Mais de um terço dos desaparecidos no Brasil são crianças e adolescentes de até 17 anos. Nessa faixa etária, são 30 mil desaparecidos atualmente, segundo registros feitos em delegacias reunidos pelo Sistema Nacional de Localização e Identificação de Desaparecidos (Sinalid), do Conselho Nacional do Ministério Público. No total, o país tem 84,9 mil pessoas desaparecidas.
Para aumentar o percentual de resolução dos casos, um cadastro nacional está sendo criado para unificar as informações sobre desaparecidos no país. A base de dados do governo federal irá usar a tecnologia e os registros já presentes no Sinalid, que é o maior sistema público de enfrentamento ao desaparecimento no Brasil.
Como o sistema foi criado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), o governo firmou um acordo de cooperação técnica com o ministério para repasse de informações e conhecimento acumulados.
Gestor técnico do Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (PLID) do Ministério Público do RJ, André Luiz Cruz afirma que a unificação dos dados é a melhor maneira de melhorar a eficiência das buscas. Ele cita que, em geral, as famílias que buscam delegacias para procurar parentes são aconselhadas a procurarem hospitais e os institutos médicos legais (IMLs) da região.
“Principalmente no caso do Rio de Janeiro, você ter que peregrinar por tantos hospitais e IMLs é inviável. Não faz sentido que mesmo uma pessoa estando sob os cuidados do Estado, em algum hospital público, por exemplo, a gente não tenha uma organização dos dados suficiente para circular essa informação”, afirma Cruz.
O especialista defende que, para melhorar a eficiência da ação policial, é preciso que todas essas informações estejam disponíveis de maneira imediata “para que várias opções já sejam descartadas, e a investigação se inicie apenas se realmente não for possível localizar o desaparecido em nenhum equipamento público”.
Os números do Sinalid mostram que a faixa etária com maior número de desaparecidos é de adolescentes entre 12 e 17 anos, com mais de 30% dos casos. Para Cruz, do MPRJ, os casos mais complexos, que levam até anos sem solução, também são, principalmente, de crianças e adolescentes.
“Isso acontece, primeiro pela maior vulnerabilidade que é natural entre as crianças, e também pela própria dificuldade que os menores têm de se identificarem, de dizerem que são filhos de tal pessoa, descreverem seu endereço. Além disso, a maior parte não tem documento de identidade. Um estudo feito pelo MP há alguns anos mostra que as pessoas começam a fazer esse tipo de documento já com mais idade, de 15 a 16 anos, então nos casos de crianças mais novas, é impossível ter uma identificação da digital”, afirma o gestor do programa.
Cruz destaca ainda que é preciso dar a devida assistência para as famílias das pessoas que desaparecem por longos períodos. “Os efeitos colaterais dos desaparecimentos que se prolongam por muito tempo são muito nocivos e específicos, não são iguais a casos de morte ou outras ocorrências, então é preciso qualificar profissionais para esse tipo de atendimento”.
Luciene Torres é uma das mães que sofre com a agonia de ter uma filha desaparecida. Luciane da Silva tinha 9 anos quando desapareceu, em 2009, no KM 32, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Depois de 10 anos sem respostas, ela resolveu criar uma rede de apoio com outras pessoas que passam pela mesma situação: a ONG Mães Virtuosas do Brasil.
“Por muito tempo, eu participei de diferentes grupos, mas eu sempre tive a ideia de que a gente precisava ir para rua, perguntar para as pessoas sobre nossos filhos, e ninguém concordava. Então eu acabei buscando contato com outras mães, que concordaram com essa ideia, e hoje já temos mais de 200 pessoas no grupo de mensagens. Só nós conseguimos entender a dor da outra e por isso somos quem mais pode ajudar”, conta Luciene.
Junto com o grupo, Luciane se encontra nesta segunda-feira (30) com Analine Castro, esposa do governador Cláudio Castro, para falar sobre as demandas dos familiares de desaparecidos. Uma das principais reclamações em relação ao tratamento dos casos é a “frieza e falta de interesse” com que eles são recebidos em delegacias policiais.
“Nós precisamos de uma delegacia especializada em desaparecimentos na Baixada. E mesmo que não seja possível, por que não colocar mulheres como nós para dar assistência social a outras? O atendimento pode ser feito, por exemplo, nas delegacias de mulheres, que afinal serão mães também e vão poder atender com muito mais cuidado”, afirma a fundadora da ONG.
Ela afirma ainda que o delegado responsável pela investigação pedia que ela produzisse provas para dar seguimento ao caso e, inclusive, que fosse para possíveis paradeiros da filha para procurar indícios da menina.
Flávia Barcellos, participante da organização, sugere que, além do registro, a delegacia disponibilize um psicólogo para atendimento das famílias.
“Nós pedimos que tenha pelo menos um psicólogo ou psicóloga na delegacia, porque é um momento de dor imensurável, e que a gente precisa de um cuidado maior. Os policiais não estão preparados para isso, e muitas vezes não fazem o procedimento correto, de busca imediata, por exemplo”, afirma Flávia Barcellos, integrante da ONG Mães Virtuosas.
A integrante do grupo conta que perdeu a filha Vitória, de 3 anos, em 2015 em uma igreja. Segundo ela, agentes se negaram a realizar boletim de ocorrência e aconselharam que a mãe esperasse 24 horas do desaparecimento para fazer o registro. Para o gestor do programa de localização de desaparecidos do MPRJ, o protocolo atual de recebimento desses casos nas delegacias “faz com que os agentes não tenham a percepção de responsabilidade sobre os casos”.
“O procedimento para ocorrências como furtos e roubos é muito diferente do que deveria ser para casos de desaparecimentos. As pessoas que perdem um celular não voltam na delegacia para perguntar se ele foi encontrado, elas vão na esquina e compram outro. Já no caso dos familiares, não tem como, elas voltam frequentemente porque tudo que eles querem é encontrar o ente querido. Só que os agentes não estão preparados para esse atendimento e isso precisa ser alterado, precisa haver qualificação pra isso”, afirma Cruz.
Em nota, a polícia civil informou que conta com a delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA), especializada para investigar casos de desaparecidos. Ainda segundo a corporação, as delegacias de homicídios e as distritais têm agentes capacitados e unidades para apurar esses casos.
*Sob supervisão de Helena Vieira, da CNN.