A alta velocidade no processamento do material genético viral foi possível graças à adaptação para o vírus de uma técnica de metagenômica rápida desenvolvida durante o doutorado da pesquisadora Ingra Morales Claro, bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O trabalho foi coordenado pela professora da Universidade de São Paulo (USP) Ester Sabino, que também esteve à frente do primeiro sequenciamento do SARS-CoV-2, vírus causador da Covid-19, no país, em março de 2020, e dos primeiros casos da variante Gama, surgidos em Manaus cerca de um ano depois.
A equipe divulgou os resultados na quinta-feira (9) na plataforma Virological, site em que cientistas de todo o mundo compartilham informações sobre agentes causadores de doenças em tempo real.
“Recebemos a amostra de um paciente internado no Hospital Emílio Ribas às 16 horas de terça-feira (7) e, às 10 horas da manhã seguinte, o genoma do vírus, que tem quase 200 mil pares de bases [bem mais que as 30 mil do SARS-CoV-2], estava sequenciado e analisado. A metodologia que desenvolvemos é, em média, 45% mais rápida do que as técnicas de metagenômica convencionais. E o custo também é menor, podendo chegar a US$ 30 por amostra”, conta Ingra.
De acordo com Ester, os cientistas costumam recorrer a análises desse tipo quando precisam identificar um novo vírus emergente, como foi o caso do SARS-CoV-2 em 2019, ou detectar em amostras de pacientes um vírus já conhecido sem ter em mãos os reagentes específicos necessários, como ocorre agora com o vírus da varíola dos macacos.
A realização dos testes de diagnóstico molecular (RT PCR) requer os chamados “primers” (iniciadores), que são sequências complementares às sequências virais que iniciam a replicação do material genético. Após o processamento, o resultado precisa ser comparado com “controles” negativos e positivos. O RT PCR é considerado padrão-ouro para o diagnóstico da Covid-19 e de várias outras doenças.
“Quando tem início uma epidemia por um agente infeccioso novo, um dos grandes gargalos para o diagnóstico dos casos é a falta de primers específicos e de controles positivos. Essa técnica pode ser útil nessas situações, pois permite identificar patógenos ainda desconhecidos, para os quais não há reagentes”, explica Ester.
Quanto mais cedo ocorre a detecção do caso “índex”, o primeiro caso, maior a probabilidade de contenção de um vírus emergente, acrescenta Ingra.
No caso da metagenômica são usados primers aleatórios (não específicos para um determinado vírus ou bactéria), que possibilitam sequenciar todo o material genético contido em uma amostra biológica, inclusive o do hospedeiro (humano, no caso) e de outros agentes causadores de doenças que ele eventualmente traga.
Em seguida, essas informações são analisadas por técnicas de bioinformática e comparadas com um painel de referências. “Exatamente como foi feito com o MPXV. Os dados obtidos foram mapeados em uma sequência do vírus já disponível para estudos. E isso nos permitiu comprovar que se tratava do monkeypox”, diz Ingra.
A confirmação oficial do primeiro caso brasileiro de varíola dos macacos foi feita na quinta-feira (9) pelo Instituto Adolfo Lutz, de São Paulo.
O laboratório de referência paulista conduziu a análise metagenômica em uma plataforma conhecida como Illumina, uma das tecnologias que têm sido usadas para detectar o vírus da varíola dos macacos nos centros europeus e norte-americanos e considerada padrão-ouro. O sequenciamento por esse método leva em média 48 horas para ser concluído.
Já o grupo de pesquisa do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido usou um sequenciador portátil conhecido como MinION, da Oxford Nanopore Technologies, e fez adaptações no protocolo usado para sequenciar o vírus Zika e o SARS-CoV-2, tornando-o mais rápido.
“Uma das vantagens deste novo protocolo é a redução no tempo de preparo da amostra para sequenciamento, que passa de 14 horas para 5h40 minutos”, relata Ingra.
Como a taxa de erro é um pouco mais elevada que a da plataforma Illumina, a equipe do buscou gerar até 300 leituras redundantes para cada região do genoma viral. “Quando cobrimos diversas vezes a mesma região e encontramos o mesmo resultado, podemos ter certeza de que não se trata de um erro de leitura”, diz a pesquisadora.
O passo seguinte foi montar a árvore filogenética do vírus da varíola dos macacos isolado no Brasil. Para isso, os cientistas compararam a sequência obtida na USP com outras 102 divulgadas este ano por especialistas de países como Bélgica, Portugal, Reino Unido, Alemanha, Espanha e Estados Unidos. O objetivo foi avaliar o grau de semelhança entre as sequências, o que dá pistas sobre como o vírus pode evoluir.
“Baixamos todos os genomas completos sequenciados em 2022 [até 09/06], alinhamos as sequências e montamos a árvore filogenética. Vimos que o MPXV detectado aqui se encaixa em um grande clado [grupo], o mesmo em que estão os vírus sequenciados na Europa e nos Estados Unidos. Quando comparamos com o genoma de referência do CDC [o Centro de Controle de Doenças norte-americano], atualizado em maio, observamos somente três mutações”, conta Ingra.
A título de comparação, o primeiro genoma de MPXV sequenciado em 2022 apresentou 47 mutações em relação ao último caso até então descrito (em 2018, na África).
“O que essas mutações representam e se de alguma forma elas contribuíram para o aumento no número de casos é algo que ainda está sendo estudado por outros grupos de pesquisa. Nós aqui no CADDE vamos ficar de olho nos próximos casos. A ideia é continuar sequenciando para monitorar a evolução do vírus”, revela Ingra.
Embora seja conhecido por causar a varíola dos macacos, o MPXV é um vírus que infecta principalmente roedores na África. O patógeno integra a família Orthopoxvirus, a mesma do vírus da varíola humana, erradicada em 1980.
A doença geralmente começa com febre, fadiga, dor de cabeça, dores musculares, ou seja, sintomas inespecíficos e semelhantes aos de resfriado ou gripe. Alguns dias após o início da febre aparecem as lesões na pele, que contêm alta carga viral.
A disseminação se dá pelo contato direto com as lesões ou com roupas, lençóis e toalhas usadas por alguém com as feridas na pele. Também pode ocorrer pela tosse ou espirro de pessoas infectadas.
Até o início deste ano, a infecção era comum apenas na África Central. Mas novos casos já foram detectados em 33 países, a maioria sem histórico prévio da doença.