Homens negros são 3,5 vezes mais propensos a serem assassinados por arma de fogo que os não-negros, de acordo com estudo divulgado pelo Instituto Sou da Paz. Com o objetivo de monitorar os impactos da violência armada no país, com foco na mortalidade, a pesquisa aponta que, de 2012 a 2020, mais de 254 mil homens negros foram assassinados no Brasil vítimas de arma de fogo, o que corresponde a 75% do total de 338 mil mortes.
Desenvolvida com base em dados do Ministério da Saúde, a pesquisa se concentra na análise dos óbitos masculinos, que constituem a maioria das vítimas de violência armada no país. Os homens correspondem a cerca de 94% das mortes causadas por armas de fogo, em 2020. Desses, 81% eram negros.
A pesquisadora e coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, Cristina Neme, argumenta que o armamento é um fator de risco para crimes violentos. Para ela, os maiores índices de violência armada contra homens negros refletem a vulnerabilidade a qual esta parcela da população está submetida. Em 2020, a taxa de homicídios por armas de fogo nas regiões metropolitanas foi de 51,0 a cada 100 mil homens negros, um aumento de 10% em relação ao ano anterior.
“Dos anos 2000 para cá, a arma de fogo é o principal instrumento utilizado nos homicídios: 70% ou mais dos homicídios registrados no país, desde então, são praticados com arma de fogo. Essa proporção é ainda maior na população negra, na população masculina. A gente pode dizer que essa taxa de homicídio, muito superior para os homens negros, é uma consequência extrema de uma racismo estrutural que se apresenta de forma sistêmica na nossa sociedade e que aparece em vários indicadores, não apenas no indicador de violência”, pontua a pesquisadora.
De acordo com Instituto de Geografia e Estatísticas (IBGE), a proporção de pessoas pobres no Brasil, em 2021, era de 18% entre os brancos e praticamente o dobro entre os pretos (34,5%) e entre os pardos (38,4%). Além disso, a população negra tem os maiores índices de desemprego e informalidade, além de receberem, em média, pouco mais da metade que os brancos, R$1.764 e R$3.099, respectivamente.
A Constituição Federal de 1988 traz em seu texto que o racismo é “crime inafiançável e imprescritível”. A pena pode chegar a cino anos de reclusão. Nos casos de injúria, caracterizada pela ofensa à dignidade devido à raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência, a pena é de 1 a 3 anos de reclusão.
Entretanto, apesar da legislação, as estatísticas de diferentes institutos de pesquisa indicam que ainda existe uma ampla desigualdade racial no Brasil. O coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESEC) e doutor em ciências políticas, Pablo Nunes, afirma que os altos números de violência contra a população negra são fruto do racismo estrutural. Para ele, este processo faz parte das desigualdades produzidas pela sociedade.
“O racismo estrutural, em termo gerais, é um sistema que dá uma espinha dorsal para a sociedade e que garante aos brancos os privilégios desse cenário de desigualdade e aos negros relega o ônus desse processo de divisão da sociedade. Existe no centro da explicação o histórico de que corpos negros, pessoas negras não tenham direitos e também possam figurar como as vítimas desse tipo de violência”, argumenta o coordenador.
Em 2021, de acordo com dados do Fórum de Segurança Pública, o Brasil registrou 13.830 casos de injúria racial e 6.003 casos de racismo. No mesmo ano, as pessoas negras representavam 67,5% da população prisional brasileira. Na última década, 408.605 pessoas negras foram assassinadas, o que corresponde a 72% do total de homicídios registrados no período.
Ainda segundo o estudo do Instituto Sou da Paz, em 24 dos 26 estados brasileiros, desconsiderando o Distrito Federal, as armas de fogo são o principal instrumento de agressão nas regiões metropolitanas. A cada quatro homicídios, três envolvem o objeto.
O Anuário de Segurança Pública, divulgado no último mês de junho, aponta que o Brasil registra um total de 4,4 milhões de armas em estoque particular, a cada três registradas, uma está em situação irregular. De 2018 a 2022, os Registros Ativos de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CAC) cresceram 473,6%.
O número reflete a política de flexibilização do acesso a armas adotada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, segundo o estudo Armas de Fogo e Homicídios no Brasil, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O documento estima que, se não houvesse o aumento de armas de fogo a partir de 2019, mais de 6,3 mil homicídios teriam sido evitados, a estimativa indica que quanto maior a difusão de armas, maior a taxa de homicídios.
“Desde 2019, a legislação instituída pelo governo Bolsonaro tem avançado fortemente no afrouxamento e descontrole de armas de fogo e munição. Foram publicados mais de 40 atos normativos que descaracterizaram totalmente o Estatuto do Desarmamento (ED), permitindo com que o cidadão comum tivesse acesso a armas de fogo de alto potencial ofensivo, sem haver qualquer exigência de comprovação de efetiva necessidade”, diz o informe, publicado este ano.
Em relação à letalidade policial, o Anuário mostra que, entre 2013 e 2021, foram 41.171 mortes. Os negros são 84,1% das vítimas, o que corresponde a 4,5 por 100 mil habitantes.