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No admirável mundo novo da medicina bioeletrônica surge esperança para variados tratamentos. Por exemplo, a estimulação do cérebro por meio do envio de pulsos leves de energia elétrica pelo nervo vago no pescoço pode ajudar a aliviar os sintomas do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), que é notoriamente difícil de tratar.
Ao contrário de alguns dispositivos de estimulação do nervo vago (VNS, na sigla em inglês) que são implantados cirurgicamente, o VNS transcutâneo (tcVNS), que é usado para o TEPT, não é invasivo e é indolor. O dispositivo é simplesmente segurado contra a lateral do pescoço ou contra a orelha, e a estimulação elétrica é fornecida através da pele.
Os resultados dos ensaios clínicos já foram tão promissores que, em 2022, a Food and Drug Administration (FDA) – agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos – concedeu a um estimulador do nervo vago portátil e não invasivo a designação de "dispositivo inovador" para o tratamento de TEPT. O dispositivo gammaCore já é usado para o tratamento de enxaquecas.
A designação de "inovador" não é o mesmo que aprovação total da FDA. Significa que a agência dará prioridade a uma eventual aprovação "porque analisou os estudos e disse que isso parece promissor", pondera J. Douglas Bremner, psiquiatra e médico de medicina nuclear da Faculdade de Medicina da Universidade Emory, em Atlanta (EUA), cujos estudos levaram à designação de avanço para o uso do gammaCore para TEPT. "É empolgante porque se trata de uma classe de tratamento totalmente nova."
Pesquisadores do Feinstein Institutes for Medical Research em Manhasset, Nova York, estão atualmente conduzindo um ensaio clínico para testar um dispositivo VNS auricular para TEPT em socorristas que trabalharam no resgate às vítimas do 11 de setembro, no World Trade Center. "Ainda estamos vendo um número significativo de pessoas lutando contra o TEPT decorrente dos eventos do 11 de setembro", diz Rebecca Schwartz, psicóloga de pesquisa clínica e professora associada do Feinstein Institutes. "O feedback que recebemos até agora é que o [dispositivo] é realmente fácil de usar."
É provável que o VNS seja mais útil como um tratamento complementar, dizem os especialistas. A terapia de exposição, na qual os psicólogos criam um ambiente seguro no qual expõem as pessoas com TEPT a coisas que elas temem e evitam, "é o padrão ouro para o tratamento do TEPT, mas não funciona para todos", diz Christa McIntyre, neurocientista da School of Behavioral and Brain Sciences da Universidade do Texas, em Dallas. E algumas pessoas com TEPT não querem fazer a terapia de exposição, que tende a ser muito intensa.
"Há muita esperança no horizonte para o uso do VNS para o TEPT, mas mais pesquisas precisam ser feitas", destaca McIntyre.
O nervo vago ajuda a regular a digestão, a frequência cardíaca, a respiração, bem como a atividade vasomotora e certas ações reflexivas, como espirrar ou tossir.
A estimulação do nervo vago foi inicialmente aprovada em 1997 como terapia adjuvante para epilepsia resistente a medicamentos. Desde então, a FDA a aprovou para tratar depressão resistente a medicamentos, enxaqueca e recuperação de derrame. Ela também está sendo investigada como tratamento para outras condições neurológicas e inflamatórias.
Há dois nervos vagos, um no lado esquerdo e outro no lado direito do pescoço. Eles fazem parte do sistema nervoso parassimpático, geralmente chamado de sistema de "descanso e digestão" porque ajuda o corpo a relaxar após períodos de estresse ou perigo e regula as funções corporais, como digestão e frequência cardíaca. Os nervos vagos também servem de ponte entre o cérebro e os órgãos periféricos e desempenham um papel crucial na memória, emoção e dor, entre outras funções corporais.
No TEPT, o sistema nervoso simpático, que é responsável pela resposta de luta ou fuga, torna-se cronicamente superativado, explica Bremner. Além disso, "no TEPT, quando as pessoas sofrem estresse, elas têm uma liberação exagerada de marcadores inflamatórios, especialmente citocinas que vão para o cérebro e têm efeitos comportamentais".
Um estudo publicado em uma edição de 2022 da revista Molecular Psychiatry descobriu que outros marcadores inflamatórios – proteína C-reativa, interleucina 6 e fator de necrose tumoral – também estavam significativamente aumentados em pessoas com TEPT, em comparação com pessoas sem o transtorno.
Estimular o nervo vago com pulsos elétricos ativa o sistema nervoso parassimpático, que então "bloqueia a resposta do sistema nervoso simpático, reduzindo a frequência cardíaca, a frequência respiratória e a pressão arterial, bem como a resposta inflamatória ao estresse que ocorre com o TEPT", observa Bremner. De fato, um estudo publicado em uma edição de 2020 da revista Neurobiology of Stress descobriu que o uso do tcVNS acalma a hiperatividade do sistema nervoso simpático que ocorre durante memórias traumáticas e estresse mental em pessoas com TEPT.
Um estudo, publicado em uma edição de 2021 do Journal of Affective Disorders Reports, descobriu que quando as pessoas com TEPT usaram o tcVNS por três meses, elas apresentaram 31% menos sintomas em comparação com o tratamento simulado. Elas também apresentaram menos inflamação ao responder ao estresse.
Um estudo publicado na edição de 2020 do periódico Brain Stimulation descobriu que o uso do VNS aliviou os sintomas de trauma e a reatividade nas áreas límbicas e em outras áreas cerebrais envolvidas no estresse em pessoas com histórico de trauma psicológico enquanto ouviam roteiros personalizados e emocionalmente estressantes que descreviam situações traumáticas, conforme medido com tomografia por emissão de pósitrons (PET, na sigla em inglês).
Entre as condições de saúde mental, o TEPT é particularmente difícil de tratar por vários motivos. Por um lado, o transtorno tem uma miríade de sintomas que se enquadram em quatro categorias amplas e, muitas vezes, é difícil encontrar um único tratamento que aborde todos eles: Pensamentos intrusivos ou flashbacks; barreiras que lembrem a pessoa do evento traumático; pensamentos distorcidos ou paranoicos e sentimentos mais negativos; hiperexcitação e hiperreatividade, como se assustar facilmente ou ter dificuldade para dormir.
Outro desafio é que o TEPT é uma resposta ao trauma, que pode reprogramar a maneira como o sistema nervoso de uma pessoa funciona, diz Valentina Stoycheva, psicóloga, proprietária e diretora do Steps (Stress & Trauma Evaluation and Psychological Services), na cidade de Nova York. "No TEPT, o sistema nervoso simpático e o sistema nervoso parassimpático se desequilibram em favor da criação de um estado de hiperativação e hipervigilância ou de um desligamento em meio a eventos que causam superestimulação."
Nesses casos, o sistema nervoso parassimpático, que normalmente freia a atividade do sistema nervoso simpático, não consegue ajudar a pessoa a se acalmar. Como resultado, uma pessoa com TEPT pode "deixar de responder adequadamente ao seu ambiente – ela pode perceber estímulos inócuos como altamente perigosos ou ter emoções baseadas em momentos que exigem afeto mais intenso", explica Stoycheva. "Muitos sobreviventes de traumas relatam reações exageradas ou que vão de zero a 100 em sua experiência de ansiedade ou raiva, mesmo que o gatilho seja desproporcionalmente pequeno em relação à sua reação." Segundo os especialistas, é difícil controlar esse aspecto do TEPT.
O trauma pode ter muitas origens diferentes, e os especialistas dizem que a VNS transcutânea pode ser usada com eficácia por pessoas com TEPT decorrente de uma variedade de eventos traumáticos, incluindo combate, acidentes automobilísticos, ser vítima de crime ou abuso na infância, entre outros.
Com o dispositivo auricular, "os efeitos colaterais são quase inexistentes", ressalta Theo Zanos, pesquisador de medicina bioeletrônica e professor associado dos Institutos Feinstein. "É quase como colocar uma cápsula no ouvido – você não a sente", acrescenta Schwartz. Por outro lado, o dispositivo transcutâneo que é pressionado contra o pescoço pode causar rouquidão temporária quando o estimulador está disparando.
Infelizmente, neste momento, a maioria dos planos de saúde dos EUA não está pagando por dispositivos portáteis como o gammaCore para o tratamento de TEPT, diz Bremner. Mas "podemos prescrevê-lo para o TEPT".
É improvável que a VNS possa aliviar todos os sintomas associados ao TEPT, além de não ser vista como uma possível cura. É mais provável que ajude com os sintomas de hiperexcitação, hipervigilância, aumento da ansiedade e insônia, dizem os especialistas. Um estudo publicado na edição de abril de 2023 do Journal of Sleep Research descobriu que o uso do tcVNS por uma hora depois de apagar as luzes na hora de dormir resultou em melhor profundidade e estabilidade do sono em veteranos com TEPT.
E as pessoas com sintomas de ansiedade autonômica relacionados à resposta de luta ou fuga, como dor de estômago, náusea, dor abdominal, frequência cardíaca acelerada ou boca seca, seriam boas candidatas à VNS, diz Bremner.
A VNS também pode ajudar a reverter as respostas condicionadas ao medo. Em um estudo publicado na edição de 2019 da revista Stress, McIntyre e seus colegas usaram o condicionamento pavloviano do medo – tocando um som e, em seguida, aplicando um choque na pata de ratos, o que provocou congelamento, um sinal comportamental de medo. Eles descobriram que o uso da VNS aumentou a extinção do medo condicionado e reduziu a ansiedade em ratos com TEPT.
"A VNS pode ser usada como um complemento à terapia de exposição. Acreditamos que o uso da VNS durante a terapia de exposição poderia ajudar as pessoas a explorar as memórias traumáticas e aumentar o armazenamento de novas memórias", explica McIntyre.
Também não é um substituto para a medicação. "Não tiramos as pessoas dos medicamentos para o TEPT e adicionamos o tcVNS", explica Bremner, professor de psiquiatria e radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Emory. "Os medicamentos para o tratamento do TEPT são limitados e nem todos os tratamentos medicamentosos são totalmente eficazes." Em seu trabalho na Clínica de Veteranos de Atlanta, Bremner diz que há salas cheias de pessoas que estão tomando medicamentos e não obtêm alívio do TEPT.
A esperança é que, com a estimulação do nervo vago, uma pessoa com TEPT possa voltar a um estado emocional mais calmo e regulado, o que lhe permitiria tratar de outros sintomas por meio de terapia ou talvez ter uma resposta melhor à medicação.
"Onde quer que você estimule o nervo vago, ele está tendo efeitos benéficos", diz Bremner. "A VNS também promove a cognição e a função de memória, e reduz os sintomas de abstinência em pessoas viciadas em opioides. Acho que isso pode fazer uma grande diferença para pessoas com TEPT."
