Uma nova técnica desenvolvida por pesquisadores brasileiros que consiste na clonagem de espécies nativas da Mata Atlântica, algumas ameaçadas de extinção, pode acelerar o processo de reflorestamento de áreas devastadas.
O processo será testado em Brumadinho, Minas Gerais, na área impactada pelo rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, e foi divulgado pela revista Pesquisa Fapesp, periódico de divulgação científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Entre os biomas brasileiros, a Mata Atlântica é a mais ameaçada. Os primeiros impactos datam desde o século 16, quando os colonizadores portugueses desmatavam essas regiões para a construção de vilas e para a exploração do pau-brasil. Essa devastação continua até hoje.
Segundo a edição de maio de 2023 do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, restam apenas 12,4% da cobertura florestal original do bioma e, entre os anos de 2021 e 2022, mais de 20 mil hectares foram desmatados. O Atlas é uma colaboração entre a Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) que monitora a vegetação nativa do bioma desde 1989.
Se considerar os fragmentos maiores que 100 hectares, que são considerados os Maciços Florestais do bioma, ou seja, o principal hábitat para espécies raras e com maior estoque de carbono, restam somente 8,5% da vegetação original em todo o Brasil.
Entretanto, uma nova abordagem de reflorestamento de árvores nativas elaborada por pesquisadores do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, pode trazer a solução para a conservação da Mata Atlântica.
Chamada de “Resgate de DNA e indução de florescimento precoce em espécies florestais nativas”, a técnica utiliza enxertos (clones) e hormônios reguladores de crescimento preparados especificamente para cada espécie de árvore nativa do bioma, segundo a divulgação da revista Fapesp.
O método publicado como artigo na revista científica Annals of Forest Research, em março de 2020, acelera a maturidade da árvore e faz com que ela produza sementes, o que pode gerar novas plantas, mais rapidamente. Isso, por sua vez, agiliza o processo de regeneração florestal.
“A vantagem desse método é que se acelera a capacidade de produção de sementes pela própria mata e há uma agilidade maior no processo de sucessão ecológica, que é o nascimento de novos indivíduos que irão reflorestar a área”, comenta Yuri Tavares Rocha, engenheiro agrônomo e professor da Universidade de São Paulo (USP), que não participou da pesquisa.
De acordo com os pesquisadores brasileiros, árvores como o ipê-amarelo ou o jequitibá, que levariam de oito a dez anos para se tornarem adultas, levam apenas um ano para florescer usando essa técnica.
De acordo com a Pesquisa Fapesp, o primeiro passo consiste em identificar árvores nativas que podem não sobreviver ao dano de áreas atingidas por desastres ambientais ou a serem reflorestadas.
Em seguida, os cientistas coletam o material genético das espécies de interesse recolhendo galhos da copa das árvores e os levam para um viveiro, onde serão enxertados em parte da raiz ou no caule de outra árvore da mesma espécie ou da mesma família arbórea. Isso produz uma cópia dessa árvore enxertada, ou seja, um clone.
A enxertia, segundo a divulgação da Fapesp, é um método que une partes de um vegetal em outro para uma planta se desenvolva melhor. O seu uso é comum na horticultura, na fruticultura e na produção de árvores com forte apelo comercial, como eucaliptos e pinus. Nesses casos, o objetivo é propagar mais indivíduos geneticamente superiores e fazê-los florescer precocemente.
No entanto, o trabalho da UFV, inova ao utilizar a técnica em espécies de árvores nativas sob risco de extinção.
Depois de clonada, a planta resultante recebe hormônios reguladores de crescimento preparados para acelerar o florescimento. Cada espécie necessita de um preparo e dosagem específica, tornando esta a parte mais delicada do processo.
Depois de alguns dias de amadurecimento no viveiro, a planta é introduzida na área de reflorestamento, onde completa a transição do estado juvenil para o adulto, quando já produz flores e frutos e pode se reproduzir.
Outro ponto importante do trabalho é o cuidado em se manter a diversidade genética das espécies reflorestadas. “Quando se busca os ramos de árvores adultas na mata é interessante coletar de diferentes árvores”, afirma Tavares. “Porque as mudas geradas pela técnica serão geneticamente iguais à árvore matriz, clones. E é importante que se mantenha a variabilidade genética dentro de cada espécie”, acrescenta.
Vista do Pico do Lopo, em Extrema, Minas Gerais. A 1780 metros de altitude, ele é um dos picos mais altos dentro da Mata Atlântica.
FOTO DE JULIANA STERNAinda que o desenvolvimento da técnica já estivesse avançado, tendo sido elaborado em 2019, faltava que ela fosse testada em campo. A equipe de pesquisa tem a chance de testar essa técnica em Brumadinho, Minas Gerais, onde o rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, da mineradora Vale, resultou em um dos maiores desastres socioambientais do país. A área total de florestas afetadas em Brumadinho foi de 146 hectares.
Outro motivo para testar o método na cidade mineira vem do fato que o estado é o que mais acumula áreas devastadas da Mata Atlântica, segundo o Atlas da SOS Mata Atlântica. O documento aponta que dez cidades brasileiras concentram 30% do desmatamento total no período entre 2021 e 2022. Dessas, cinco estão em Minas Gerais.
A Universidade de Viçosa prevê o fornecimento de 6 mil mudas clonadas de 30 espécies diferentes, entre elas ipê-amarelo, jacarandá-da-baía, jequitibá-rosa, braúna e pequi. O projeto de reflorestamento começou em 2022 e deve receber todas as mudas clonadas em até três anos.
Ao mesmo nível que a Mata Atlântica é o bioma mais ameaçado, ela também é um dos mais estratégicos para a conservação. De acordo com a SOS Mata Atlântica, iniciativas internacionais apontam a Mata Atlântica como uma das prioridades mundiais para restauração florestal, pois sua conservação é fundamental para mitigar as mudanças climáticas devido ao potencial de sequestro de carbono e proteção da biodiversidade e da água.
Além disso, a conservação e a restauração do bioma são fundamentais para garantir serviços ecossistêmicos para 70% da população e 80% da economia brasileira, afirma a Fundação.
E, mesmo que o Brasil conte com uma lei específica para a conservação e proteção dessa floresta – a Lei da Mata Atlântica, que considera o bioma como patrimônio brasileiro – a proporção de áreas naturais da vegetação atlântica encontra-se abaixo do limite mínimo aceitável para sua conservação, que é de 30%, segundo o Atlas.