As orcas, ou baleias assassinas, são conhecidas por sua inteligência e por suas notáveis técnicas de caça: seja virando grandes tubarões brancos de cabeça para baixo ou trabalhando em cooperação para derrubar grandes baleias. E uma população de orcas ao largo da Península Ibérica vem chamando a atenção nos últimos três anos – e causando angústia entre os marinheiros – ao atacar e até mesmo afundar barcos na região.
O primeiro ataque registrado ocorreu no Estreito de Gibraltar em maio de 2020, com dezenas de casos registrados desde então. A maioria dos incidentes é notavelmente consistente, geralmente envolvendo um pequeno grupo de baleias atacando os lemes de pequenos veleiros antes de se separar e nadar para longe.
Em junho e novembro de 2022, dois ataques causaram o afundamento de dois barcos; no início deste mês, um barco muito danificado afundou enquanto estava sendo rebocado para a costa.
Um artigo recente publicado na revista Marine Mammal Science descobriu que os ataques envolveram nove baleias em dois grupos: um trio, às vezes um quarteto, de jovens; e um grupo de idade mista liderado por uma fêmea madura chamada White Gladis. Como ela era a única fêmea madura envolvida, os autores do artigo especularam que a baleia havia se acidentado com um barco e se envolveu em um comportamento de retribuição, que foi então copiado pelas baleias mais jovens.
"Quando isso começou a acontecer, pensei que talvez uma fêmea ou seu filhote tivesse sido atingido por uma hélice ou pelo leme de um barco, porque todas as vezes elas parecem ir para o leme. E tudo isso acontece em barcos a vela", diz Dan Olsen, biólogo de campo da North Gulf Oceanic Society, no Alasca, EUA.
No entanto, nem todo mundo está convencido de que as ações das orcas tenham alguma intenção malévola. Notavelmente, o foco delas é muito específico nos barcos; nenhuma demonstrou interesse nas pessoas a bordo, mesmo quando essas pessoas tiveram que se arrastar para os botes salva-vidas quando suas embarcações começaram a afundar.
"Acho que é igualmente razoável sugerir que elas estão fazendo isso porque podem, porque é divertido", diz Hanne Strager, cofundadora do Andenes Whale Center, na Noruega, e autora do livro The Killer Whale Journals, publicado recentemente.
Strager conversou com um biólogo que estava a bordo do barco que afundou em novembro, "e ele disse: 'não sentimos nenhuma agressão'. E, para mim, esse é de fato um forte testemunho. Porque eu acho que quando você interage regularmente com animais e está acostumado a lê-los, você pode sentir uma intenção agressiva, e eles não sentiram".
Se as orcas estiverem realmente brincando, isso pode sugerir que, com o tempo, os ataques a barcos podem acabar quando as baleias ficarem entediadas. Populações de orcas em todo o mundo foram observadas adotando um novo comportamento sem nenhuma razão óbvia, além do fato de parecerem estar gostando dele e, de repente, abandonando-o e partindo para outra coisa. Os pesquisadores de orcas chamam essas rotinas de brincadeiras de "modismos".
Olsen, por exemplo, observou orcas ao largo do Alasca brincando com um pedaço de alga por uma hora: arrastando-o em suas nadadeiras, largando-o, dando a volta e, em seguida, pegando-o com os dentes e nadando com ele mais um pouco. Strager observou comportamentos semelhantes em orcas na costa da Noruega.
"Por um tempo, nós as vimos brincando com águas-vivas", diz ela. "As baleias nadavam com elas em seus focinhos e tentavam mantê-las por tanto tempo quanto possível."
Não há nenhum benefício nesse comportamento, e as orcas não estavam comendo as águas-vivas, observa Strager.
"Às vezes, também as vemos bater em pequenos auks (pássaros do Ártico), que apenas se deitam na superfície do mar para descansar. E as orcas os vêem e batem neles, o que elas acreditam ser também uma forma de brincadeira”, acrescenta.
Olsen questiona se algum dia entenderemos de fato a motivação por trás do comportamento, ou se realmente temos a capacidade de descobri-la.
"O cérebro das baleias vem evoluindo separadamente há 50 milhões de anos", diz Olsen. "É difícil colocar uma baleia em uma ressonância magnética, nem mesmo sabemos quais partes do cérebro são dedicadas a cada atividade. Já é difícil explicar o comportamento dos seres humanos e dos primatas que estão intimamente relacionados a nós."
Apenas essa população de baleias demonstrou interesse em atacar barcos, e é uma população pequena: o artigo da Marine Mammal Science citou uma estimativa de apenas 39 animais.
A população dessa região está ameaçada, diz Strager, pela pesca do atum, poluição, ruído e, de fato, ataques de navios.
"Elas estão entre os mamíferos marinhos mais poluídos do mundo, portanto, seu sucesso reprodutivo não é bom. É um ambiente muito estressante para essas baleias", diz ela.
E agora, além dos fatores de estresse existentes, há a perspectiva de retaliação.
"Agora elas estão se tornando temidos na região", observa Strager, "e há relatos de pessoas sugerindo que você deve jogar diesel em cima delas se eles atacarem seu barco, que você deve colocar fogos de artifício na água ou acender dinamite. Entendo que as pessoas tenham medo. Mas é realmente uma situação muito perigosa para as baleias assassinas".
Um grupo local, o Atlantic Orca Working Group, cataloga as interações entre baleias e barcos para que os marinheiros possam saber quais áreas devem ser evitadas.