Um painel de conselheiros da Food and Drug Administration (FDA), a agência regulatória dos Estados Unidos, definiu que a fenilefrina — um fármaco que aparece em vários produtos contra os sintomas de gripe e resfriado — não funciona.
Numa reunião realizada na segunda (11/9) e na terça-feira (12/9), os especialistas concluíram que essa medicação, quando consumida na forma de comprimidos, cápsulas e xaropes, é ineficaz como descongestionante nasal.
No Brasil, essa substância aparece em muitos medicamentos isentos de prescrição, como versões de Benegrip, Resfenol, Cimegripe, Naldecon e Decongex.
A exemplo do que ocorre nos EUA, dezenas de medicamentos com fenilefrina estão registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
As marcas citadas são alguns dos exemplos mais populares de produtos farmacêuticos à disposição no Brasil, mas é possível encontrar o princípio ativo em diversos outros, como descrito em bulas e embalagens.
Esses compostos são costumeiramente utilizados para aliviar os sintomas da gripe, do resfriado e de quadros alérgicos — além da fenilefrina, alguns desses produtos também trazem também princípios ativos contra dor e febre, como paracetamol ou dipirona, por exemplo.
Com o parecer do painel, a FDA agora precisará definir se a substância será retirada do mercado mesmo — segundo o jornal The New York Times, porém, essa decisão pode demorar alguns meses para ser anunciada.
Os representantes da agência regulatória americana também ponderam que, apesar de as evidências apontarem para a inefetividade, o descongestionante é seguro e não faz mal à saúde quando tomado segundo a orientação dos fabricantes.
Por ora, não há qualquer discussão ou previsão oficial sobre suspender (ou não) a fenilefrina no Brasil.
A BBC News Brasil entrou em contato com a Anvisa, mas não foram enviadas respostas até a publicação desta reportagem.
Vale destacar que os argumentos sobre a inefetividade da fenilefrina se referem apenas à medicação oral, tomada na forma de comprimidos, cápsulas ou xaropes. Na avaliação dos participantes do debate, a passagem do princípio ativo pelo sistema digestivo inativaria grande parte da ação dele.
O painel do FDA fez essa diferenciação porque o mesmo remédio pode ser encontrado em forma de spray, aplicado diretamente no nariz. Ele também é utilizado durante cirurgias e para alguns procedimentos oftalmológicos. Nesses casos, a ação terapêutica não entrou na discussão recente.
Entenda a seguir todos os detalhes desse debate.
As infecções respiratórias menos graves — como quadros de resfriado simples ou gripe nos estágios iniciais — costumam ser marcados por uma série de sintomas.
Além de dor, febre e indisposição, a ação de vírus e outros patógenos nas vias aéreas superiores (nariz e garganta) gera uma inflamação. As paredes dessas estruturas ficam inchadas e cheias de edema. O acúmulo de fluídos — o popular catarro — também é comum nessas situações.
A junção das duas coisas (vias aéreas inchadas e excesso de muco) dificulta a passagem do ar. É por isso que um indivíduo resfriado ou gripado — ou aqueles com quadros alérgicos, como a rinite — acaba respirando pela boca, ou tenta desentupir o nariz bloqueado pelo muco a todo custo.
É neste contexto que a fenilefrina atua. Segundo a bula do Resfenol, esse princípio ativo "atua nos receptores pós-sinápticos alfa, causando vasoconstrição [aperto dos vasos sanguíneos], redistribuição do fluxo sanguíneo local e redução do edema da mucosa nasal".
"Dessa forma, a ventilação e a drenagem [do nariz] ficam melhoradas, e a respiração, consequentemente, [é] facilitada", diz o texto.
Mas esse suposto efeito de descongestionar as narinas começou a ser questionado nos Estados Unidos a partir de 2007, quando um grupo de especialistas se manifestou pela primeira vez contra a fenilefrina.
Durante a reunião da FDA realizada nos últimos dias, a médica Theresa Michele, diretora do Escritório de Drogas Isentas de Prescrição da agência, fez uma apresentação sobre as evidências disponíveis até o momento a respeito dessa medicação.
Ela apontou que mais de 242 milhões de unidades de remédios que trazem fenilefrina — são 250 produtos diferentes disponíveis na farmácia — foram vendidas nos EUA apenas em 2022, num mercado que supera os US$ 1,7 bilhão.
Sobre os efeitos clínicos, a conclusão da especialista mostra que os estudos originais, que serviram de base para a liberação de venda deste composto, "tem problemas metodológicos e estatísticos significativos e não atendem aos padrões dos estudos atuais".
Ainda segundo Michele, "os novos dados [sobre a fenilefrina] não fornecem evidências que, nas doses testadas, a fenilefrina oral é efetiva como descongestionante nasal".
De acordo com as análises, o fármaco não teve um efeito superior ao placebo — um comprimido sem nenhuma ação terapêutica.
A avaliação apresentada por ela conclui que doses de 40 miligramas do fármaco "podem não ser efetivas", e que dosagens maiores "podem apresentar uma preocupação de segurança".
A farmacêutica Maria Coyle, que liderou o painel e é professora da Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos, pontuou que "existem opções melhores entre os medicamentos isentos de prescrição para ajudar os pacientes".
"Se você estiver com o nariz entupido e tomar esse remédio, ainda continuará com o nariz entupido", complementou o farmacêutico Leslie Hendeles, da Universidade da Flórida, também nos EUA.
Assim que a decisão dos especialistas sobre a fenilefrina foi divulgada, a Associação de Produtos de Cuidados com a Saúde do Consumidor (CHPA), dos Estados Unidos, divulgou um posicionamento.
"A fenilefrina oral é considerada um descongestionante nasal que traz benefícios às famílias americanas há décadas, e a FDA concluiu diversas vezes que o produto é seguro e eficaz", diz o texto.
O CHPA pede que o painel da agência reconheça "os benefícios do princípio ativo e seu papel na saúde pública".
O órgão ainda alerta para as "consequências indesejadas associadas à remoção da fenilefrina oral da lista de medicamentos isentos de prescrição".
"Em vez de recorrer a este medicamento, os consumidores precisariam encontrar tempo para procurar ajuda de um farmacêutico, um médico ou uma clínica para obter um descongestionante oral. Além disso, alguns consumidores indicam que podem atrasar ou renunciar ao tratamento, o que pode levar a piores resultados clínicos, como progressão para sinusite aguda e aumento da procura de consultas médicas e clínicas ao longo do tempo", aponta a entidade.
O CHPA lembra que a segunda opção terapêutica para desentupir o nariz é a pseudoefedrina, que nos EUA tem a venda mais controlada, com necessidade de mostrar documentos de identificação na hora da compra na farmácia — isso porque essa substância é usada na fabricação da metanfetamina, uma droga clandestina.
No Brasil a pseudoefedrina aparece em algumas formulações, também vendidas sob prescrição médica.
A BBC News Brasil procurou as entidades representativas do setor e as farmacêuticas detentoras de produtos que trazem a fenilefrina para que elas pudessem contribuir neste debate.
Em nota, a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para o Autocuidado em Saúde (Acessa), afirmou que "está atenta à recente discussão e revisão da eficácia da fenilefrina oral".
"A Acessa destaca a importância da segurança do consumidor e reafirma que os medicamentos isentos de prescrição (MIPs) contendo fenilefrina, amplamente utilizados para o alívio de sintomas da gripe e resfriado comuns, como febre, dor, coriza e congestão nasal, tiveram sua segurança comprovada pela Anvisa e continuam disponíveis no mercado brasileiro."
"Continuaremos a monitorar de perto esta situação em evolução e a colaborar com a Anvisa para garantir que as melhores decisões sejam tomadas em prol da saúde e do bem-estar dos consumidores", diz o texto.
"Como ainda não há uma decisão sobre o tema, à medida que mais informações forem disponibilizadas pela FDA e outras agências reguladoras, estaremos preparados para avaliar de forma proativa e apropriada, fornecendo orientações claras e precisas aos consumidores sobre o uso seguro e eficaz de produtos de autocuidado", finaliza a associação.
A Hypera Pharma (fabricante do Benegrip) remeteu por e-mail o mesmo texto enviado pela Acessa.
Hertz Farma (Resfenol), Cimed (Cimegripe) e Reckit Benckiser Brasil (Naldecon) não enviaram respostas.
A Aché, responsável por Decongex, afirmou que não participaria da reportagem.
Como mencionado anteriormente, a conclusão do painel da FDA não significa que o medicamento será retirado imediatamente das prateleiras das farmácias.
A agência ainda precisará bater o martelo sobre a questão, o que pode demorar meses.
Também não há qualquer perspectiva de que um eventual banimento ocorra no Brasil, segundo o que foi divulgado pelos órgãos sanitários do país até o momento.
Os especialistas disseram que a fenilefrina oral é inefetiva, mas ela não traz danos e não está relacionada a efeitos colaterais dignos de nota se tomada segundo a orientação dos fabricantes.
Além disso, a presença de outros princípios ativos no mesmo comprimido ou cápsula ajuda a tratar outros sintomas que costumeiramente vêm junto do nariz entupido, como dor e febre.
Além das soluções farmacológicas, as instituições de saúde também indicam algumas outras intervenções que podem ajudar a desentupir o nariz.
O Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS, na sigla em inglês) orienta que as pessoas com congestão nasal façam repouso, bebam bastante água, não fumem, evitem substâncias que engatilham quadros alérgicos e limpem as narinas com regularidade.
Lavar o nariz com soluções de soro fisiológico, aliás, é uma orientação de rotina dos médicos.
A Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai) explica que, especialmente quando o tempo está frio e seco, o ar pode passar pelo sistema respiratório com temperatura e umidade abaixo do adequado.
Com isso, as vias aéreas acabam prejudicadas e mais propensas a crises de alergia. Ao umidificar o nariz com uma solução salina, é possível manter um ambiente mais "amigável" para que a respiração ocorra sem entupimentos pelo caminho.
De acordo com a associação, a higienização rotineira melhora os sintomas de congestão ao "retirar alérgenos, umidificar o local e diminuir a viscosidade do muco".
A entidade reforça que essa "faxina" de rotina deve ser feita apenas com solução salina: alguns sprays nasais contêm corticoides, fármacos que devem ser usados por poucos dias e apenas depois de uma avaliação médica.