Condições climáticas muito diferentes que as observadas em outros anos estão por trás da seca extrema que castiga a Amazônia, alertam cientistas. A seca deve atingir uma área ainda maior e pode vir a se prolongar até o fim do primeiro semestre de 2024, causando uma tragédia humana e ambiental na região amazônica e com desdobramentos para o clima de outras partes do país.
Gilvan Sampaio, coordenador geral de Ciências da Terra do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), afirma que o El Niño tem levado a culpa sozinho, mas não é ele o principal responsável neste momento pela estiagem severa no Sudoeste amazônico e sim aquecimento excepcional do Oceano Atlântico Norte Tropical. O El Niño, porém, deve intensificar seus efeitos já na primavera. Combinados, os efeitos dos dois fenômenos podem provocar uma seca longa e devastadora, talvez a pior dos registros.
— Temos a pior combinação possível — enfatiza Sampaio.
A seca severa já fez o nível dos principais rios do Sul do Amazonas ficar abaixo da média histórica para esta época do ano, o período de estiagem. Um período naturalmente difícil se tornou dramático, com comunidades sem água e isoladas, pois a navegação se tornou difícil ou impossível em vários pontos de rios importantes, como Madeira, Juruá e Purus.
No estado do Amazonas, o mais atingido, 60% da população rural retira a água para o consumo humano diretamente, sem tratamento, de rios, igarapés, lagos ou açudes, segundo dados do IBGE. Apenas 10% da população do estado tem acesso à rede de água encanada.
— Em especial, a seca na Bacia do Rio Madeira deve piorar em virtude de o Atlântico Tropical Norte estar muito quente. Ou seja, lá não é o El Niño, que ainda está no início. Tudo indica que será uma situação semelhante ou até pior do que em 2005 no Sudoeste da Amazônia — destaca Sampaio.
O Atlântico superaquecido também foi a causa da devastadora seca de 2005, uma das piores registradas na Amazônia, só superada pela de 2010. Porém, diferentemente de 2023, 2005 não foi um ano de El Niño e em 2010 o Atlântico não estava tão quente quanto agora, diz Sampaio.
Por isso, este ano, com a combinação dos dois oceanos aquecidos a tendência é de uma seca generalizada no bioma.
— Este ano o Atlântico está ainda mais quente do que em 2005. Além disso, a combinação do Atlântico mais quente com o El Niño, que também reduz as chuvas na Amazônia, pode levar a uma seca de extensão e severidade ainda maior — frisa Sampaio.
À medida que o El Niño se fortalece, seus efeitos começam a ser sentidos com maior intensidade na Amazônia e a previsão é que as condições de seca avancem do Sudoeste para o Leste e o Norte da região ao longo da primavera e do verão. E perdurem pelo primeiro semestre de 2024.
Todo o Atlântico Norte e não apenas o Tropical tem estado excepcionalmente quente este ano. Anomalias de quase 2C na temperatura se manifestam em tempestades. Em setembro, o Atlântico Norte gerou o dobro do número de ciclones que o Pacífico, mesmo estando este em momento de El Niño. O Pacífico somou 37 ciclones contra 74 do Atlântico Norte.
A Bacia do Rio Madeira é a mais afetada pela atual seca e seus rios estão abaixo da cota mínima histórica. Sampaio explica que o aquecimento do Atlântico intensifica um fenômeno natural e que regula o clima no Sudoeste da Amazônia.
Normalmente, o ar que sobe para a atmosfera no Atlântico Tropical Norte desce no Centro-Sul da Amazônia nessa época do ano.
As águas mais quentes intensificam esse padrão de circulação atmosférica. O ar quente do oceano sobe com maior intensidade e também desce com força sobre a terra. É um sistema de alta pressão atmosférica, que aquece o ar por compressão e inibe a formação de nuvens e, consequentemente, de chuva.
Sampaio chama atenção para os efeitos do El Niño no Semi- Árido nordestino, sobretudo, a partir de 2024.
— O El Niño está se intensificando e a previsão atual aponta para situação de seca severa em 2024 nessa região — salienta o cientista.
As chuvas devem continuar muito intensas no Sul do Brasil na primavera e no verão. O calor segue forte em quase todo o país. Sampaio também destaca a possibilidade de eventos de chuva extrema nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul. O volume de precipitação mensal pode até ficar abaixo da média, mas há risco de temporais com chuvas muito intensas e concentradas.