, os afro-americanos e as pessoas de baixa renda têm maior probabilidade de morar e trabalhar perto de rodovias e áreas industriais, geralmente porque os custos são mais baixos – justamente regiões onde os níveis de poluição do ar são mais altos. Os mesmos grupos também apresentam taxas mais altas de doenças como diabetes, que exacerbam os ataques aos seus sistemas imunológicos, e enfrentam barreiras sistêmicas contra comportamentos que reduzem a inflamação, como exercícios, sono e uma boa dieta.
Uma pesquisa que Clougherty e seus colegas realizaram há mais de 15 anos com centenas de crianças em Boston (no estado de Massachusetts, Estados Unidos) descobriu que essa adversidade amplia uma ligação documentada entre a poluição do ar relacionada ao tráfego e a asma em crianças.
Entre as crianças que viviam com os mesmos níveis de dióxido de nitrogênio – um gás emitido pela queima de combustíveis fósseis – somente aquelas que haviam sido expostas à violência tiveram um aumento nos diagnósticos de asma, sugerindo que seus sistemas imunológicos estavam comprometidos pelo estresse, tornando-as mais vulneráveis aos efeitos da poluição do ar. Desde então, Clougherty replicou o padrão em ratos e está investigando como os estressores crônicos podem piorar os efeitos da poluição do ar em outras doenças também.
A abordagem de questões como a violência, juntamente com os esforços para reduzir a poluição do ar, poderia trabalhar em conjunto para aliviar as consequências de ambos para a saúde, diz ela. “A redução de um ou de outro nos dá mais alavancas de políticas para melhorar a saúde pública e o bem-estar”, explica Clougherty, “e a abordagem de ambos nos traria os melhores benefícios.”
Garotos, alguns asmáticos, jogam futebol em River Rouge, em Detroit, no Michigan (Estados Unidos). Cidade industrial, as emissões atmosféricas de Detroit geralmente estão abaixo dos níveis aceitáveis, o que pode causar uma série de doenças, inclusive asma.
Também é necessária uma ação política para reduzir a fonte do problema, diz Clougherty. A epidemiologista ambiental fez parte de um painel de especialistas que compilou pesquisas para a Agência de Proteção Ambiental dos EUA, que está revisando seus padrões para o nível de segurança de partículas finas no ar. Segundo ela, com base nos dados mais recentes, a agência pode acabar reduzindo esses padrões.
A poluição do ar é um problema global, e todos nós compartilhamos o mesmo ar, diz Hernandez. Ao documentar os efeitos do problema, ele espera que os formuladores de políticas de todos os lugares percebam como a poluição do ar está afetando a inflamação, a saúde e a vida em nosso planeta.
“O melhor caminho é o mais difícil: mostrar aos legisladores as consequências dessa poluição”, explica Hernandez, que acrescenta: “não apenas para a saúde humana, mas para a saúde do meio ambiente e a saúde dos animais.”