Nos primeiros seis meses do ano, os incêndios atingiram mais de 700 mil hectares da região do Pantanal, que desde o mês de junho sofre com o fogo ainda mais severo, potencializado pela seca.
Nesta quarta-feira (31), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobrevoa a cidade de Corumbá (MS), que concentra a maior parte das queimadas, e sanciona a lei que institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo.
Entre janeiro e junho, foram detectados 3.262 focos de queimadas. O número representa um aumento de mais de 2.000% em relação ao mesmo período do ano passado, e é o maior da série histórica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que começou em 1988.
E o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais do Departamento de Meteorologia (Lasa), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estima que o fogo deve queimar dois milhões de hectares até o fim de 2024.
Essencial para a dinâmica de renovação das pastagens, culturalmente o fogo é aplicado em épocas específicas pelos produtores rurais no Pantanal e em diversas regiões do país. No entanto, com as mudanças climáticas, o desconhecimento sobre o comportamento do fogo, principalmente em períodos de maior seca, acaba causando os incêndios que tomam proporções devastadoras.
No Pantanal, o uso do fogo está proibido até o fim do ano pelos governos estaduais de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul — onde está localizado o bioma — e o Ministério da Justiça usa a inteligência para investigar e punir os responsáveis por incêndios criminosos.
Para entender a situação no bioma, que tem mais de 150 mil quilômetros quadrados de extensão, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o SBT News conversou com WWF Brasil e Instituto SOS Pantanal, que responderam às principais dúvidas sobre o tema.
Como o clima do Pantanal já deixou de ser o "natural" da região há muito tempo, por causa das mudanças climáticas e impacto humano, o clima seco atual favorece, sim, as queimadas.
Gustavo Figueiroa, biólogo e diretor de comunicação do SOS Pantanal, explica que áreas que antes ficavam submersas pela água em grande parte do ano acumulam biomassa e matéria orgânica, que hoje estão secas.
De acordo com a analista de conservação Cyntia Santos, do WWF Brasil, todas essas mudanças fazem com que a região Pantaneira apresente um clima ainda mais seco, com períodos prolongados de estiagem, intensificados pela falta de chuva, o que também altera a dinâmica dos ciclos de cheia, aumentando as chances de incêndios.
A explosão de focos aconteceu no início de junho, principalmente devido à ação humana, já que as áreas onde os focos começaram são altamente povoadas, onde o fogo é utilizado para várias atividades.
"O problema é que antes o Pantanal vivia uma outra época, com muito mais água, então mesmo que esse fogo saísse um pouco de controle, logo encontrava uma barreira natural. Agora, como não tem água, a gente está vendo como esse fogo se espalha facilmente", explica Figueiroa.
De acordo com Cyntia Santos, o solo no Pantanal apresenta diferentes classes e é altamente rico em matéria orgânica, formando turfas (material feito de musgo) que podem ter muitos metros de profundidade.
Isso acontece por causa da abundância de espécies vegetais adaptadas aos ciclos de cheia e seca que permitiram que, ao longo dos anos, a composição do solo fosse acumulando esses materiais altamente inflamáveis. Então, o solo influencia na facilidade no alastramento do fogo e dificulta o combate, segundo o SOS Pantanal.
Ainda não é possível mensurar a quantidade de animais que morreram. De acordo com Gustavo, esse levantamento está começando a ser feito e "a gente só vai ter uma noção quando o ano acabar, quando esse estudo sair e isso leva um tempo, não dá pra saber quantos animais morreram só por ver a área queimada", explica.
Mas os indícios, segundo o WWF, apontam na direção da tragédia de 2020, quando mais de 17 milhões de animais vertebrados morreram atingidos pelo fogo no Pantanal, que teve mais de 600 mil hectares de área queimada. "As perdas de espécies animais são enormes e essa recorrência pode estar colocando as populações cada vez mais em risco. Para aquelas que sobrevivem, ainda implica o prejuízo da escassez de alimento e de água", diz Cyntia.
Para Figueiroa, a tendência é piorar. "A seca no Pantanal está só começando, o auge da seca é em setembro, ou seja, a gente já não teve cheia no Pantanal esse ano e, apesar de já estar muito forte, o auge dela ainda não chegou, então a tendência climatológica é ficar mais perigoso ainda".
Cyntia destaca também o impacto da degradação nas Cabeceiras do Pantanal — fontes de escoamento de água para a planície —, que, com as ações interrompidas, diminuem ainda mais o volume de água dos rios. Além disso, o fenômeno La Niña deve agravar ainda mais o cenário, com previsões de estiagens, com impactos até na agropecuária.
A resposta é sim, pode. Mas, segundo Figueiroa, do SOS Pantanal, apesar das previsões existentes, o fator humano é o que pode mudar para evitar queimar o tanto o que está previsto. "Vai depender muito da ação coordenada de combate e organização dos órgãos públicos e da sociedade civil", avalia.
De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), ao todo cerca de 500 funcionários do governo federal atuam em campo, apoiados por nove aeronaves, incluindo quatro aviões lançadores de água air tractors de Ibama e ICMBio e um KC-390 da FAB, com capacidade para carregar 12 mil litros de água.
Outras aeronaves estão em mobilização. Os governos federal e estadual, principalmente de Mato Grosso do Sul, têm reforçado o efetivo, o que, de acordo com os especialistas, é um bom sinal. "Se a gente comparar com outros anos, a resposta aos incêndios no Pantanal foram mais rápidas, parece que o poder público ficou mais sensível a essas questões e logo que começou a sair de controle eles já enviaram um efetivo grande", comenta Figueiroa.
O planejamento e atendimento imediato para as ocorrências de fogo sempre podem fazer a diferença e cooperar para reduzir o impacto do fogo e Figueiroa ressalta que o poder público ainda tem falhado muito nesse quesito. "Em vez de injetar muito dinheiro no combate, quem injete um terço desse dinheiro na prevenção, que as ações de combate vão ser muito menores", analisa.
Fortalecimento e formação de novas brigadas comunitárias e de proprietários rurais no Pantanal; subsídios para aquisição de equipamentos e materiais de consumo para enfrentamento do fogo; implementação das técnicas de Queima Prescrita e MIF – com órgãos ambientais e instituições afins cooperando com proprietários rurais para que os processos de licenças sejam rápidos e efetivos, são as principais ações citadas por Cyntia, enquanto Figueiroa destaca o monitoramento constante dos incêndios e a importância do rescaldo.