Um show do Blur se esgota em dois minutos, enquanto a turnê do The Cure bate recordes de público. Os comerciais do McDonald's são estrelados por Grimace (mais conhecido como Shake no Brasil). Filmes de personagens de sua infância são recordes de bilheterias, músicas e ritmos de décadas passadas estão entre os mais escutados.
Em que ano estamos? – você pergunta. Não, não é 2000. Estamos em 2023. Será que não temos mais ideias novas? Ou será que preferimos apenas repetir e revisitar coisas que já conhecemos e amamos?
A nostalgia ou a experiência de relembrar com amor e saudade o passado parece estar saturando nossa cultura atual, principalmente nas telas de cinema e TV. Os fabricantes de mídia têm apostado alto na nostalgia. E, até o momento, isso tem se mostrado uma delícia para as massas.
Superficialmente, parece simples: evocar sentimentos agradáveis de nosso passado nos faz sentir bem. Mas há muito mais em jogo.
"Consumir mídia nostálgica de todos os tipos nos dá uma maneira de pensar sobre quem somos e nos ajuda a entender nosso propósito na vida", analisa Krystine Batcho, professora de psicologia da LeMoyne College e pesquisadora de nostalgia de longa data.
Batcho vem estudando a nostalgia desde a década de 1990, chegando a desenvolver um “Inventário de Nostalgia” que avalia a propensão do indivíduo à nostalgia. Ela diz que tem visto uma explosão de pesquisas sobre nostalgia nos últimos anos, pois os cientistas querem cada vez mais entender o que faz a nostalgia funcionar, ou melhor, como a nostalgia nos faz funcionar.
Em 2014, foi publicado um livro sobre mídia e nostalgia. Em fevereiro passado, uma edição completa da revista científica Current Opinion in Psychology foi dedicada à nostalgia.
Ziyan Yang, professor do Instituto de Psicologia da Academia Chinesa de Ciências, explica que, ao sentir nostalgia, as pessoas têm uma sensação de calor, carinho e pertencimento, e até mesmo uma espécie de viagem mental no tempo, o que pode levar as pessoas a buscar a nostalgia. Yang afirma que filmes e músicas provocam facilmente a nostalgia e que as experiências nostálgicas podem ser particularmente reconfortantes em tempos difíceis, sejam eles pessoais ou globais. Batcho concorda.
"A mídia familiar de nosso passado nos traz conforto emocional, mas também atende a uma necessidade cognitiva: ela incentiva a crença de que as coisas vão melhorar porque já foram boas antes", comenta Batcho.
Muitos pesquisadores acreditam que a pandemia de Covid-19 impulsionou o recente aumento do comportamento de busca de nostalgia. Como a nostalgia pode nos ajudar a nos sentirmos melhor, e a mídia é uma fonte potente de nostalgia, o consumo de mídia que induz à nostalgia aumenta em tempos de crise, de acordo com um artigo publicado na revista Psychology of Popular Media.
No entanto, a nostalgia não se limita a satisfazer nossa vontade de nos sentirmos aconchegados e confortados; ela também nos ajuda a processar nossa situação atual.
"A nostalgia é uma forma de lidar com coisas como o isolamento social ou a desconexão, a solidão", disse Batcho. "Tempos de adversidade podem desencadear a nostalgia porque lembrar quem éramos ajuda na continuidade de nossa identidade."
A nostalgia serve a vários propósitos psicológicos importantes, afirma Batcho.
Um deles é a necessidade de sentir que estamos no controle. Mesmo que nossas circunstâncias estejam fora de nosso controle, a nostalgia pode nos ajudar a sentir que pelo menos temos algum controle sobre nosso próprio desenvolvimento pessoal.
Outra necessidade que a nostalgia nos ajuda a satisfazer é a conexão social. Isso pode parecer contraintuitivo, já que a nostalgia normalmente envolve uma reflexão particular sobre nossa história pessoal, mas as lembranças nostálgicas nos fazem lembrar de nossos relacionamentos com outras pessoas. Batcho diz que as lembranças nostálgicas podem nos incentivar a buscar apoio social e emocional, pois frequentemente apresentam pessoas importantes do nosso passado.
Grande parte da nostalgia remete a períodos da infância. Batcho diz que um grande motivo para isso é que "na infância éramos amados simplesmente por sermos quem éramos".
O que toda essa nostalgia está fazendo com nossos cérebros?
Muita coisa, ao que parece. E, felizmente, a maior parte é positiva. Pesquisas descobriram que a nostalgia pode aumentar nossa sensação de bem-estar, impulsionar a inspiração e a criatividade, fazer com que nos sintamos mais jovens, alertas, otimistas e enérgicos, e até mesmo nos incentivar a assumir riscos e perseguir nossos objetivos.
Yang e seus colegas de pesquisa descobriram recentemente que a nostalgia pode reduzir nossa percepção da dor e aumentar nossa capacidade de detectar ameaças. Quanto ao alívio da dor, foram realizados dois estudos para examinar o efeito analgésico da nostalgia. No primeiro, uma pessoa olhava para fotos nostálgicas e sentia alívio da dor térmica de baixo nível. Mas quando os pesquisadores pediram aos indivíduos que refletissem sobre um evento do passado, eles sentiram alívio tanto da dor térmica alta quanto da baixa.
Yang também descobriu que as áreas cerebrais ativas durante as experiências nostálgicas são aquelas associadas à autorreflexão, à memória autobiográfica, à regulação emocional e ao processamento de recompensas. Isso significa que a nostalgia está regulando nossa atividade cerebral nessas áreas, agindo como um amortecedor contra várias ameaças psicológicas e físicas. Em outras palavras, estamos fazendo muito mais do que apenas recordar uma lembrança agradável.
Em geral, a nostalgia é considerada uma experiência emocional contraditória. Mesmo com lembranças felizes, a nostalgia pode ser tanto doce quanto azeda. Ao mesmo tempo em que você sente conforto e calor em relação à lembrança em si, também pode sentir tristeza porque essa experiência se foi.
"As lembranças da nostalgia nem sempre são boas. Às vezes, elas são agridoces ou até mesmo tristes", explicou Yang. "Mas mesmo as lembranças ruins que vêm à mente parecem ser mais positivas porque as vemos por meio de um filtro cor-de-rosa."
Não estamos apenas sentindo saudades do passado, estamos nos lembrando de uma versão romantizada do nosso passado.
De acordo com Batcho, há uma razão para que nossas lembranças se tornem mais agradáveis com o passar do tempo, isso porque as partes negativas tendem a desaparecer mais rapidamente. Veja a paternidade, por exemplo.
"Lembrar-se das coisas como se fossem melhores do que eram serve a um propósito evolutivo. Se as pessoas se lembrassem das coisas fielmente ao original, a maioria das mulheres jamais desejaria ter mais de um filho", exemplifica Batcho, rindo. "É uma função da sobrevivência da espécie podermos encobrir as partes ruins do passado."
Então, será que existe nostalgia demais? É possível que sim.
Como uma fuga temporária, a nostalgia proporciona um alívio muito necessário que pode nos sustentar em tempos difíceis. Ela pode se tornar negativa se você ficar preso a ruminar o passado.
Mas, em geral, a nostalgia é um componente saudável e até vital da experiência humana. Em sua essência, a nostalgia ajuda a nos guiar de volta ao nosso eu autêntico, lembrando-nos de quem sempre fomos destinados a ser.