Observações recentes feitas pelo Telescópio Espacial James Webb (JWST) revelaram novos detalhes da atmosfera de um planeta distante chamado K2-18 b. Uma análise feita por uma equipe europeia de pesquisadores encontrou uma abundância de metano e dióxido de carbono com muito pouca amônia – uma combinação que sugere que K2-18 b pode ser um tipo de planeta oceânico.
O K2-18b está localizado na distância correta de sua estrela para que a vida seja considerada possível – e a nova análise sugere que outro composto, o sulfeto de dimetila, que é produzido na Terra, também pode estar na atmosfera desse mundo aquoso. Observações posteriores tentarão determinar se o composto realmente está lá e, se estiver presente, será necessário um trabalho adicional para descartar possíveis fontes não vivas do gás.
Mesmo sem vida, o K2-18b está ajudando a revelar uma classe totalmente nova de mundos que são maiores que a Terra, mas menores que Netuno. Nikku Madhusudhan, astrônomo da Universidade de Cambridge, Reino Unido, e principal autor do artigo que anuncia os resultados, já havia teorizado que esses planetas poderiam abrigar oceanos líquidos sob suas atmosferas.
Ele se lembra de ter visto os dados que mostravam a presença de hidrogênio e, ainda mais revelador, de metano e a falta de amônia. A pesquisa sugere que um planeta grande como o K2-18 b só poderia ter essa proporção de gases se a atmosfera estivesse interagindo com a água abaixo.
"Estávamos procurando metano nessas atmosferas de baixa temperatura há uma década, e agora o encontramos. Foi um momento eureca", comemora.
Em 2021, Madhusudhan cunhou a palavra para esses planetas úmidos: Hycean worlds (algo como mundos oceânicos com hidrogênio, em português). Além de ser um tipo intrigante de planeta que não temos no Sistema Solar, esses mundos são pragmáticos para estudar: são maiores do que os mundos rochosos, o que torna mais fácil para um telescópio espacial medi-los com sensores remotos.
O telescópio Webb examinou o planeta durante 2,5 horas, em frente à sua estrela hospedeira, em janeiro e abril. Os instrumentos a bordo examinaram a luz das estrelas que passava pela atmosfera do planeta, fornecendo aos astrônomos pistas espectrais que podem ser usadas para identificar os gases presentes.
O Webb, com um custo de 10 bilhões de dólares na época do lançamento, está provando seu valor para os pesquisadores como uma ferramenta para examinar planetas distantes. Madhusudhan diz que uma observação de cinco horas com o Webb fornece mais dados do que oito observações combinadas com o Telescópio Espacial Hubble, o que levaria anos para ser feito. "É revolucionário", destaca.
Há duas escolas de pensamento proeminentes nas fileiras daqueles que procuram vida alienígena em exoplanetas – aqueles que esperam encontrá-la em um mundo rochoso, como a Terra, e aqueles que querem procurar mundos dominados por oceanos.
O novo estudo fornece novas pistas tentadoras sobre possíveis mundos oceânicos, e o Webb também voltou seu olhar para alvos rochosos. No início deste ano, o telescópio observou os planetas próximos, do tamanho da Terra, Trappist-1 b e Trappist-1 c, revelando que eles provavelmente são rochas sem atmosferas protetoras de CO2, o que torna a vida improvável. As descobertas sugerem que planetas rochosos como esses, que orbitam um tipo de estrela anã fria conhecida por emitir chamas, podem não ser ambientes adequados para organismos vivos.
"É extraordinário que possamos medir isso", destaca Laura Kreidberg, do Instituto Max Planck de Astronomia (Alemanha), uma dos cientistas que estudaram o sistema Trappist-1, em um comunicado. "Há décadas existem dúvidas sobre se os planetas rochosos podem manter atmosferas. A capacidade do Webb realmente nos leva a um regime em que podemos começar a comparar sistemas de exoplanetas com o nosso Sistema Solar de uma forma que nunca fizemos antes."
Embora o novo estudo fortaleça o caso da existência de mundos Hycean, ainda há explicações alternativas. Os mesmos dados do Webb podem produzir resultados ligeiramente diferentes, dependendo de como a análise é feita, o que os cientistas às vezes chamam de "pipeline de análise de dados".
"As pessoas já demonstraram que as abundâncias registradas pelo JWST podem ser muito dependentes do pipeline", diz Sarah Hörst, cientista planetária da Universidade John Hopkins, especializada em química atmosférica e que não participou do novo estudo. "Os cálculos necessários para fazer tal afirmação são altamente sensíveis à quantidade de várias moléculas na atmosfera."
Madhusudhan concorda que mais trabalho precisa ser feito para confirmar os resultados e diz que uma equipe do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa tem tempo reservado no final deste ano para escanear o planeta com o JWST e coletar mais dados. "Este é o início de um longo caminho", diz ele. "Mas um caminho empolgante."
Planetas ricos em água, como o K2-18 b, são bons candidatos na busca por vida extraterrestre – afinal, a água permitiu que a Terra florescesse. Mas mesmo um planeta com um oceano líquido e uma atmosfera rica em carbono não tem a garantia de hospedar organismos – ele precisa ter o tamanho, a temperatura e a distância corretas do Sol, no que os cientistas chamam de "zona habitável".
O K2-18 b orbita uma estrela anã fria na constelação de Leão, um lugar no espaço que se encaixa em todos os critérios da zona habitável. Mas o grande tamanho do planeta – 8,6 vezes a massa da Terra – pode ser contra a vida. Seu interior gelado pode estar envolto por um oceano e uma atmosfera fina, de modo que a água líquida pode estar fervendo na superfície, possivelmente frustrando as ambições de qualquer forma de vida aspirante.
Mas há outra pista nos dados do Webb – a possível presença da molécula sulfeto de dimetila (DMS, na sigla em inglês). O DMS é encontrado na atmosfera da Terra, produzido por enxames de fitoplâncton nos oceanos. É também o composto que torna o cheiro de uma cerveja alemã tão forte.
Por mais empolgante que seja a possibilidade dessa molécula em outro planeta, ainda há um longo caminho a percorrer até que os cientistas tenham certeza. "Não parece que haja evidências convincentes de DMS em seus dados", pondera Hörst.
A equipe de seis pessoas de Madhusudhan tem tempo reservado no início do próximo ano para usar o Instrumento Mid-InfraRed (Miri) do Webb, um espectrógrafo otimizado para detectar DMS, para confirmar ou refutar a presença do elemento. "Pergunte-me no ano que vem", diz ele sobre o tempo previsto para os resultados do Miri.
Na Terra, não se conhece nenhum processo que crie moléculas de DMS, exceto a vida oceânica. Entretanto, em um mundo como o K2-18 b, as condições podem ser adequadas para fontes abióticas e não vivas. "Nossa compreensão da química do enxofre é muito centrada na Terra e em Vênus, que são atmosferas muito diferentes de uma atmosfera dominada pelo hidrogênio [como a de K2-18]", explica Hörst. "Precisamos de muito mais cálculos teóricos e medições laboratoriais para entender quais são os diferentes caminhos possíveis para criar e destruir o DMS em uma atmosfera."
Se o DMS for detectado no K2-18 b, "é hora de os teóricos realmente se envolverem", acredita Madhusudhan. Seu trabalho será executar inúmeras simulações da química do planeta durante a vida útil do K2-18 b, tentando detectar qualquer caminho possível que crie as assinaturas encontradas pelo JWST sem a presença de vida.
"Não precisamos provar que se trata de um biomarcador, porque na Terra ele existe", diz Madhusudhan. Somente quando nenhuma outra explicação for encontrada é que se poderá defender a existência de um oceano vivo no planeta.
A prova da existência de vida extraterrestre é frequentemente retratada com a descoberta de um fóssil marciano, o recebimento de uma transmissão interestelar ou até mesmo uma visita extraterrestre ao gramado da Casa Branca. Mas o momento real em que a humanidade descobre que não estamos sozinhos pode ser vivenciado por um solitário analisador de dados, sentado em frente a uma tela de computador executando modelos complexos de química orgânica.