O que faz um lobo decidir atacar por conta própria ou afirmar a liderança de sua alcateia? Esta é uma questão que intriga os cientistas há muito. Agora, um novo estudo mostra que os lobos cinzentos infectados com o parasita toxoplasma gondii são mais propensos a se tornar líderes do que os lobos não infectados.
A descoberta nos obriga a pensar mais amplamente sobre o que influencia a forma de agir dos animais, diz a coautora do estudo Kira Cassidy, bióloga da vida selvagem do Projeto de Lobo da Yellowstone, uma organização sem fins lucrativos com sede em Montana, nos Estados Unidos, que supervisiona pesquisas sobre os predadores no Parque Nacional de Yellowstone.
“Sabemos que o comportamento é influenciado pelos mais diversos fatores, incluindo experiências passadas, genética, circunstâncias atuais e contexto social”, diz ela. “Agora também podemos incluir parasitas a essa lista.”
Toxoplasma gondii é um parasita unicelular que constantemente infecta pelo menos um terço da população humana mundial com a doença toxoplasmose. Embora a infecção seja geralmente leve, pode ser fatal para os jovens ou imunossuprimidos.
O toxoplasma só pode se reproduzir no intestino de gatos domésticos ou selvagens, mas é amplamente distribuído na natureza e pode infectar qualquer animal de sangue quente. Também é famoso por sua capacidade de manipular seus hospedeiros, principalmente por tornar os roedores temerários em torno de gatos domésticos.
Encontrada em todo o mundo, a toxoplasmose gondii é um protozoário unicelular que pode infectar quase todos os animais de sangue quente.
Para o novo estudo, publicado recentemente na Communications Biology, Cassidy e seus colegas se basearam em 26 anos de dados comportamentais e amostras de sangue de lobos de Yellowstone, desde o momento em que eles foram reintroduzidos no parque em 1995. Eles também analisaram a distribuição espacial de pumas no parque e amostras de sangue dos grandes felinos, conhecidos como hospedeiros do toxoplasma.
Os resultados mostraram que os lobos que compartilham território com pumas eram mais propensos a serem infectados com toxoplasma do que os lobos sem vizinhos felinos. Além disso, os lobos que testaram positivo para o parasita tiveram 11 vezes mais chances de se dispersar de sua alcateia e 46 vezes mais chances de se tornar líderes do que os lobos não infectados.
Essas descobertas não foram tão surpreendentes para Gregory Milne, epidemiologista do Royal Veterinary College, em Londres, no Reino Unido, que não esteve envolvido no estudo. “É bastante consistente com o que sabemos sobre toxoplasmose em outros animais”, diz ele. “Isso é adicionado ao crescente corpo de evidências de que esse parasita pode causar mudanças significativas de comportamento”.
Um animal pode se infectar com o toxoplasma comendo outro animal infectado ou através do contato com cistos semelhantes a ovos do parasita que são eliminados nas fezes do gato.
Se o parasita se encontra em um hospedeiro não felino, pode se instalar em diferentes áreas do corpo, incluindo o cérebro, e persistir lá por anos. Isto acontece porque o parasita precisa acabar no intestino de um gato para se reproduzir e tem desenvolvido maneiras inteligentes de consegui-lo.
Por exemplo, os roedores infectados com o parasita são mais ativos e menos medrosos perto de predadores, como um gato doméstico, levando o parasita para sua casa preferida. Notavelmente, os camundongos e ratos infectados com toxoplasma até perdem o medo do cheiro de urina de gato e ainda podem ser atraídos pelo cheiro.
Muitas das descobertas em roedores vêm de estudos de laboratório cuidadosamente controlados, e as pesquisas sobre o impacto da infecção por toxoplasma na natureza são muito recentes.
Toxoplasma gondii só pode se reproduzir no sistema digestório de gatos, selvagens ou domésticos. Acima, um gato Sphynx (ou gato pelado canadense) em uma exposição de gatos na Inglaterra.
Um estudo descobriu que chimpanzés infectados com toxoplasma são atraídos pela urina de leopardos, seus predadores naturais. Segundo o coautor de outro estudo, Eben Gering, biólogo evolutivo da Universidade Nova Southeastern, na Flórida, Estados Unidos, os pesquisadores mostraram que os filhotes de hiena-malhada infectados têm maior probabilidade de chegar perto dos leões, e ser mortos por eles.
“Estamos apenas começando a arranhar a superfície de como os efeitos comportamentais da infecção por toxoplasmose – já conhecidos em roedores, confirmados em animais selvagens e agora observados em animais altamente sociais como hienas e lobos – influenciam a dinâmica de grupo e os comportamentos que têm consequências ecológicas”, acrescenta o biólogo.
O acúmulo de evidências sugere que as pessoas com toxoplasmose correm mais riscos do que aquelas que não estão infectadas, por exemplo, ao dirigir de forma mais perigosa, o que geralmente leva a acidentes de trânsito fatais.
No entanto, os efeitos nem sempre são negativos: em um estudo com estudantes universitários e profissionais de negócios, os infectados com toxoplasma tinham maior probabilidade de se formar em negócios ou abrir suas próprias empresas. E em países com taxas mais altas de infecção, as pessoas eram menos propensas a citar o medo do fracasso como motivo para assumir uma nova atividade empreendedora.
Não se sabe exatamente como o parasita, parente distante da malária, causa essas alterações nos mamíferos. Milne diz que existem algumas evidências de que o parasita pode afetar neurotransmissores, como a dopamina, ou hormônios, como a testosterona. Também é possível que o parasita cause inflamação de baixo grau, influenciando no comportamento.
Seja qual for o mecanismo, está ficando claro que os parasitas, particularmente o toxoplasma, desempenham um papel significativo e subestimado na vida dos animais. Os cientistas estimam que cerca de 40% das espécies animais são parasitas e provavelmente compreendem a maioria das espécies ainda não descobertas.
“Este parasita pode influir no nosso comportamento de maneiras que uma pessoa comum ainda não poderia imaginar”, diz Gering.